quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Cardeal Jean-Claude Hollerich, relator geral no Sínodo: 'O celibato é indispensável?'

 Repensar o celibato e a forma de considerar a sexualidade, mulheres em papéis de responsabilidade, formação dos sacerdotes. A enésima crise de abusos contra menores parece ter dado um impulso a reformas que agora são exigidas por alguns dos cardeais de maior autoridade. Reinhard Marx, arcebispo de Munique, já havia falado sobre isso depois do relatório (encomendado por ele mesmo) sobre sua diocese, 497 casos desde o pós-guerra: “Acertar as contas com os abusos não pode ser separado do caminho da mudança e reforma da Igreja". E agora quem fala sobre isso é o cardeal luxemburguês Jean-Claude Hollerich, 63 anos, jesuíta como Francisco, escolhido pelo Papa como relator geral no Sínodo que se reunirá no Vaticano no próximo ano.

Isso não significa que as reformas serão aprovadas pelo Sínodo, mas que a discussão está aberta, sem reticências. Em longa entrevista ao La Croix-L'Hebdo, o semanário do cotidiano católico francês, o Cardeal Hollerich partiu do relatório sobre os abusos na França, 216.000 vítimas do clero desde 1950: "Há um erro sistêmico... Devemos adotar mudanças. Parece-me claro que esses temas estarão na mente e no coração de todos durante o processo sinodal". Entre as "mudanças sistêmicas", Hollerich fala do celibato: "Perguntemo-nos francamente se um padre deve necessariamente ser celibatário. Eu tenho uma opinião muito elevada sobre o celibato, mas é indispensável?

Tenho diáconos casados em minha diocese que exercem seu diaconato de maneira maravilhosa. Por que também não ter padres casados?”. E nesse "também" há uma hipótese subjacente há anos, a dupla disciplina. O celibato não é um dogma, na Igreja Católica já existem padres casados: a disciplina monástica vale para a Igreja latina, mas naquelas católicas orientais há um clero celibatário e um casado. Mas o cardeal vai mais longe. “Se as mulheres e os jovens tivessem tido mais voz a respeito, essas coisas teriam sido descobertas muito antes.' E, além disso, há a formação do clero: “Deve mudar. Não deveria ser centrada apenas na liturgia. Formar os sacerdotes é um dever de toda a Igreja, leigos e mulheres devem ter voz a respeito". E ainda a sexualidade: “Até agora tivemos uma visão bastante reprimida. Obviamente, não se trata de dizer às pessoas que podem fazer qualquer coisa ou de abolir a moralidade, mas acredito que temos que dizer que a sexualidade é um dom de Deus.

Nós o sabemos, mas o dizemos? Não tenho certeza". Além disso, “os sacerdotes também devem poder falar da sua sexualidade e serem ouvidos se tiverem dificuldade em viver o seu celibato”, considera Hollerich: "Quanto aos padres homossexuais, e são muitos, seria bom se pudessem conversar a respeito com seus bispos sem que este os condenasse". (Fonte: IHU)

sábado, 22 de janeiro de 2022

III domingo comum - Um messias-povão, conhecido, próximo, solidário e não um carismático iluminado, poderoso e glorioso! (Lc 1,1-4;4,14-21)

