Chegou, finalmente, após três anos de espera carregada de angústia e ânsia o que já estava escrito: a sentença do TJ que condena o juiz Jorge Moreno à aposentadoria compulsória. Ainda faltam os votos de alguns desembargadores a serem manifestados, mas no dia 1 de abril, dia da mentira e aniversário da “revolução golpista militar de ‘64”, 13 dos 24 desembargadores (número legal para a condenação) aposentaram definitivamente um juiz incômodo de quarenta e poucos anos. Uma sentença que deve ser entendida e compreendida dentro da atual conjuntura social e política do Estado, e dentro de um conjunto de sinalizações e mudanças de ordem estrutural da Justiça no Estado.
Para quem não acompanha as vicissitudes do TJ do MA - resgatadas e expostas publicamente pela mídia nacional recentemente - tem dificuldade de compreender o alcance da sentença emitida no dia 1 de abril pelo ‘egrégio’ Tribunal de Justiça contra o juiz de direito Jorge Moreno. O TJ, com efeito, chega a emitir sua sentença contra o juiz Moreno justamente no ápice de uma extensa lista de denúncias contra ele próprio. Denúncias estas, que vão desde a venda de decisões e desvios de dinheiro público, a abusos de diárias indevidas a juízes e desembargadores, entre outras. Baste a recente publicação do relatório contendo o resultado da investigação do CNJ no TJ do Maranhão para colocar sob suspeição a mais alta magistratura do Estado. Uma lista de crimes e ilícitos que desabona e desmoraliza por completo o modus operandi da magistratura que, frequentemente, se arvora a modelo de imparcialidade e de conduta ilibada. No caso do julgamento do Moreno o TJ não fez questão de repassar uma outra imagem: a maioria dos integrantes do TJ fez juz à sua fama!
O interessante a ser observado é que estas denúncias são feitas de um lado pela OAB/MA e pela Associação dos Magistrados do Estado, e do outro por membros internos do próprio TJ, ou seja, por desembargadores. Numa análise superficial e imediata, parece ser uma guerra fratricida, intestina, entre setores da magistratura, advogados, procuradores e afins. Afinal, seria uma mera disputa por controle e poder interno. Algo autofágico, sem maiores vínculos com a sociedade como um todo ou, inclusive, à revelia dela. Ou seja, mecanismos de arranjos internos à magistratura que deixa de escanteio a própria sociedade, como se desta não proviesse o seu ‘poder’, como reza a Constituição Federal. Numa análise mais aprimorada e aprofundada, entretanto, pode-se vislumbrar com uma certa clareza que o TJ do Maranhão reproduz dentro dele, de forma nítida, as mesmas correlações de forças-interesses que se dão nas representações político-partidárias formais do Estado.
Em outras palavras, os desembargadores – escolhidos e nomeados pelos chefes do executivo estadual de turno, o que não confere nenhuma independência entre os 3 poderes – parecem ser o braço justiceiro legítimo das representações político-partidárias que disputam na arena social novas formas de controle, de poder e supremacia. Em que pese a reafirmação do princípio da imparcialidade, igualdade e impessoalidade do julgador, o TJ exerce simbólica e efetivamente um poder direcionado, pessoal, parcial, político e seletivo. Talvez, para alguns, isto não represente nenhuma novidade, e sim, algo óbvio. Se assim for, está aceita de forma natural uma tragédia social e ética, a saber, a consagração do princípio-prática de que não é o direito consolidado em lei ou o emergente – fruto das mudanças e exigências legítimas da sociedade - que garante a justiça ‘cega’, igual para todos, e impessoal’. Seriam, ao contrário, os interesses pessoais, de grupos e de facções da magistratura que têm a prerrogativa e o poder de fazer com que um dos dois pratos da ‘balança’ pese mais de um lado do que do outro.
O caso Jorge Moreno: um caso emblemático.
