sábado, 29 de outubro de 2022

31º domingo comum - 'Desce e chega de olhar os outros de cima para baixo. Hoje vou fazer comunhão contigo'! (Lc 19,1-10)

 Às vezes achamos que os que nós julgamos corruptos e/ou corruptores merecem, de imediato,  somente o nosso repúdio e a nossa condenação. Deixando de lado, por um instante, o fato de que ao agirmos assim nos colocamos acima dos demais, - por nos considerar certinhos e justos, - erramos totalmente a nossa metodologia. A mera condenação do suposto ‘pecador’ não o ajuda a mudar de atitude. O firme repúdio ao corrupto não o torna, automaticamente, mais justo. Faz-se necessária outra estratégia que de um lado ajude o suposto pecador a desistir de suas práticas iníquas, e que, do outro lado, permita que ele se torne um engajado praticante e propagador de maior equidade e respeito. Esta, afinal, foi a pedagogia adotada por Jesus no caso de Zaqueu. O evangelista o apresenta como chefe dos cobradores, ou seja, chefe da gangue que extorquia, sistematicamente, os cidadãos daquela cidade de Jericó. E, ao mesmo tempo, ele é descrito como um homem rico. Logicamente, era a consequência de quem vivia a arrancar, abusivamente, dinheiro e bens dos cidadãos. Pois bem, Zaqueu quer conhecer Jesus, mas a iniciativa que ele toma, apesar de ser uma ‘pessoa baixa’, é a de se colocar ainda ‘acima’ dos outros, inclusive de Jesus. Olha, metaforicamente falando, as demais pessoas de ‘cima para baixo’ mesmo sem ter ‘estatura moral’ para fazê-lo. O objetivo do evangelista nesse sentido é mostrar como o pecador Zaqueu insiste em conhecer Jesus, mas sem se expor e se misturar, e mantendo a típica arrogância de quem olha para os outros com ares de superioridade. Jesus, enfim, toma uma iniciativa que nenhum judeu devoto tomaria: o de se autoconvidar para comer na casa do impuro e pecador público Zaqueu. Isso é surpreendente,  pois o Mestre corre o risco de se ‘contaminar’ e de ser considerado ele também impuro e cúmplice dos malfeitores da cidade. De fato é o que ocorre: a casa de Zaqueu se enche de membros da sua gangue de cobradores. 

O interessante é que Jesus na sua aproximação com Zaqueu, mesmo sabendo o estrago que ele vinha produzindo na cidade, não lhe coloca nenhum tipo de condição ou de chantagem moral. Simplesmente se autoconvida para fazer comunhão com ele e com aqueles que eram excluídos pela sua impureza social e moral. O inesperado acontece: o não pré-julgado Zaqueu sente que é seu dever moral ir de encontro ao que Jesus vinha pregando. Coloca-se na sua mesma sintonia de onda em favor dos empobrecido e dos desapropriados.  Compromete-se a devolver metade dos seus bens aos pobres e àqueles que, porventura, defraudou, se compromete a devolver quatro vezes mais o valor subtraído. A salvação entra na casa e no coração de Zaqueu quando ao se sentir perdoado ele muda integralmente o seu jeito de ser. De rico avarento se torna generoso e solidário, e de ladrão ou, supostamente tal, uma pessoa equânime! 

sábado, 22 de outubro de 2022

'Ladrão, pega ladrão'! (Lucas 18,9-14)

Outro dia li num status de uma pessoa a seguinte frase: ‘quando não nos deixam chamar alguém de ladrão é sinal que tiraram a nossa liberdade’! Dificilmente passa pela cabecinha dela que sem provas a firmação não passa de uma grave calúnia. Mergulhamos, hoje em dia, no senso comum mais escrachado, na onda dominante das fakes e alimentamos, farisaicamente, perseguições e cacas às bruxas destruindo vidas e honras só porque determinados veículos de informação nos martelam sistematicamente que ‘ele é ladrão’! Acriticamente, não percebemos que, de repente, o mesmo veiculo informativo sonega-rouba milhões de Reais à Fazenda Federal! Quantos de nós não somos vítimas do  ‘Pega ladrão’ quando esse grito de alerta contagiante emerge de uma multidão enfurecida toda vez que um adolescente é flagrado roubando um celular ou outro objeto de valor? ‘Ladrão’ é a pecha que sempre colamos em determinados candidatos, - nossos inimigos, naturalmente, - pressupondo que, por serem políticos, eles o são efetivamente. Não importa se possuímos ou não provas factuais ou se papagaiamos o que uma horda de sanguinários deseja. É um fato: ladrões e pervertidos são sempre os outros, mas a segunda dos interesses em jogo nós mesmo justificamos, hipocritamente, as mesmas supostas ações delituosas de outras pessoas ou candidatos que estão ligados a nós ou, na nossa ingenuidade, achamos que eles não roubam o mesmo tanto que os demais... Roubo, afinal, parece ser algo externo a nós e, ao mesmo tempo, possuindo sempre uma conotação material, econômica, e jamais moral.  Alguns roubam e desviam dinheiro público destinado à saúde, educação, segurança, etc. e outros roubam dignidades, diretos e honra. Outros, ainda, roubam sistematicamente as duas coisas. Quem mais, quem menos, somos todos infratores. E se alguém disser que nunca roubou nada de ninguém com boas probabilidades, em algumas circunstâncias da vida, deixou de denunciar quem roubou de fato, ou se omitiu ou foi cúmplice indireto, alimentando, assim, o roubo alheio, e se beneficiando das vantagens que provinham dele (do roubo alheio)! 