 É um Jesus totalmente novo e diferente aquele que retorna a Nazaré depois do seu batismo. Fica evidente a ruptura radical com o seu passado. Não segue mais a tradição da liturgia diária da sinagoga. Aliás, usa a aquele espaço para tornar mais visível a sua nova identidade. É um Jesus que alimenta como o seu povo cansado e sem ‘vinho novo’ o desejo de um ‘messias’ libertador. Mas, libertador de que, afinal? A didática altamente provocante de Jesus foi aquela de escolher a dedo, - sem se importar das leituras já selecionadas pela liturgia do dia, - a profecia de Isaias que apresenta a missão do ‘ungido’ que todos esperavam. Não escolhe trechos proféticos que façam referência às reformas litúrgicas ou do templo, ou novas modalidades de rezas e sacrifícios, nem tampouco, regras novas sobre o dogma da purificação. Ao contrário, escolhe o trecho em que o futuro ‘messias’ se apresenta como aquele que libertaria as pessoas das injustiças e das opressões, das dominações e das manipulações, abrindo as mentes (olhos) e os corações das pessoas. Contudo, há um pormenor importante das profecia de Isaias que é omitido: ‘o dia da vingança do nosso Deus’. Nada disso! Interrompe aqui a leitura, Fecha o livro e, observado com espanto pelos presentes, Jesus ousa afirmar que tudo aquilo que está descrito por Isaias se cumpre Nele, hoje! O messias poderoso, vingador, reformador, um enviado direto de Deus mesmo, é ignorado por Jesus. E por uma única razão: o messias ungido, para Jesus, são todas aquelas pessoas comuns, conhecidas, próximas, humanas conscientes como o era Jesus, e como podiam ser os seus próprios patrícios. Um messias entendido como um ser muito próximo e demasiadamente humano, no entanto, não poderia jamais ser aquele que os dogmáticos religiosos esperavam. Mais ainda se o messias de Jesus não era um ser individual, mas um messias-povão, messias-Zé ninguém, mas renovado na sua mentalidade e consciente da sua força transformadora. 

Em ano de eleições presidenciais, no nosso país, ainda há pessoas que acham que a sua redenção passa por um presidente messiânico-carismático, e delegam a ele a missão de iniciar as mudanças necessárias.

sábado, 15 de janeiro de 2022

II domingo comum - Jesus é o vinho novo da alegria de amar e de viver! Sejamos vinho amoroso para o rancoroso e o amargo! (Jo. 2,1-11)

 Nem sempre a nossa sensibilidade e a capacidade de entender o espírito humano nos revelam o drama existencial de uma nação. A nossa inata cegueira, tão conveniente, às vezes, a nossa estrutural distração não nos permitem compreender que em determinados momentos históricos uma inteira nação está à beira do abismo. Um povo que vem fazendo a experiência do fracasso, da destruição de valores, de ideais e de sonhos acalentados coletivamente por séculos.  

O primeiro dos ‘sinais’ de Jesus, apresentado por João quer ser uma cartão de visita do próprio Jesus para deixar claro para todos a que veio! De imediato entendemos que Jesus veio para ser o vinho novo, o vinho da alegria de viver, o amor radical que faltava a Israel. Uma misericórdia compassiva e uma alegria que a religião oficial, a do templo e da liturgia das purificações e dos sacrifícios já não conseguia proporcionar. O interessante da catequese de João é que tudo é colocado em um contexto de casamento, de aliança permanente. Nada de gestos esporádicos de compaixão, mas o claro propósito de assumir permanentemente o compromisso de ‘amar e respeitar por toda a vida’ o amado, o seu povo! Esclarecedor, enfim, é o papel de Maria que aqui representa simbolicamente uma parte do povo crente de Israel. Aquele povo que tem ainda suas raízes fincadas na antiga aliança, a das leis e dos ritos, mas que percebe a novidade trazida por Jesus e a este apela e suplica: ‘não temos mais vinho’! Não temos mais esperança! Perdemos a alegria de viver, de rezar, de lutar! Nos ajude a voltar a amar e a sermos felizes! 

Bem aventurados aqueles que dão fé quando falta a alegria de viver e a capacidade de amar e se deixar amar em uma nação! Bem aventurados aqueles que dão amor e motivação para continuar a resistir, a crer, e a se doar, mesmo quando, ao seu redor, tudo parece desmoronar....


