quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

... já não és escravo, mas filho .... Gal. 4,7

Proponho à nossa reflexão a carta aberta de Dom Xavier, bispo de Viana e presidente da CNBB do Maranhão e presidente nacional da CPT. Uma oportuna reflexão sobre a realidade maranhense nessa alvorada de 2009!
Viana, Quinta-feira 1 de janeiro de 2009
Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos da Diocese de Viana,
Companheiras, companheiros militando nas Pastorais e nos Movimentos do nosso Regional Maranhão,

Celebramos o início de um novo ano com a Solenidade dedicada a Maria de Nazaré, a Santa Mãe de Deus, a Rainha da Paz, modelo das discípulas e dos discípulos do Senhor Jesus, modelo para as testemunhas da justiça e para os construtores de fraternidade. Neste momento de Vida e Graça renovadas, quero lhes roubar um pouco de tempo para oferecer-lhes algumas reflexões sobre recentes acontecimentos, que interpelam e desafiam as nossas comunidades.
1. AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS
No ano passado, a CNBB, em parceria com o Poder Judiciário, com o Ministério Público e com a OAB, promoveu uma mobilização nacional para fiscalizar a campanha eleitoral e as votações. Também nos municípios do Maranhão, os Comitês 9840, com a participação valiosa de muitos católicos, atuaram com eficiência e eficácia neste precioso e urgente serviço à moralização da política e ao protagonismo democrático da sociedade civil. Porém, este esforço chocou-se com o aumento exponencial da prática iníqua da compra de votos e do uso da maquina administrativa e do dinheiro público a serviço da campanha eleitoral de muitos candidatos. Temos a impressão que estas eleições foram as mais corruptas destes últimos anos e isto é motivo de grande decepção e preocupação, porque os políticos que praticam ilícitos graves durante a campanha eleitoral acostumam ser administradores inconfiáveis e corruptos.
Mais uma vez, quem sofre é o nosso povo, porque os recursos que deveriam servir para a construção do bem comum e a implementação de políticas públicas,- cada vez mais urgentes frente ao empobrecimento e ao sofrimento da população-, são cínica e diabolicamente desviados para o patrimônio familiar dos administradores.
Com pesar, devemos também apontar que, em muitas Comarcas, Juízes e Promotores não se fizeram presentes no dia das eleições. Acrescentamos mais uma questão constrangedora: em muitos Municípios, até ontem ainda não sabemos quais dos candidatos foram eleitos e temos até caso de dúplice diplomação pelo Poder Judiciário. A incerteza jurídica ou a dependência política do Judiciário evidentemente não favorecem o caminho de democratização da sociedade.
Permanece, assim, o desafio de continuar a vigilância sobre as administrações municipais. Permanece o chamado evangélico em defesa da vida que se traduz também na capacidade do povo da cidade e do campo de se organizar e articular para pressionar, cobrar e exigir o respeito de seus direitos através de políticas públicas sérias e eficazes.
2. O GOVERNADOR DO ESTADO E O JULGAMENTO DO TSE
A preocupação com a missão cidadã da moralização da política nos guiou também durante as primeiras fases do julgamento do nosso Governador Jackson Lago pelo TSE. Apesar de termos consciência das questões históricas e simbólicas que atravessam a dialética entre o Governo e a Oposição, que governou - e freqüentemente desgovernou - o Estado por mais de quarenta anos, devemos defender a tese que toda denuncia que diz respeito à corrupção administrativa e a crimes eleitorais deve seguir o iter processual estabelecido pelas leis vigentes. Encarar estes fatos de uma forma meramente emocional ou cegamente partidária seria desconsiderar a necessidade de manter os princípios da ética e da legalidade republicana como pontos firmes de toda atividade política.

