Freqüentemente, diante de uma realidade que produz desencantos e frustrações, sofrimentos e decepções se torna quase que natural assumir duas posturas. A primeira é a de fugir dela tentando ignorá-la ou contorná-la. A segunda é encarar e enfrentar a fonte das nossas angústias imaginando e construindo uma realidade que seja antagônica àquela que, de fato, vivemos. Ou seja, procurar construir, no dia-a-dia, sentidos, ações e relações que possam eliminar de um lado o sofrimento presente e garantir, do outro, uma permanente felicidade, paz, e a superação definitiva das fontes da nossa dor.
Sabemos, também, que não nos é fácil no dia a dia descobrir o verdadeiro sentido dos acontecimentos que marcam a vida da sociedade e a nossa vida. Compreender os seus rumos e desdobramentos. Não nos é fácil sequer perceber que atrás de todo acontecimento existe um conjunto de sentidos! A busca desses sentidos é, afinal, sempre algo subjetivo. É fruto da capacidade de cada um em investigar, confrontar, projetar. Ao mesmo tempo, essa busca é fruto de um conjunto de valores e princípios adquiridos e cultivados e, principalmente, o resultado de expectativas, sonhos, esperanças que cada um guarda e alimenta dentro de si. Afinal, é um permanente esforço em “tirar o véu” dos acontecimentos (re-velar) ou ‘desvendar’ para encontrar o sentido do nosso viver, sofrer, chorar, lutar, amar.
Esta era a preocupação daqueles que adotavam a visão ‘apocalíptica’ (apo-kaleo), ou seja, 'tirar o véu' que encobre e oculta o real sentido das coisas. Os adeptos desse ‘gênero literário’ – que revelava também uma determinada visão da realidade - procuravam alimentar sua esperança e vontade de superação das angústias e preocupações que o presente produzia, imaginando e acreditando num futuro próximo carregado de consolo, de mudança, de justiça, de reviravolta radical. Eram, no fundo, construtores de novos sentidos e alimentadores de esperanças.
O evangelho hodierno que abre o período litúrgico do advento é um excelente exemplo disso! Com realismo analítico, Lucas descreve os sinais da proximidade da reviravolta, da inversão dos acontecimentos... Estes, em lugar de apontarem destruição e morte tornam-se garantia de real chegada do início do fim do sofrimento, da dor e da angústia. O início da libertação de tudo o que oprime o ser humano e a própria criação.
Primeiro sinal: haverá mudanças visíveis (genericamente, sinais) no comportamento, nas relações, no poder dos ‘astros’, ou seja, naqueles que sempre tentaram brilhar como ‘luzes’ inacessíveis e únicas, que vinham deixando na sombra os demais seres humanos.
Segundo sinal: a aflição e a angústia, expressões da força do mal (bramido do mar) - que parece predominar na terra, - se apoderam da vida de todos os povos. As pessoas fragilizadas e paralisadas pelo medo de outros futuros males e desgraças parecem morrer aos poucos, incapazes de reagir e de se opor a tamanha força destruidora.
Terceiro sinal: o próprio universo e a natureza (forças do céu), atacados e feridos pelas forças destruidoras ficam abalados e ameaçados, incapazes de garantir vida e bem-estar.
Quarto sinal: o 'filho do homem' (não o filho do sol ou da lua!) começa ocupar o lugar que era ocupado pelos ‘supostos astros’. Jesus, o humano, aquele que havia sempre vivido na sombra, no esquecimento e ocultamento social, aparece com glória e majestade. Ele começa a reinar no lugar ‘dos astros’ e inicia uma nova época de verdadeira libertação.
Quando as pessoas perceberem o sentido desses acontecimentos significa que iniciou o fim do sofrimento, do medo, da angústia. Começa a época em que as vítimas da injustiça cometida por aqueles se consideravam ‘astros: sol, lua e estrelas’ começam a viver definitivamente na liberdade e na paz porque percebem que 'elas podem mudar a realidade que as oprime'.
É preciso, no entanto, estar atentos a todos esses sinais/acontecimentos e compreender o seu sentido e mensagem, pois em lugar de desesperar, de fugir e de contornar os problemas da vida (medo, angústia, terror, dominação...) chegou a hora de ‘levantar a cabeça’, encarando e enfrentando... construindo novas formas de libertação.
Levantar a cabeça significa em outras palavras não se deixar vencer pelo fechamento em si mesmos, pelo medo de olhar para cima e para longe e sim, olhar os novos sinais de esperança, de vida nova, de futuro inédito que o ‘filho do homem’ com seus seguidores está construindo.