Moradores da Terra Indígena Cana Brava, localizada na região central do Maranhão, denunciam a falta de medicamentos e assistência médica no local. No território estão localizadas mais de 260 aldeias indígenas. A Terra Indígena Cana Brava abrange 137 mil hectares, onde vivem cerca de 15 mil indígenas da etnia Guajajara. A região possui somente três postos de saúde para atender 263 comunidades. E os poucos que possuem, não funcionam como deveriam.
Na Aldeia Coquinho o posto de saúde foi reformado em julho após os indígenas colocarem pressão nas autoridades. Cerca de 500 indígenas deveriam ser atendidos pela unidade de saúde que, mesmo após ter sido reformada, não funciona. Equipamentos que seriam usados para a instalação de um gabinete odontológico, tais como um compressor, estão sendo consumidos pela poeira e estão guardados há mais de cinco anos. Além disso, alguns dos únicos medicamentos que estão no local, estão vencidos desde 2019. "Não dão remédio, dão receita para os índios. Às vezes precisa de uma operação de cirurgia e o pessoal não estão nem aí com a gente. Não tem uma, nenhuma aldeia que está melhor né? Está tudo igual, sofrimento igual", diz o indígena Zé Luciano, cacique da aldia. Uma indígena, de 78 anos, tem doença de Parkinson e depende de medicamentos de uso prolongado, para controlar as crises. A família conta que ela nunca conseguiu receber de graça no posto de saúde e nem sempre, tem dinheiro para comprar. "Hoje mesmo não tem não [remédio]. Faz é dia que não tem, acabou. É porque não tem 'real' para comprar", diz Eliezer de Sousa Guajajara, lavrador.
Sem médicos
O acesso à saúde nas aldeias é de responsabilidade do Distrito Industrial Indígena (DISEI), órgão ligado à Secretaria Especial de Saúde Indígena.Só em 2022, os indígenas já fizeram quatro protestos contra a situação, sendo o último em julho. A ação pedia o afastamento de Alberto José Braga, coordenador do DISEI, que continua no cargo. Os indígenas afirmam que desde que ele assumiu ao cargo, nenhum médico pisa na Aldeia Coquinho."Aqui não entrou mais nenhum médico de junho para cá. Entrou um dentista bem aqui, mas o resto de médico nunca veio para cá. E o médico que trabalhava dentro da equipe, o coordenador tirou e até agora não colocou mais nenhum", explica o cacique José Luciano Caminha Guajajara, presidente da Organização do Conselho Supremo dos Caciques. O filho de Linair Lopes Guajajara tem 16 anos e desde a infância, tem paralisia cerebral. Por conta do problema de saúde, o adolescente precisa tomar ao menos três remédios de uso contínuo. Sem receber os medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a aposentada precisa gastar parte do dinheiro que recebe para comprar os remédios. Além disso, o adolescente sofre sem a presença de médicos para avaliar seu estado de saúde. "Mais de R$ 500 [gasto por mês com remédios]. Quando ele pega uma tosse, algo assim, ou ele está com febre, eu mesmo que cuido dele, dou remédio para ele. Nem daqui vai para o hospital de Grajaú, para o do Jenipapo, só eu que cuido dele. Estou meio adoentada agora, tem horas que não me sinto bem de saúde, dor de cabeça, tontura, é assim que eu sinto", desabafa Linair.
Sem assistência
A manicure Eline Mariano Guajajara, de 24 anos, convive com uma pedra nos rins desde os 14 anos. Ela conta que quando tem crises, não consegue suportar a dor e reclama que não tem como conseguir um medicamento para amenizar o problema. "Quando eu fico com as crises, eu tenho que suportar a dor na minha casa. Porque não tem como ter um medicamento para tomar, entendeu? Para poder passar a dor. Tem hora que nós mesmos compramos remédios, antibióticos, para poder passar a dor. E quando não tem dinheiro, tem que sofrer com a dor", conta. Kerliane Nascimento Sousa é moradora da Aldeia Coquinho há mais de 17 anos. Ela diz que muitos moradores convivem com dezenas de doenças, mas sem acesso à saúde, os problemas de saúde só aumentam. "Aqui tem vários tipos de doença, tem a diabete, tem a pressão alta, tem a barriga distendida que se chama diarreia, tem as crianças 'manchadas'. A gente não sabe o diagnóstico dessas crianças que estão sendo manchadas", disse Kerliane. Há crianças, como a neta de Bernardino Soares Guajajara, que está com o corpo coberto por manchas. Sem médico, a menina não tem como ter um diagnóstico sobre o que se trata o problema.
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre as denúncias dos indígenas até a publicação desta reportagem.