Aqui abaixo o pronunciamento feito por mim em ocasião da sessão especial na Assembléia legislativa do estado do Maranhão a convite da deputada Helena Huley (PT), contando com a presença de Dom Belisário arcebispo de São Luis, o pastor anglicano Fabiano G.Caldas, a pastora luterana Franciene e o Pe. Flavio Lazzarin coordenador da CNBB.
Algumas reflexões gerais iniciais1. A CF não quer atacar a economia em si. Ela faz parte da vida, e é essencial para a sobrevivência dos seres vivos. No caso, se quer analisar e denunciar as contradições e as desumanizações que um determinado modelo de economia pratica. Quer ‘denunciar a perversidade de todo modelo econômico que visa, em primeiro lugar, ao lucro, a acumulação, o desperdício, sem se importar com a desigualdade, a miséria, a fome e a morte’(texto-base CF); positivamente, quer educar para a prática de uma economia de solidariedade, a sobriedade, a reciprocidade, a honestidade.
2. Tampouco é objetivo da CF apresentar tecnicamente um modelo alternativo ao que vigora, e sim fazer um julgamento ético e humano, propondo horizontes novos e reafirmar valores éticos para superar as atuais contradições do modelo econômico.
3. Nada mais conveniente como hoje abordar essa temática, diante das numerosas crises econômicas e financeiras que colocam em xeque a validade desse modelo e a competência de os humanos se administrarem e administrarem os bens da natureza. E principalmente, agora, numa hora em que parece consolidada a idéia de que - apesar da crise mundial - nós aqui, no Brasil, estaríamos inaugurando uma inédita etapa histórica de autêntico desenvolvimento, e este, entendido unicamente como crescimento econômico e não como crescimento humano, crescimento de uma verdadeira consciência ambiental, de responsabilidade social e de consumo, de novas formas de sociabilidades pautadas pela sobriedade, a reciprocidade, a solidariedade, etc.
4. O atual modelo econômico não tem a ver só com modos de produção, comprar e vender, com transações comerciais, investimentos financeiros, etc. mas tem a ver com a totalidade da vida. Ele mexe com o todo e interfere no todo. É totalizante. Ele é portador de uma espiritualidade/mística e de um modo de ser cidadão hoje. O importante para o atual modelo é conseguir que os seus adeptos incorporem sua lógica e moldem seus comportamentos a partir dela e se tornem seus dependentes...(os novos consumidores-dependentes)
5. Segundo esse modelo, genericamente chamado de ‘livre mercado’ para ser reconhecido como cidadão é preciso entrar na lógica do mercado, ou seja, aceitar que tudo pode ser comprado e vendido. Que tudo: sonhos, sentimentos, emoções, bens imateriais, etc. podem e devem ter valor pecuniário. Quem não consome não é plenamente cidadão!
6. A própria palavra inclusão tão utilizada nessa década é na prática sempre mais identificada como um movimento para incluir no mercado e não necessariamente na vida social, política, cultural o maior número de gastadores e consumidores....pois isso iria manter o sistema funcionando e, de conseqüência, manter os empregos, os salários, a estabilidade, ou seja, aquilo que nos é vendido como ‘bem-estar’
Muitas coisas foram ditas, muitos dados foram oferecidos, e talvez não seja o caso de repetir e tampouco falar obviedades, algo que já é notório para quem acompanha a vida social e econômica do país e do Estado.
Dizer, por exemplo, que:
em 2007 existiam no Brasil 10,7 milhões de indigentes (ou seja, famintos), e 46,3 milhões de pobres (ou seja, sem acesso às necessidades básicas: alimentação, habitação, vestuário, higiene, saúde...
Que no Maranhão temos 3,5 milhões de pobres segundo a FGV, ou seja, 63,7% da população,
que o mesmo Estado está ocupando nos índices de exclusão social, de pobreza e de desigualdade social e de emprego formal o 27º lugar...
que nesse Estado e no Brasil há uma concentração de terras e renda que revelam submissão ao ídolo da ganância... é algo mais que sabido.