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Attraversare tempeste - una riflessione sul brano di Luca 8,22-25

C’é un che di paradossale nel nostro comportamento. Da una parte possiamo conoscere e interagire, anche se in modo superficiale, con il mondo circostante e con quello remoto mediante un semplice apparecchio digitale. Contemplare luoghi e costumi di ogni genere, senza mettere i piedi fuori di casa. Una minoranza privilegiata si permette di accedere fisicamente ad alcuni di questi luoghi. Alcuni magnati, annoiati di stare su questo povero pianeta, hanno deciso di praticare, addirittura, ‘il turismo spaziale’! E dall’altra parte, ci sono pochissime persone che manifestano sensibilitá e coraggio per entrare in sintonia con gli uomini e le donne che vivono in quei luoghi. Avvicinarsi con affetto ed empatia al loro universo fatto di sogni e speranze, ma anche di sofferenze e di conflitti di ogni tipo. Diventa ancor piú problematico quando, finalmente, sono invitati a coinvolgersi con ‘questi ignoti’ per convivere e costruire assieme ad essi! Come é difficile abbandonare la ‘propria riva’ per traghettare ad altre che non conosciamo e non ci appartengono culturalmente e che, - possibilmente, - ci faranno sentire insicuri e fragili. Luca che é un vero educatore missionário, nel senso pieno del termine, ci riferisce nel suo vangelo che ogni qualvolta Gesú chiede ai suoi discepoli di andare ‘all’altra riva del lago’, ossia in terra straniera, scatta la loro resistenza, e sorgono perturbatrici incomprensioni all’interno del gruppo. Per capire meglio il testo citato é bene ricordare cosa era appena accaduto, precedentemente, nei versetti 19-21. La madre di Gesú e i suoi fratelli volevano vederlo, ma Egli rispose con franchezza che ‘mia madre e i miei fratelli sono coloro che ascoltano la parola di Dio e la mettono in pratica’. Gesú lascia capire che ‘essere famiglia’ non si fondamenta su elementi genetici o culturali similari, ma si costruisce su altri valori: sull’ascolto della parola di Dio e sulla capacitá di metterla in atto. Con ció, Gesú si allontana definitivamente sia dalla visione riduttiva della famiglia biológica, e sia dall’auto-coscienza arrogante del nazionalismo tradizionalista teocratico della classe sacerdotale. 

Con questa visione Gesú chiede ai suoi discepoli di fare un radicale passaggio nella loro vita: abbandonare la ‘riva’ del legalismo religioso nazionalista sterile per approdare alla sponda dell’accoglienza compassiva dove vivono gli impuri rifiutati dal purismo rituale del tempio e gli stranieri maledetti dal nazionalismo integrista teocratico. E costruire assieme un nuovo modello di famiglia-chiesa in cui ci fosse dialogo e simbiosi permanente fra le due sponde. Capiamo che la tempesta che intimidisce, in realtá, é l’espressione dell’opposizione interna del gruppo di Gesú al suo progetto di essere buona notizia di coesione per tutti e con tutti, e non una manifestazione del Suo potere su fenomeni metereologici!Luca ha certamente sotto gli occhi le sue comunitá demotivate e in balia di molte insidie. Chiese domestiche che inneggiano il Signore, che lo aspettano con ansia dal cielo, ma che manifestano contrarietá difronte al ricordo sconcertante di un Gesú storico che accoglieva con compassione e senza pregiudizi gli impuri e gli esclusi facendo comunione con essi, pur aizzando le ire dei ben pensanti della casta religiosa. Oggi, vari settori e persone della nostra barca-chiesa si muovono come minacciose tormente che mettono a repentaglio la fedeltá alla missione di Gesú di Nazareth. Incastellati sui falsi pilastri della ‘tradizione, patria, famiglia e propritá’, e ostentando pseudo-identitá ecclesiali e nazionali, vari porporati e cattolici comuni non accettano che ‘la chiesa sia il luogo delle relazioni, della convivenza delle diversitá’ come ci ricorda Francesco. 