Jesus de Nazaré, dois mil anos atrás, fazia uma profunda análise do comportamento social de seus contemporâneos que, ironicamente, pouco diverge do nosso, hoje! É justamente pelo fato de Jesus perceber que todos nós somos, de alguma forma, alimentadores ou cúmplices de tantas roubalheira material e moral que ocorre na prática humana que Ele nos alerta a não apontar o dedo aos outros e a não gritar com demasiada leviandade ‘pega ladrão’ ou a taxar somente os outros de ‘ladrão’.  Com muito realismo e com muita humildade Jesus no evangelho nos alerta em analisar em profundidade muito mais as nossas contradições que a condenar as dos outros. Com isso não significa passarmos uma esponja nos grandes crimes de exploração e roubalheira que reduzem milhões de pessoas à pobreza e à miséria, - pois afinal, somos todos pecadores, - mas, ao contrário... Ao tomar consciência de nossos ‘pequenos crimes’ – que não deixam de ser crimes, - deveríamos juntos, com humildade, firmeza e honestidade iniciarmos relações sociais pautadas pelo respeito, pela transparência e pela correção fraterna. E sem condenar de antemão aqueles que poderão mudar de comportamento e se tornarem nossos aliados, construirmos o verdadeiro Reino, incorruptível e justo!  


quarta-feira, 5 de outubro de 2022

XADREZ DAS ELEIÇÕES MAIS RELEVANTES DA HISTÓRIA DO BRASIL - Por Luís Nassif

 Peça 1 – o que muda nas eleições

Lula continua favorito nas eleições presidenciais. Segundo analistas meticulosos, a melhoria de Jair Bolsonaro se deveu ao voto útil de eleitores que estavam com Ciro Gomes e Simone Tebet. Segundo o argumento das empresas de pesquisa, os dados mostrando a possibilidade das eleições terminarem no primeiro turno despertou uma onda de votos úteis em direção a Bolsonaro. Por outro lado, a estratégia do partido, em São Paulo, teria sido errada. Imaginava-se que enfrentar Tarcisio de Freitas seria mais fácil, devido à resistência contra Bolsonaro. A estratégia de centralizar as críticas no governo Rodrigo Garcia tinha sua lógica, mas teria despertado o antipetismo latente da sociedade paulista. De qualquer modo, a avaliação é que os eleitores que restaram a Ciro e Tebet são simpáticos a Lula, e seriam suficientes para levá-lo à vitória. Por outro lado, a vitória a governos de estados importantes, de candidatos simpáticos a Bolsonaro, traz uma vantagem ao candidato. Fica a constatação de que o bolsonarismo chegou para ficar. Mas o favoritismo continua sendo de Lula.

Peça 2 – as ameaças da continuidade

Nas últimas semanas, personagens centrais das instituições brasileiras, como ex-Ministros do Supremo Tribunal Federal, ex-Ministros de Fernando Henrique Cardoso, lideranças políticas historicamente anti-petistas, manifestam apoio a Lula. E a razão é simples: a eventualidade de uma vitória de Bolsonaro, com a formação de uma bancada de ultra-direita, é uma ameaça direta à democracia. O país não sobreviveria a um segundo governo Bolsonaro. Significaria a destruição final do sistema educacional, de ciência e tecnologia, das políticas sociais, seria uma ameaça permanente ao Supremo Tribunal Federal, uma carta em branco para milícias e clubes de caça e tiro. O que seria um país com governadores bolsonaristas controlando as Polícias Militares em grandes estados, uma bancada de direita apta a modificar a constituição e a impichar Ministros do STF? Por tudo isso, haverá um fortalecimento da frente democrática em torno de Lula.

Peça 3 – as concessões

A grande questão, da ida para o segundo turno, é expor Lula a um conjunto de pressões de candidatos a aliados, que seriam enfrentadas como mais facilidade se as eleições terminassem no primeiro turno. Do lado do PDT-Ciro Gomes e MDB-Simone Tebet, as exigências são legítimas. Defendem uma ação para resolver a questão do endividamento das famílias, ampliação do ensino integral e melhoria da renda básica. Os problemas surgem nas tentativas de ceder em dois pontos centrais: concessões na área econômica – para conquistar mercado – e na pauta moral – para atrair evangélicos. As pressões do mercado se manifestam especialmente através da mídia. Embora Lula já tenha se manifestado contra o teto de gastos, em favor dos gastos sociais, a favor dos investimentos públicos para reativar a economia e gerar emprego, a favor de uma reforma tributária que tribute especialmente ganhos de capital, há uma pressão midiática para que mantenha a preponderância dos interesses do mercado. Em uma segunda frente, há setores internos do PT defendendo sinalizações para os evangélicos, com recuo nas pautas morais. Nos últimos dias, não apenas evangélicos, mas católicos conservadores aderiram à campanha anti-PT. Ceder na pauta econômica e na moral é um jogo arriscado. Poderá facilitar a eleição de Lula, mas será uma quebra de valores que poderá comprometer fundamentalmente a legitimidade do futuro governo Lula, como representante do país civilizado contra a selvageria explicitada pelo bolsonarismo.

Peça 4 – o país olhando a própria cara

Os abusos do governo Bolsonaro promoveram uma catarse psicanalítica no país. Percebeu-se que o país acolhedor, cantado pelos líricos, era uma ficção. Por baixo de algumas regras sociais, há uma nação selvagem, sem regras, uma herança escravagista pesada, um dos maiores índices de mortes violentas do mundo. Ao mesmo tempo, a estrutura do Estado foi tomada por interesses corporativistas, os serviços públicos essenciais foram privatizados, a política econômica passou a atender exclusivamente os interesses do mercado. Este mês colocará à prova não apenas a resistência das instituições, do país supostamente civilizado, contra a barbárie. Mas, no final do trajeto, com Lula vitorioso, se saberá se o Brasil moderno conseguirá sobreviver ao país do conchavo, que já sufocou governos bem intencionados.