3. A VIOLENCIA NO ESTADO
O ano de 2008 foi também marcado por episódios de violência coletiva que nos alertam sobre a situação de ressentimento e revolta de amplos setores do nosso povo. Os linchamentos, a depredação e o incêndio de prédios públicos – muitas das vezes resultados de inescrupulosa manipulação de políticos - revelam a insatisfação e a descrença popular nas instituições. Não se trata, nestas circunstâncias, de legitimas manifestações populares para reivindicar necessidades e direitos ignorados ou não atendidos pelo poder público; ao contrario, revelam-se como eventos trágicos e inconseqüentes, sem consciência e sem projeto.
A Campanha da Fraternidade da Quaresma 2009 verterá sobre o tema da Segurança Pública. Desde já, acho necessário fazer um apelo para que as nossas comunidades sejam protagonistas de um mutirão em defesa da paz. Possa crescer em nosso meio a consciência de que a abordagem repressiva dos fenômenos criminais não somente é ineficaz, mas agrava as desigualdades e as tensões de uma sociedade que privilegia uma minoria e exclui a maioria da população.
Temos a difícil tarefa de contribuir evangélica e pacificamente para a formação ética e política das nossas comunidades e para canalizar o legitimo ressentimento do povo para objetivos fraternos: a ampliação do leque angusto das práticas democráticas e as lutas para a exigibilidade dos direitos econômicos, sócias, culturais e ambientais.

4. A VIOLENCIA INSTITUCIONAL E PRIVADA CONTRA AS COMUNIDADES CAMPONESAS
Enfim, devo comunicar-lhes informações - que a mídia estadual, a governista como a da oposição, ignora sistematicamente - sobre a gravidade das questões fundiária e agrária no Maranhão. O ano de 2008 não foi simplesmente mais um ano perdido nos descaminhos da Reforma Agrária; com efeito, se olharmos o número das áreas regularizadas e dos novos assentamentos, descobrimos que a agricultura camponesa e os povos tradicionais foram abandonados pelos Governos ao Deus dará.
Assistimos a um aumento dos conflitos em todo o interior do Estado com a volta da pistolagem e de despejos judiciais executados por Policiais Militares e milícias particulares dos latifundiários. Os dados fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra revelam números assustadores, que nos lembram a conjuntura dos anos 80. Além disto, em muitas regiões do Estado, as famílias assentadas foram abandonadas pelos Governos Federal e Estadual.
É inevitável a nossa crítica a setores expressivos do Poder Judiciário, que expedem liminares de reintegração de posse e ordens de despejo de duvidosa legalidade e de incontestável ilegitimidade. È inevitável o nosso apelo à Secretaria de Segurança Pública e ao Governo do Estado para que retomem a prática de consultar o Ministério Público, Sindicatos, Movimentos Sociais e Pastorais, diante da iminência de despejos judiciais. Não podemos, em fim, não apontar para as responsabilidades e omissões do MDA-INCRA e do ITERMA.
É bom lembrar que todos estes conflitos fazem parte de uma conjuntura caracterizada pela expansão dos monocultivos de grãos, cana-de-açúcar e eucalipto, que agridem e destroem o nosso cerrado, as nossas águas e obrigam milhares de camponeses maranhenses a novos êxodos, para reforçar a massa dos migrantes assalariados em regime de super-exploração e de trabalho análogo ao escravo.
O que acabo de lhes escrever poderia gerar em nós sentimentos de impotência e desânimo, mas nós somos filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs de Jesus de Nazaré, o Ressuscitado, que venceu o medo, o pecado e a morte.
Contemos com a presença do Espírito, animador de toda profecia e Advogado dos pobres de Javé.
Um grande abraço e a minha bênção.
Feliz Ano 2009

+ Dom Xavier Gilles
Bispo de Viana
Presidente do Regional Maranhão
Presidente da CPT

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natal: dar à luz um novo jeito de sermos humanos


Às vezes a festa do Natal é apresentada e utilizada como um momento mágico e irreal. Uma viagem sobre as asas de um sonho. Luzes e presentes parecem nos dizer que nos é possível conquistar tudo o que queremos. Entretanto, parece não passar de mais um pretexto para não encararmos os dramas e as tragédias do nosso cotidiano. E compreendermos que é ali que Jesus-esperança vai ter que nascer!