Tenho plena convicção, também, de que não são os dados por si só, - que na maioria das vezes aparecem frios - que nos ajudam a perceber que por trás deles há relações humanas assimétricas, desiguais, injustas, trágicas. Ao mesmo tempo, esses dados estatísticos pouco contribuem para nos convencer da necessidade de intervir estruturalmente... Entretanto, eles revelam opções pessoais e coletivas, tendências, escolhas, decisões, interesses e comportamentos sócio-econômicos individuais e sistêmicos.
Nesse sentido queria apresentar somente alguns dados que possam servir como exemplos paradigmáticos do que significa cultuar o lucro, a acumulação/concentração de renda, a pulsão e a dependência do consumo..... que afeta não somente a macro economia, a gestão do ambiente, etc, mas o estilo de vida pessoal de determinados setores da sociedade.
A. O primeiro dado/exemplo paradigmático é a nível nacional. O Brasil é a grande estrela da atual safra de balanços das multinacionais - referente ao ano de 2009. Com a estagnação ou a retração das economias da Europa e dos Estados Unidos, a força do mercado interno brasileiro, sobretudo a partir do segundo semestre, contribuiu para melhorar o desempenho das companhias nos mais diversos setores...graças ao desempenho de suas filiais no Brasil.
Com vendas de R$ 11,5 bilhões no ano passado, a Unilever Brasil subiu no ranking da multinacional e alcançou a segunda posição, atrás apenas dos Estados Unidos.
Nestlé Brasil, em 2009 se transformou no segundo principal mercado para a multinacional suíça, com vendas de R$ 15,5 bilhões. O país galgou duas posições no ranking de faturamento, superando Alemanha e França e ficando atrás apenas dos EUA.
Na AB Inbev (Skol e Brahma) maior cervejaria do mundo, a contribuição do Brasil foi ainda mais crucial. Enquanto no mundo todo as vendas de cerveja caíram 0,8% no ano passado, no Brasil a empresa vendeu 9,9% a mais.
E, pela primeira vez na história, as vendas da Fiat no Brasil superaram a da matriz. Foram 737 mil unidades, contra 722 mil na Itália. (FSP – março 2010)
Esses dados podem ser analisados de diferentes formas, a depender do ângulo, do lugar social e interesses de cada um, entretanto, podem significar que no nosso País - em que pesem as explicações oficiais - temos setores sociais (não o Brasil como um todo) que possuem um poder aquisitivo significativo e que não inibem sua pulsão ao consumo também em época de crise.
B. O segundo dado/ exemplo ilustrativo de concentração e de maximização de lucros em detrimento do desenvolvimento social e humano e ambiental nos é oferecido pela segunda maior empresa mineradora do mundo: a VALE. 'O lucro líquido da empresa, desde a privatização em 1997, cresceu a uma média anual de 40%! Os compradores da Vale retiraram todo o lucro líquido, praticamente não investindo na empresa, até 2002. A partir de 2003, o volume dos lucros foi tão alto, que compensou uma diminuição porcentual do lucro entregue como dividendos aos donos da Vale.
A Vale dispunha de caixa no valor de U$ 13 bilhões, em setembro de 2009. Levando em conta que a folha de pagamento em 2008 foi de U$ 2,1 bilhões de dólares, este caixa seria suficiente para pagar os funcionários de todo o mundo por mais de seis anos. Somente os gastos com aquisições de novas minas, usinas e fábricas somaram US$ 2,9 bilhões nos nove primeiros meses de 2009, quantia suficiente para pagar todos seus funcionários por um ano, em todo o mundo. A empresa quer se tornar a primeira mineradora do mundo em detrimento dos seus funcionários e do meio ambiente. A Vale demitiu 15 mil pais de família sem nenhuma necessidade, inclusive atuando de forma discriminatória, onde o grosso dos demitidos se concentrou nos trabalhadores terceirizados, que sofrem uma dupla exploração e discriminação'. (art. N.D.G. -2009)
‘A cada ano a Vale S.A. exporta, por seu porto instalado na cidade de São Luís, 100 milhões de toneladas de minério de ferro, 7 milhões de toneladas de pelotas de minério de ferro, 2,3 milhões de toneladas de manganês e 130 mil de toneladas de cobre, além de prestar, em volumes expressivos, serviços de transporte ferroviário e embarque portuário para exportadores de ferro-gusa e soja, contribuindo para a balança comercial brasileira. Aproximadamente 1/3 das lucrativas exportações brasileiras da Vale ocorrem pelo Porto de São Luís. O que não é conhecido pela sociedade é que em conseqüência dessas operações, a Vale era responsável pela emissão de 15.549 toneladas anuais de poluentes diversos em São Luís em 2005,’ (art.G.Z.-2009)Ela é responsável por um terço da emissão de todos os poluentes emitidos na nossa atmosfera.