O caso Jorge Moreno se torna emblemático por três razões. A primeira razão advém do fato de que o juiz Moreno foi acusado por um deputado estadual, - um político que vive ‘da política’ e não ‘para a política’ - de ele ter ‘exercido política partidária’ na Comarca de Santa Quitéria, o que, naturalmente, está vigorosamente proibido a um magistrado de ilibada virtude. A denúncia em momento algum foi comprovada cabalmente. Não somente pelo fato de o juiz não possuir ficha partidária, mas também por inexistir qualquer referência direta ou indireta a partidos e/ou políticos. No entendimento de vários desembargadores, entretanto, o juiz Moreno teria, mesmo sem referências partidárias, extrapolado suas funções, indo além do ‘limite’ daquilo que poderia ser considerada uma ‘atividade complementar do juiz’, ou seja, o engajamento social. Naturalmente, não se fez nenhuma menção quais seriam esses ‘limites’ e para quem valem. Tudo depende do poder hermenêutico subjetivo do julgador, ou seja, os desembargadores!
A denúncia do deputado Max Barros, acolhida de imediato pelo TJ, mas mantendo o Juiz afastado por mais de 3 anos de suas funções, escancara a forma hipócrita o modo de proceder desse poder. Revela de um lado a sua ojeriza a engajamentos sociais ativos e ostensivos por parte de membros da magistratura e, do outro, denuncia o seu comportamento punitivo para com ‘aqueles pares’ que expõem publicamente as contradições existentes na corporação da magistratura. Além disso, antes mesmos da instauração formal do processo e da sentença definitiva, o juiz Moreno foi sumária e imediatamente afastado de suas funções, o que não ocorre, por exemplo, com os políticos partidários quando denunciados por ‘abuso econômico’! O TJ deixa a entender, indiretamente, que se o juiz tivesse agido com mais discrição, na surdina, sem estrelismos e sem expor publicamente as mazelas da magistratura podia ter sido perdoado. Todavia, isto revela a concepção majoritária, dentro do TJ, do papel de um juiz num determinado contexto social (Comarca).
Isto revela na prática que o que está em jogo são duas concepções de exercício da justiça: uma, supostamente cega e imparcial – o que de fato não existe – e, a outra, que enxerga as carências, as fragilidades as necessidades, os contextos dos atores sociais envolvidos. Ou seja, uma justiça que não ‘dá a cada um o seu’, mas uma justiça que dá mais a quem precisa mais. Uma justiça que procura repor o equilíbrio que foi rompido por abusos, negligências, desmandos praticados por determinados atores sociais em detrimento de outros. O Juiz, para os setores majoritários do TJ deixa de ser, portanto, um ‘agente social’, um cidadão que participa das contradições sociais no lugar onde vive e trabalha, e é confinado no Fórum, atrás de uma mesa, ou caminhando pelas ruas da sua comarca de ‘para-olhos’, nunca olhando de lado, com receio de sorrir e cumprimentar alguns e não todos! Segundo essa visão o juiz de verdade é um ‘agente estatal’, funcionário público a serviço da burocracia processual estatal e não da totalidade das necessidades de uma população.
Numa realidade como a de Santa Quitéria onde milhares de pessoas não possuíam registro civil, onde muitas comunidades não tinham energia elétrica, estradas e escolas, - direitos esses consagrados na Constituição Federal, - onde os prefeitos desviam impunemente dinheiro público, a atitude de um juiz, para alguns setores do TJ, deveria ser a de permanecer imóvel no ‘seu Fórum’, ‘cego’ e ignorando o que acontecia debaixo de seus olhos ‘vendados’. Ou, em caso de ‘ exercício de atividade complementar’, ou seja, um engajamento social para melhorar as condições de vida de uma determinada população, deveria ser feito dentro de limites e posturas que não reproduzam os típicos comportamentos dos políticos profissionais. Esquece-se, porém, que os políticos profissionais, em sua maioria, agem corrompendo e fraudando, cooptando pessoas e desviando dinheiro público, atos que o juiz Moreno nunca reproduziu.