Lembrar a dureza do nosso cotidiano no período natalino parece ser uma forma para tornar indigesta a ceia natalina e quebrar o clima de aparente harmonia na hora de trocar os presentes, pelo menos daqueles que podem! Até os anjos de vestes brancas e de vozes celestiais poderiam ficar revoltados. Natal é sim festa da vida na sua totalidade, mas da vida que estamos vivendo, aqui e hoje. Aquela vida que não esconde e não usa maquiagem para disfarçar as rugas da sua dureza, embora não ignore também a que sonhamos e queremos viver.

O Natal desse ano não poderá ignorar a vida de mais de 120 pessoas arrastada junto com a lama e os detritos das enchentes em várias cidades de Santa Catarina, Minas Gerais e Rio. Nem poderá ignorar as lágrimas dos que ficaram a reconstruir um futuro sempre mais inseguro. Uma tragédia anunciada, onde a natureza duramente atacada e deturpada pela mão irracional e gananciosa dos humanos revolta-se contra eles mesmos. A palavra “desastre natural” está sendo banida, hoje, no planeta. Fica sempre mais comprovado que os humanos são sempre mais a única causa de tamanha revolta da natureza!

O Natal desse ano não poderá servir de cortina de fumaça para esconder uma crise econômica que já está afetando centenas de milhares de pais de famílias no Brasil e no mundo. Uma crise que vem deixando um rasto de insegurança e desconfiança quanto à capacidade de os humanos se organizarem e distribuírem seus bens com justiça e equidade. Uma crise, também essa, anunciada, aonde a sede de lucro sem escrúpulos vem gerando fome planetária e guerras sem fim entre os próprios humanos.

O Natal, enfim, deveria ser celebrado como momento em que queremos encarar tudo o que no mundo está ameaçando a vida dos seres vivos e a esperança dos mais frágeis e desprotegidos. Ou seja, a vida dos milhões de “meninos-Jesus” que gostariam de nascer, poder crescer, se desenvolver e realizar uma missão como humanos/cidadãos, mas que não vão ter essa possibilidade.

Nós, os cristãos, queremos ser aqueles que como Maria, sabem “parir” uma nova esperança para a humanidade. “Dar à luz” um novo jeito de sermos humanos, construindo uma nova criação liberta das ameaças de tantos Herodes desumanos e da hipocrisia de numerosos doutores da lei. Uma humanidade que acredite na força dos pequenos, como o pequeno de Belém que era tão humano que só podia ser....Deus!

sábado, 20 de dezembro de 2008

Lc.1,26-38, ou seja, a origem anti-monárquica de Jesus!

Não podia ser diferente: para seguidores apaixonados Jesus devia ter uma origem divina e...monárquica. Aliás, a maioria dos membros das famílias reais do mundo em geral se auto-atribuem origens divinas para dar mais legitimidade ao cargo que ocupam. Muito deles, inclusive, usurpando-o de outros. Além do mais, o fato de mostrar que Jesus nasceu de uma virgem – e, portanto, relacionada às práticas do templo em que sacerdotes, supostamente imaculados, podiam gerar descendentes não contaminados – complementaria a moldura divina do seu aparecimento na história.
É evidente que dentro do rigor histórico a informação de Lucas e Mateus não se sustenta. Sempre nos foi dito que o seu objetivo é meramente teológico-catequético, e de tentativa de legitimação da pessoa de Jesus com o intuito de tirá-lo de um possível anonimato ou obscura origem e pô-lo no epicentro da história da realeza judaica. Ao mesmo tempo, reflete o normal processo de divinização de Jesus que iniciou bem cedo na vida das primeiras comunidades, em que pese o fato que o Jesus histórico nunca se tenha auto-definido “filho de Deus” ou “filho de Davi”!

