Para ser compreendido em sua essência, o mito de Narciso precisa ser justaposto ao mito de Eco. Narciso e Eco representam, de fato, os dois extremos do amor: o amor de si que ignora completamente o outro, e o amor do outro que ignora completamente a si mesmo. Qual é a pior forma?
Narciso era belíssimo e todos que o conheciam, mulheres e homens, jovens e idosos, se apaixonavam por ele, mas ele sempre repelia a todos. Eco, que havia sido punida por Hera com a privação da capacidade de falar, exceto pela repetição das últimas palavras ouvidas (daí o nome eco para o fenômeno acústico da repetição de um som), um dia viu Narciso e, como todos os outros, apaixonou-se por ele. Devido à sua condição, no entanto, o diálogo gerou uma série de equívocos, até que ela se aproximou dele para abraçá-lo, mas ele recuou indignado, dizendo-lhe: “Tire suas mãos de mim! Eu preferiria morrer a me entregar a você!” A pobre Eco só pôde responder “me entregar a você” e fugiu tomada por uma vergonha que a consumiu gradualmente, até sobrar dela apenas a voz. Quanto a Narciso, um dia ele se deparou com uma fonte cristalina. Bebeu, mas, ao ver a sua imagem, apaixonou-se por si mesmo, o que o levou a sofrer por um amor impossível e morrer por isso, algumas fontes antigas dizem por consumir-se, outras por afogamento, pois queria abraçar sua própria imagem na água.
Ambos, no entanto, morrem por amor: ela por ter amado demais um outro, ele por ter amado demais a si mesmo. E o seu mito nos propõe o dilema do amor de si. Estamos lidando com o mais obstinado cativeiro ou com o fundamento de uma vida saudável? Todas as tradições espirituais são unânimes em enfatizar a necessidade de libertação do ego. O Buda coloca a origem da dor no afã como manifestação mais imediata do ego. Platão escreve: “A causa de todos os vícios de cada um de nós é, na maioria das vezes, uma forma excessiva desse amor a si mesmo”. Jesus ensina: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo” e, para a Imitação de Cristo, “a renúncia interior de si mesmo une a Deus”. Entre os modernos, Kant coloca a raiz do mal no amor de si, dizendo que ele, “adotado como o princípio de todas as nossas máximas, é a fonte de todo o mal”. Gandhi concorda: “Se pudéssemos apagar o Eu e o Meu da religião, da política, da economia, etc., logo seríamos livres e traríamos o céu para a Terra”. Einstein também pensava assim: “O verdadeiro valor de um homem se determina examinando até que ponto e em que sentido ele conseguiu se livrar do ego”. Simone Weil exaspera a perspectiva: “Eu sou a lepra, tudo o que eu sou é lepra, o eu como tal é lepra”.
As coisas, no entanto, não são tão unilaterais quanto parecem. Pois se Jesus ensina que o eu deve negar a si mesmo, por outro lado afirma: “Que vantagem tem um homem que ganha o mundo inteiro, mas perde ou arruína a si mesmo?” O que significa que a negação de si não equivale à destruição de si, como acreditava Simone Weil, mas exatamente ao oposto é funcional para não perder o eu, que deve ser preservado e salvo. Quando Jesus formulou o mandamento do amor ao próximo, como medida desse amor, ele propôs justamente o amor de si: “Amarás o teu próximo ‘como’ a ti mesmo”. Isso significa que não se pode amar o próximo se antes não se amar a si mesmo e que, portanto, existe um amor mais do que legítimo por si mesmo. Essa dialética também está presente em Gandhi, que, embora por um lado quisesse se reduzir a nada, do outro afirmava: “Sou um otimista incurável porque acredito em mim mesmo”, onde essa autoconfiança também manifesta o amor para si. O mesmo deve ser dito sobre o budismo, sobre o qual Corrado Pensa escreveu: “O amor por si mesmos torna mais inteiros, mais confiantes e mais satisfeitos”. No que diz respeito à filosofia antiga, Aristóteles escreve: “Todos os sentimentos de amizade surgem da relação de si mesmo consigo mesmo e depois se estendem também aos outros... É acima de tudo consigo mesmo que se é amigo, portanto, é preciso amar a si mesmo acima de tudo”. E para a filosofia moderna, aqui está Rousseau: “O amor de si é sempre bom e sempre conforme à ordem”.
Estamos, portanto, diante de uma antinomia: o pensamento, por um lado, ensina a luta contra si mesmo e, por outro, incentiva seu cultivo. Que relação, então, devemos ter com nós mesmos? Superação ou satisfação? Ora um, ora outro, creio eu, dependendo das estações e das circunstâncias, o importante é não cair nos extremos de Eco e de Narciso. Mas uma ajuda nos vem da ciência contemporânea. Ela nos fala da estrutura ontológica do ser, dizendo que todo fenômeno físico é o resultado de uma agregação, o que não pode deixar de valer também para o nosso ego, que, portanto, não existe como substância em si, mas nasce e vive de suas relações e, portanto, é constitutivamente relação.
É por isso que a orientação positiva em relação aos outros não está em oposição à orientação positiva em relação ao si mesmos. Pelo contrário, é somente a orientação positiva para si mesmo que possibilita uma orientação positiva para os outros, assim como as relações felizes com os outros alimentam a autoestima. Além disso, o amor de si nem sempre é tão frequente quanto se imagina, porque muitos vivem na não aceitação de sua realidade, desejando ser diferentes do que são e buscando outro lugar no mundo, outra família, outro corpo, outro caráter, outro eu. E, nessa perspectiva, amar a si mesmos (pelo que realmente se é) também pode ser um grande ato de humildade e de reconciliação com os próprios limites.