Questi settori della chiesa cattolica, eufemisticamente chiamati ‘uomini di chiesa’ sono autentiche ‘quinte colonne’ che invece di ‘spalancare le porte del cuore e dei saloni parrochiali’ alzano muri impenetrabili a coloro che cercano una ‘sponda e una spalla amica’: i migranti, i rifugiati, i disoccupati, i mendicanti, i dipendenti chimici, gli incarcerati... Essi non vogliono né una ‘Chiesa in uscita’ e nemmeno un ‘Cristo traghettatore di nuove rive’. Tuttavia, il Gesú impavido forgiato nelle grande turbolenze umane continua ad ispirare uomini e donne che, senza timore, affrontano i provocatori di tempeste e di immense sofferenze. Sentono, per la fede, che il loro Maestro, apparentemente indifferente difronte alla gravitá della situazione, stá a bordo con essi. É quanto basta! Sanno che nessun passaggio da una realtá di egoismo e di indifferenza a una realtá di dialogo con ‘l’altro’ e di comunione con coloro che vivono su altre rive non é immune a persecuzioni e a incertezze. Credono, peró, che é proprio in questa loro azione impercettibile e costante di traghettare persone e rinnovate speranze che trovano, continuamente, la vera pienezza di vita. Beati sono oggi i traghettatori-missionari della speranza perche troveranno pace e coraggio nelle turbolenze della vita!

L'articolo appare sulla rivista Comboniana 'Nigrizia'

Funai abandona proteção de um terço das terras indígenas, inclusive onde há isolados

 Desde o final do ano passado, o planejamento de ações de proteção territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai) está restrito a terras indígenas homologadas pela presidência da República, ou seja, cujo processo de demarcação está concluído. A determinação significa o abandono de um terço dos territórios - justamente os mais vulneráveis - pelo órgão responsável por garantir os direitos dos povos originários. Segundo a plataforma Terras Indígenas do Brasil, mantida pelo Instituto Socioambiental (ISA), 239 das 726 terras indígenas brasileiras não passaram por homologação. A exceção à nova medida, conforme aponta ofício interno da Funai, são áreas objetos de decisões judiciais. O documento não especifica, porém, se a referência são as decisões judiciais apenas em processos já transitados em julgado, ou seja, sem possibilidade de novos recursos, ou de todos que já possuam uma sentença de qualquer instância.

Segundo Fernando Vianna, presidente da Indigenistas Associados (INA), associação que congrega servidores da Funai, a transferência da responsabilidade para outras instâncias de fiscalização "não vai surtir efeito". 'Se a Funai não tem uma postura proativa de puxar a necessidade de fazer uma ação, esses órgãos não vão fazer só porque receberam uma denúncia. Se a Funai tem essa postura omissa, a omissão tende a ser generalizada por parte dos outros órgãos", prevê. Rotineiramente, indígenas relatam aos servidores das diversas partes do país a existência de atividades ilícitas, como invasões, garimpo e extração de madeira ilegais, além de caça e pesca proibidas. A partir dessas informações, agentes das unidades descentralizadas planejam ações de fiscalização e as incluem em propostas de trabalho submetidas à coordenação, sediada em Brasília. "Agora eles estão proibidos de fazer isso", explica Vianna. "Equivale a dizer que essas terras não vão ser demarcadas. E que quem quiser explorá-las, pode fazer, porque nós não vamos protegê-las", critica o indigenista. Para a associação de servidores da autarquia, essa é a mais recente de uma série de medidas administrativas da Funai que visa beneficiar invasores, em prejuízo ao direito originário dos povos indígenas sobre os territórios ancestrais. "Uma instrução de 2020 já desobrigava a Funai de comunicar para proprietários ou possuidores não indígenas de que seus imóveis rurais incidem sobre terras indígenas não homologadas", aponta.

Isolados

 Entre as 239 terras indígenas não homologadas, estão cinco territórios que contam com a chamada "restrição de uso", em razão da presença de grupos isolados que não mantêm contato com os não indígenas. Sem instrumentos para se defender de invasores e dotados de um sistema imunológico mais suscetível a doenças, esses povos não contam mais com a proteção da Funai. As áreas mais vulneráveis, segundo o presidente da INA, são a Piripikura no Mato Grosso e a Ituna/Itatá no Pará, cercadas pelo monocultivo de soja, milho e da pecuária. "Essas terras tem sofrido altas taxas de desmatamento, tem sido alvo de muito cobiça. [Desprotegê-las] é deixá-las completamente a mercê da ação dos desmatadores, que já tem sido intensa. Agora, com menos proteção, será presumivelmente muito mais intensa.