Nesse contexto quero levantar uma hipótese que pode ir na contra-mão das clássicas interpretações eclesiásticas e exegéticas. Lucas e Mateus, que são os dois evagelistas (excluindo os apócrifos!) que nos falam das origens de Jesus de Nazaré, queriam afirmar justamente o contrário daquilo que sempre nos ensinaram. Sempre nos foi dito que o intuito de Lucas e Mateus era o de provar que Jesus era o cumprimento das promessas antigas, dos profetas, das expectativas messiânicas do povo judeu. O messias pertenceria à cepa/dinastia de Davi. Daí a necessidade de dizer que José era da família de Davi. Daí a necessidade de Mateus em citar as gerações/descendentes de Davi até José....São artifícios utilizados inteligentemente e de forma inculturada, aparentemente, por filo-manárquicos, saudosistas do “big Israel”, o Israel expansionista, das guerras de conquista. O antigo Israel formado por 12 tribos e que à época de Jesus só contava com restos de 3 das originais, em território israelita. Mas nem tudo é o que parece ser....
Por que não ler nas narrações de Lucas e Mateus uma fina ironia anti-monárquica e anti-messiânica? È como se os dois nos dissessem: vocês israelitas esperam que o enviado/messias seja da família real porque cultivam a idéia que a salvação/redenção de Israel surja do poder real...Não seja por isso, está aí: Jesus é de origem real, legítimo descendente de Davi e, portanto, divino! Agora, olhem a prática dele que vai vir a seguir (através dos relatos evangélicos!) que comprovam que Ele nunca se identificou com a família real! Que sempre esteve ao lado de doentes, leprosos, pecadores e impuros. Longe, portanto, dos sacerdotes “não contaminados” do templo, longe da corte e palácios reais!
É, em suma, um convite aos leitores/interlocutores dos evangelistas a entrar em uma nova ótica de ler/reler a história de Israel: a redenção não vem do palácio dos que têm sangue azul, e sim daqueles que como Jesus freqüentam as favelas, os casebres, os cortiços, as casas de taipa das vítimas do palácio. Que não têm medo em se deixar contaminar e misturar. Talvez Jesus seja filho de Deus não porque nasceu de uma virgem que não “conhecia” homem, e sim porque era “tão humano, tão profundamente humano que só podia ser...Deus!” (L.B.)

domingo, 14 de dezembro de 2008

Eu sou a voz que clama:"Retirem os entulhos dos caminhos que vocês mesmos produziram!" (Jo.1,6-8.19-28)

Eu sou a voz que clama no deserto!” Essa é a auto-apresentação de João o batista na versão do evangelista João. O evangelista nos ajuda a aprofundar a nossa compreensão sobre esse “profeta apocalíptico-penitente”. Tentarei, mediante algumas pinceladas, apresentar a contribuição do evangelista João.
1. João surge no deserto. Insiste-se no antagonismo deserto-cidade. É subentendido que a cidade é o lugar da corrupção, do afastamento das pessoas de Deus. Na cidade, com seus barulhos e correrias não permite ouvir a voz de Deus. Ao mesmo tempo o deserto para João surge não só como lugar de escuta e encontro com Deus, mas como elo com o passado. O povo que andou 40 anos no deserto, ou seja, permanentemente, só pode se reencontrar como nação nova no deserto.
2. João é a voz que clama. João não se apresenta como uma das muitas vozes que havia no deserto (eram numerosos os batizadores ao longo do rio Jordão), mas como a voz. A última que havia sobrado! O que poderia ser presunção torna-se consciência de possuir autoridade moral. Havia em João coerência profunda entre o falar e o agir. Isto dá credibilidade à pessoa. João, com isso, se distancia e desautoriza os charlatões da região que vendiam fáceis promessas de salvação. Ele é reconhecido pelos seus contemporâneos e pelo próprio Jesus como o último depositário do que ficou “ da consciência moral” de Israel. Ele é o último eco ensurdecedor que, a partir do deserto, clama por mudança radical em toda a face da terrano. E são os cidadãos, os urbanos, os que detestam e se distancial do deserto que acabam ouvindo o profeta.
3. João deflagra e antecipa o conflito entre Jesus e os asseclas do templo. João se vê questionado quanto à sua identidade pessoal pelos enviados da elite religiosa de Israel. Os que haviam corrompido o templo, com seu clientelismo e ritualismo industrial, tornando-o incapaz de manifestar a presença de Deus. A simples atuação de João no deserto, longe de Jerusalém e privado de “roupa adequada” já significava a falta legitimação do papel dos sacerdotes, levitas, etc. Fica bastante claro que para João eles não passam de uma classe parasita e aproveitadora. O evangelista João quer provar que desde o início a classe sacerdotal é a que mais faz resistência à construção de uma nova era para Israel.
4. Aplainar o caminho (v.23) para enxergar aquele já está no meio do povo (v.26) A salvação não vai vir de forma mágica como ato soberano e maravilhoso de Deus. Ela deve ser construída pelas pessoas. Para João fica sempre mais claro que se Israel não recuperar o itinerário espiritual na sua história e não retirar os entulhos (de intolerância, desigualdades, falta de compaixão, etc.) dos seus caminhos e que ele mesmo produziu ao longo dos séculos, não vai escapar do julgamento de Deus (da história). Aplainar os caminhos não é outra coisa a não ser retirar todo obstáculo que impede perceber que a redenção do povo já iniciou, que o líder desse movimento já está no meio deles. Que a hora é AGORA!
No deserto da crise planetária que estamos vivendo, na desolação e no deserto de vozes que clamam com autoridade e integridade moral, clamar/denunciar/anunciar/fazer ecoar que caminhos alternativos (formas inéditas de convivência humana) podem ser iniciados sem medo e sem inibições, torna-se necessário e urgente. E percorrê-los é um imperativo moral!
Approffitto di questo spazio per salutare mio cugino Enzo, mio assiduo lettore (cosí almeno immagino) e che, suppongo, abbia letto anche questo commento. Da lui aspetto alcune manifestazioni critiche che ci aiutino a approfondire e a ampliare la conoscenza e, soprattutto, la sequela di Gesú di Nazaret. Um saluto alla cara moglie Rita, alla zia Maria, e ai figli Sabrina e Massimo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O ministro vip que quer...brilhar sempre!