A Vale tem uma média de oito acidentes por dia, quase um morto por mês (a sua grande maioria vitimados pelo trem), isto sem contar as mortes ocasionadas por doenças adquiridas no trabalho ou as mortes no caminho para o trabalho. A Vara do Trabalho de Parauapebas, no Pará, condenou ontem (10) a Vale a pagar R$ 100 milhões por danos morais coletivos e mais R$ 200 milhões por dumping social, ou seja, o juiz considerou que a gigante da mineração estava lucrando indevidamente sobre a exploração indevida de seus empregados e prestadores de serviço na região da província mineral de Carajás.
Não se trata de fazer guerras pessoais ou de grupo a uma ou a outra empresa, tampouco se quer condenar atividades econômicas em geral. Trata-se de encontrar alguns denominadores éticos comuns quais o respeito pelos direitos dos trabalhadores, para com o ambiente, com a população em geral (que o digam as cidades e povoados maranhense situados ao longo da ferrovia) que sofrem as conseqüências de pulsões irrefreáveis por lucros sempre maiores e justificando-os como mal necessário na guerra planetária da competitividade econômica!
C. Terceiro exemplo paradigmático: o DETRAN cerca de 4 ou 5 anos atrás publicou alguns dados extremamente significativos que me chamaram a atenção: informou que a primeira cidade no Brasil, em termos proporcionais, que mais trocava a sua frota de carros era Curitiba. A segunda era São Luis do Maranhão! Mas não é tudo. Lá vem o outro dado associado a isso: a primeira cidade em absoluto que não conseguia resgatar o carro, pagando-o integralmente e, portanto, exigindo a intervenção da justiça, era São Luis do Maranhão. Isto não deve ter mudado muito nesses anos, ao contrário, observamos um aumento excessivo de carros na cidade ocupados por uma só pessoa – o que aumenta o desperdício – e ameaçando a cidade de entrar em completo colapso nos próximos anos.
O volume de representações que transitam pelas várias varas da justiça continua tendo em sua maioria pedidos de revendedoras e armazéns para ter de volta a mercadoria que não foi devidamente paga. Observa-se a partir desse dado que o que as igrejas vêm alertando sobre a dependência ao ídolo dinheiro, mercadoria, status social - e o carro representa simbolicamente tudo isso – é extremamente pertinente para vários setores da nossa cidade em que ganância e a fome de possuir parece poder mais do que a real capacidade de adquirir.
Conclusão. Algumas propostas para essa casa
1. Propor e favorecer tudo o que vem a fortalecer a agricultura familiar no Estado, seja ampliando e fortalecendo as casas familiares rurais, cooperativas e outras associações produtivas, bem como garantir mediante mecanismos governamentais a divulgação, comercialização e a qualidade de seus produtos. Afinal, nem o ferro da Vale, e nem o ferro-gusa e os eucaliptos das siderúrgicas de Açailândia e tampouco a soja e o papel da Suzano nos garantem alimentação e desenvolvimento social e humano.
2. Exigir da vigilância sanitária e/ou secretaria estadual da saúde e outros órgãos um monitoramento sistemático dos impactos produzidos por todas essas grandes empresas sobre a saúde da população do Maranhão. Sabemos que elas matam através dos poluentes que despejam nos nossos pulmões (Piquiá e São Luis que o digam) Vemos que não suficiente a atuação do Ministério Público. É preciso que essa casa marque posição firme e elabore leis que venham a pôr limites à irresponsabilidade social e ambiental dessas grandes empresas. Não se trata de boicotá-las, e sim exigir a instalação de filtros industriais, por exemplo, e executar outros procedimentos já contemplados em lei, mas que não são respeitados.
Obrigado!