 Inconstitucional

 Na avaliação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a medida viola a Constituição Federal e tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas. "A Funai está deixando de fora todos aqueles territórios que constitucionalmente se encontram protegidos e reconhecidos como terras indígenas, mas que por uma ineficiência do próprio Estado brasileiro não têm sido demarcadas, homologadas e registradas. O direito dos indígenas de ocuparem seus territórios não vem, portanto, da Constituição, nem do processo administrativo de demarcação. Antes disso, é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado', afirma uma jurista do CIMI.

Outro lado

"No que se refere a áreas ocupadas por indígenas, mas não homologadas, não é razoável a atuação da Funai em ações de fiscalização territorial, pois tais áreas, em sua grande maioria tituladas em nome de particulares, não integram o patrimônio público (não são bens da União), uma vez que não foi ultimado o procedimento demarcatório, com definição de seu perímetro, e quase sempre são objeto de litígios judiciais possessórios ou dominiais entre indígenas e não indígenas", prossegue o comunicado publicado em resposta a reportagem do jornal O Globo sobre o tema.

(Fonte: Brasil de fato)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

No Brasil, a banalização da morte é um programa político. O escândalo genocida da vida é tratado como irrelevante. (José de Souza Martins)

....Há dois anos a cultura da morte preside nossa vida cotidiana, o oposto da concepção que da vida tínhamos até então. Há dois anos estamos à espera do pior que poderá vir. Muitos parentes, amigos e conhecidos esperaram menos. Isolados, partiram sem dizer adeus. A vida se transformou num velório permanente, cada um à espera de sua vez ou à espera da vez de pessoas que fazem parte integrante de nossa vida pessoal, como pais, irmãos, filhos, avós.

O que foi agravado pelas omissões do governo e do Estado, que trataram a pandemia como evento propício à minimização e até ao desmonte das políticas sociais e à redução do Brasil a um empreendimento funerário e lucrativo, um indício da decadência da economia de crescimento econômico sem desenvolvimento social. O país revelou-se despreparado para enfrentar no plano social as adversidades próprias do capitalismo subdesenvolvido que se manifestaram na pandemia. Um capitalismo brasileiro, meia-boca, porque de grandes lucros e de grandes misérias ao mesmo tempo. Em casos assim, as sociedades normais e bem governadas são capazes de colocar entre parênteses a cobiça de seus membros mais pretensiosos e sua ambição de poder, suas tendências anômicas e, assim, criar regras de uma sociedade de emergência que lhes permita restabelecer a ordem e assegurar-lhes a sobrevivência. O altruísmo emerge e se sobrepõe ao egoísmo. Esse é o processo natural, historicamente comprovado nas sociedades em estado de normalidade, conscientemente protegidas contra o risco ou a abrangência da anomia.

....Mais grave é que as anomalias decorrentes do encontro perverso entre a pandemia e um governo explicitamente empenhado em desgovernar para peitar a opinião democrática nos revelaram que larga parcela da população lhe é voluntariamente cúmplice nas orientações ideológicas e políticas. Propositalmente comprometida com o desmonte do Estado para revogar direitos sociais. Inimiga de si mesma ao se tornar inimiga do outro e, portanto, de todos. Aqueles 30% dos brasileiros que, mesmo à vista do genocídio e das injustiças crescentes, da miséria e da fome, persistem na fidelidade ao governante transgressor, indicam que uma onda socialmente destrutiva está instalada na estrutura da sociedade brasileira porque já o estava e foi robustecida de propósito. Uma classe média autoritária mostrou que teve condições de viabilizar a tomada e o controle do poder, como fez por meio deste governo. Não é gente despistada apenas. É gente que quer isso mesmo. Gente que acredita que o bom governo é o governo ditatorial, que os direitos são os próprios e não os alheios nem os de todos.

....A banalização da morte é, no Brasil, um programa político. Não foi casual que no começo da pandemia uma economista do Ministério da Economia tivesse feito declaração no sentido de “que a concentração da doença principalmente em idosos poderia ser positiva para melhorar o desempenho econômico do Brasil ao reduzir o rombo nas contas da Previdência.”

(trechos da entrevista do sociólogo à UHU)