Sempre ele, ainda ele. Estamos falando do falador e polêmico ministro do STF Marcos Aurélio de Melo, o primo de Fernando Collor de Melo. Como era previsível, ele pediu vistas no processo retomado ontem 10 de novembro que julgava a constitucionalidade da demarcação em terra contínua da terra indígena Raposa Serra do sol, RR. Oito ministros já se haviam manifestado favoráveis, embora aprovando algumas condições para as futuras demarcações de terras indígenas. Quando chegou a vez do ministro-star este pediu vistas, o que lhe é conferido pelo regimento interno. Não há como não ver na atitude do ministro o que ele nunca escondeu: pouca simpatia pela causa indígena. Com o seu pedido o processo não está definitivamente encerrado. Significa que os povos indígenas da Raposa Serra do Sol já ganharam, isso sim, mas não levaram. Pelo menos por enquanto. Ao mesmo tempo, até o encerramento definitivo do processo – provavelmente só em fevereiro – outros conflitos poderão explodir na área. Com a sentença já decretada, e diante da irreversibilidade da decisão da Corte Suprema, os arrozeiros irão “vender cara a pele”. O ministro sabe disso. Ele tinha tempo de sobra para estudar o caso, a apressar o encerramento do processo, principalmente quando outro colega dele, meses atrás, já havia pedido as vistas. Um atraso como esse dá novo fôlego àqueles que sempre se sentiram intocáveis e agora tentarão de todas as formas deixar a sua marca definitiva. Por que não responsabilizar criminalmente o ministro caso aconteça algum homicídio de indígena? Em que pese tudo isso, o STF está de parabéns. Justiça foi feita. Agora, a PF deverá ficar de olho nas retaliações contra os indígenas que com certeza não irão tardar em chegar!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Uma voz que grita no deserto que somos nós...(Mc. 1,1-8)

