As Crises e Oportunidades em Tempos de Mudanças, foco das discussões do Fórum Mundial Social Temático, que acontecerá em Salvador (BA), entre os dias 29 e 31 de janeiro, estão alinhadas em um artigo publicado na internet, assinado pelo professor Ignacy Sachs, um dos principais nomes mundiais na área da economia sustentável, por Carlos Lopes, sub-secretário geral da ONU e dirigente da Unitar, e por Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Em uma frase, o texto resume o ponto central das preocupações que devem dominar as discussões sobre a crise atual: “Trata-se de salvar o planeta, de reduzir as desigualdades, de assegurar o acesso ao trabalho digno e de corrigir as prioridades produtivas”, e destaca a profunda desigualdade que caracteriza a humanidade: “Os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da renda. Como ordem de grandeza, os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6%. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes o equivalente dos 20% mais pobres, em 1989 era 140 vezes”, para chegar à “conclusão bastante óbvia” de que “estamos destruindo o planeta, para o proveito de um terço da população mundial”.
Para os autores do documento, “o drama da desigualdade não constitui apenas um problema de distribuição mais justa da renda e da riqueza: envolve a inclusão produtiva digna da maioria da população desempregada, subempregada, ou encurralada nos diversos tipos de atividades informais”.
O caminho a seguir, segundo eles, é “evoluir cada vez mais para o como fazer, para os mecanismos de gestão correspondentes, para a descoberta das brechas que existem no sistema no sentido da sua transformação. O mundo não vai parar em determinado momento para passar a funcionar de outro modo. Cabe a nós introduzir, ou reforçar, as tendências de mudança. A análise dos processos decisórios e a busca de correções tornaram-se centrais”.
“O novo modelo que emerge está essencialmente centrado numa visão mais democrática, com participação direta dos atores interessados, maior transparência, com forte abertura para as novas tecnologias da informação e comunicação, e soluções organizacionais para assegurar a interatividade entre governo e cidadania”, diz o documento.
Lembrando que o papel do Estado é “central, inclusive na dimensão mundial da crise, o eixo estratégico de construção dos novos sistemas de regulação passará mais pela articulação de políticas nacionais do que propriamente pela esfera global”. Mas destaca também o potencial da gestão local, que “permite a apropriação efetiva do desenvolvimento pelas comunidades”.
Outra proposta é a de evoluir na avaliação dos resultados das atividades produtivas. “em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável”.
O texto considera importante assegurar a renda básica para toda a população, rebatendo “a teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda”. Pelo contrário, assegura que a tese é desmentida pelos fatos: “sair da miséria estimula”, diz.
Outra medida importante para a mudança de rumos da atual civilização é a redução da jornada de trabalho, de acordo com os intelectuais, autores do documento. “A redução da jornada não reduzirá o bem estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida”, observam.
Os autores consideram, no entanto, que é fundamental favorecer a mudança do comportamento individual, para o desenvolvimento de um novo modelo de civilização. “O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais”, explicam.
Mudanças profundas também são necessárias nos sistemas de intermediação financeira atuais. Para isso, sugere a taxação das transações especulativas e o desenvolvimento de uma nova lógica dos sistemas tributários, tendo como eixo central não a redução dos impostos, mas a cobrança socialmente justa e a alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. Sugere, por exemplo, a taxação das transações especulativas, das grandes fortunas, o imposto sobre a herança e um imposto sobre a renda com maior peso em relação aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda.