“A omissão do Estado em relação à questão agrária e indígena no Brasil é algo que reforça a violência no campo brasileiro enquanto um problema estrutural, ao mesmo tempo em que fortalece a elite agrária e provoca a morte dos povos indígenas”. A afirmação é de Eduardo Luiz Damiani Goyos Carlini, geógrafo, que fez parte da Expedição Marcos Veron, que visitou, até o último dia 25 de janeiro, diversas aldeias do estado de Mato Grosso do Sul para registrar a situação de vida dos Guarani-kaiowá e as ameaças de morte às suas lideranças. O geógrafo afirma que a ação dos fazendeiros se configura por homicídios bem planejados. Não mandam matar qualquer membro da comunidade, mas sim lideranças – sejam eles caciques ou professores. Tiram de circulação aquelas pessoas escolhidas pela própria comunidade por terem a capacidade de repassar os ensinamentos para o coletivo e inevitavelmente fortalecer a organização do movimento indígena. A perda dessas referências para a comunidade traz, em si, o medo como parte do cotidiano. E essa é uma estratégia utilizada pelo agronegócio para o extermínio desses povos.
Entraves jurídicos - Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 assegura aos indígenas de terem reconhecido o direito às terras originárias que tradicionalmente ocupam. Trata-se de um direito anterior e oponível a qualquer ocupação e reconhecimento, independentemente da época de concessão do título de propriedade. Assim, a demarcação não é um ato administrativo que constitui a terra indígena, mas é mero ato de reconhecimento, tendo natureza declaratória. E quando ocorre a demarcação paga-se apenas o valor das benfeitorias de boa-fé, porque o título de propriedade é considerado inexistente e nulo.Contudo, os interesses econômicos em torno da terra no Mato Grosso do Sul e a ausência de uma atuação do Estado na efetiva demarcação das terras indígenas (cujo prazo estipulado pela Constituição de 1988 era de cinco anos), que se encontram dentro dessas áreas, geram diversos conflitos. Só para se ter uma ideia, sem aprofundarmo-nos muito na análise dos dados, na última publicação do CIMI, em 2011, podemos identificar que no ano de 2010 mais de 152 ameaças de morte foram registradas no país, sendo que 150 ocorreram em Mato Grosso do Sul. Do mesmo modo, dos 398 outros tipos de ameaças sofridas pelos indígenas no Brasil, 390 foram em Mato Grosso do Sul. Entre as tentativas de assassinato, das 22 registradas no país, 17 ocorreram nesse estado. Podemos também lembrar dos dados que dizem respeito aos assassinatos que ocorreram no referido ano: dos 60 que aconteceram em todo país, 34 foram confirmados em Mato Grosso do Sul.
FUNAI – O geógrafo relata que ao visitar a Aldeia Laranjeiras Nhanderú, cujo acesso passa pela lavoura de soja da fazenda de José Raul das Neves, pai do presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) do município de Rio Brilhante foram alertados de que estavam presos ali. O acesso à estrada tinha sido bloqueado pelo proprietário. A Polícia Federal e a Funai intervieram e garantiram a saída. Durante a conversa com a encarregada da Funai, quando questionada sobre qual o papel do órgão, afirmou que “o papel da Funai é mediar conflito entre os fazendeiros e os indígenas”. A Funai cumpre hoje o mesmo papel desempenhado pelo Serviço de Proteção ao Índio – SPI na primeira metade do século passado. O SPI contribuiu fundamentalmente para o acirramento do conflito na região, com a criação das reservas indígenas. O papel dessas reservas foi o de confinamento das aldeias em áreas de no máximo 3.500 há. antes espalhadas sob uma vasta área que configurava o território Kaiowá. É interessante notar que aquilo que, num primeiro momento, pode nos parecer algo coerente, como no caso a criação das reservas, era na verdade a liberação da área, garantindo assim o loteamento da região, beneficiando as elites agrárias em detrimento da manutenção do modo de vida Guarani-kaiowá. O geógrafo conclui dizendo que ‘hoje não é diferente; precisamos ter clareza. Ao se pronunciar, a encarregada da Funai não fez nada mais do que nos mostrar qual o interesse do governo sobre essa questão. Afinal, atender à demanda indígena é contrariar a política federal de incentivo ao agronegócio. Por isso que essa situação está sendo “mediada”, em vez de ser resolvida (entrevista publicada no IHU e adaptada pelo blogueiro)