A segunda razão nos é ditada pelo número de desembargadores que votaram a favor ou contra o relatório lido no Plenário do TJ nos dias 18 de março e 1º de abril, e pela sua respectiva identidade. Observa-se que cada um dos dois blocos, os que votaram a favor e os que votaram contra o juiz possuem, substancialmente, afinidades de concepção e solidariedade grupal entre si. Os autos do processo, na realidade, se tornam um mero detalhe, um pretexto formal, uma ‘pirotecnia ‘jurídica’ para afirmar, na realidade, visões e interesses próprios ou grupais. Ou melhor dito, para mostrar simbolicamente supremacia política de um bloco sobre o outro bloco ‘adversário’. Não se quer com isso afirmar de forma categórica que o TJ do Maranhão manifesta estruturalmente duas tendências claras e distintas entre si. Com efeito, em que pesem os conflitos e as disputas internas evidentes, e a depender da aposta em jogo, sabe-se que no TJ, afinal, é sempre o ‘espírito de corpo’ que prevalece. O que queremos salientar é simplesmente o fato de que, no caso específico do juiz Moreno, as diferenciações de postura e visão, e as contradições internas do TJ, emergiram com maior nitidez.
Uma terceira razão que torna paradigmático o julgamento do juiz Moreno no TJ é o fato que o seu processo coincide temporal e simbolicamente’ com outro julgamento, o do governador Jackson Lago no TSE. Pode parecer mera coincidência, algo aleatório e não planejado, mas não deixa de possuir uma carga simbólica relevante. Enquanto que em São Luis a magistratura acolhia a denúncia de um político e julgava por ‘envolvimento na política partidária’ um de ‘seus pares’, em Brasília, a alta magistratura ‘eleitoral’, o TSE, julgava o chefe do executivo estadual maranhense pelo crime de ‘abuso político e captação ilícita de votos’! Ao passo que em Brasília o TSE condenava por esmagadora maioria o governador e lhe permitia de permanecer governando e torrando até o último dia as ‘reservas orçamentárias’ dos cofres públicos, em São Luis o TJ ‘apolítico e impessoal’ afastava de imediato de sua comarca e condenava o juiz Moreno a se retirar definitivamente da magistratura.
O juiz foi condenado por ‘excesso de participação política’ ao beneficiar populações da sua comarca, já o outro (governador) foi condenado por ‘abuso político’, por ter se beneficiado pessoal ou grupalmente de algo que devia ser de todos! Tudo isso não deixa de sinalizar de que a magistratura parece ter em qualquer circunstância, a última palavra. Ou, parafraseando os antigos romanos ”Tj locuta, causa finita!”, ou seja, “O TJ falou, tudo acabou”! Não é exagero afirmar que o TJ vem sinalizando algo que parece caracterizar a justiça no País como um todo, a saber, de que o Judiciário no País está adquirindo um poder desmedido, assumindo e abocanhando funções e prerrogativas próprias do legislativo.
A justiça, atualmente, parece se descolar definitivamente da sociedade, e do povo de quem provém a sua legitimidade e legalidade. O caso do julgamento do STF da terra indígenas Raposa Serra do Sol é uma clara prova disso!
Votaram pela aposentadoria do Juiz Jorge Moreno: Mário Lima Reis, Jaime Ferreira, Stélio Muniz, José Joaquim, Lourival Serejo, Anildes Cruz, Jamil Gedeon, Cleonice Freire, Cleones Cunha, Nelma Sarney, Maria dos Remédios Buna, José Bernardo Rodrigues e Raimundo Nonato de Souza. Pelo arquivamento votaram: Paulo Velten, Antônio Bayma, Raimunda Bezerra, Raimundo Melo e Benedito Belo. Alegou suspeição o juiz Jorge Rachid