“Início do feliz anúncio (de) que é Jesus o ungido, filho de Deus”(Mc.1,1). Com essa rápida, mas densa pincelada teológica Marcos nos oferece, de imediato, a identidade e a missão de Jesus de Nazaré. Antes mesmo de nos dizer o que Jesus irá dizer e fazer ao longo da sua narração teológica afirma que o próprio Jesus, a sua pessoa/ser, é por si só, um alegre anúncio. A simples presença dele, o fato de ele ser/existir é motivo de alegria e esperança renovada para quantos o conheceram, e irão conhecê-lo através do seu escritos. Início genial desse evangelista!
O segundo passo é mostrar as raízes históricas e inspiradoras da prática evangelizadora do profeta Jesus: a pregação de João o Batista. Não há como negar que João deve ter exercido uma influência determinante sobre Jesus no seu processo de compreensão e aceitação da sua missão profética. Desde um ponto de vista histórico, Jesus deve ter tido contatos, embora esporádicos, com o grupo de João o Batista e deve ter ficado muito impressionado com a leitura que ele fazia da realidade de Israel. O seu estilo de profeta penitente e apocalíptico (proximidade da revelação definitiva de Javé), a sua pregação enfatizando a urgência de uma mudança social ("dar uma túnica a quem não tem e repartir comida, bem como cobrar somente o justo, sem praticar a extorsão e a violência e, finalmente, não prender ilegalmente as pessoas" - Lc.3, 9-14 -) encontram eco e aprovação em Jesus de Nazaré. A aceitação do batismo “de água” por meio de João mostra que Jesus também partilhava da sua mesma visão.
O terceiro passo é mostrar o contexto, o lugar social e teológico em que se dá a identificação com a mensagem de João e a compreensão da missão por parte de Jesus: o deserto. O deserto, antes mesmo de ser um lugar geográfico é um lugar teológico e social. De um lado é o lugar da provação (pôr á prova, testar, tentação) e do outro é o lugar em que Deus se revela na...ausência de vida, de água, de vegetação, de gente! É como se João dissesse a Israel que está vivendo num enorme e extenso deserto sócio-existencial. Um país socialmente árido, politicamente estéril, incapaz de produzir frutos de vida e de justiça, devido ás suas desigualdades e à sua incapacidade de dividir os bens com equidade. Entretanto, esse deserto pode se transformar em terra fértil e cheia de esperança se houver uma mudança de mentalidade e de postura (endireitar os caminhos). João desconfia que Israel saiba fazer isso e declara que o julgamento de Deus já foi emitido. O machado o cortará em suas bases!
Quarto passo, o evangelista Marcos, nos diz que há um profeta, maior do que João, que tem a capacidade de “batizar mediante o sopro divino (Mc.1,8)”. Jesus é o profeta escolhido/ungido por Deus e que movido pelo seu sopro está apto a mostrar que Javé (Aquele-que-está-com) nunca se afastou da humanidade, sempre esteve com ela, mesmo quando esta fazia a experiência do deserto, da impotência e da esterilidade de vida. Jesus é aquele que vai provar uma nova criação é possível, que vida pode brotar do pedregulho e da areia do deserto.
Jesus se distanciará de João. Tornar-se-á o profeta-em-ação das cidades habitadas, de quantos acreditam que o deserto está sendo vencido, motivando e mobilizando pessoas, anunciando e provando que o Reino da graça e da vida nova já iniciou. Que a salvação não vem desde fora, mas se constrói desde dentro. Que é construída por aqueles que acolhem o “feliz anúncio que é a pessoa/presença de Jesus de Nazaré, o ungido, filho de Deus!” (Mc.1,1)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Jesus de Nazaré: o itinerário de uma liderança

Proponho algumas anotações/reflexões sobre liderança, tema a mim proposto pela paróquia de São Francisco em ocasião de sua assembléia anual.

Não vamos seguir os esquemas dos cursos das empresas para ser líderes de vendas ou para melhor extrair resultados das pessoas. Vamos seguir o itinerário histórico de Jesus enquanto líder e enfatizar os aspectos que mais o definem como tal. É uma tentativa de olhá-lo pela ótica da “liderança”. Um Jesus, não tanto como ser divinizado, mas como homem, cidadão, situado no tempo, filho de uma cultura-sociedade específicas, que teve uma determinada educação.....Nessa confrontação podemos descobrir aqueles aspectos que podem nos ajudar a identificar a liderança que temos dentro de nós. Escolhemos o evangelho de Marcos, principalmente os primeiros capítulos, pois o autor como os grandes mestres da música clássica, na ouverture, deixam claro qual será o tema musical de fundo. Marcos já no início nos diz quem é Jesus. O resto é para comprová-lo.
Temos que deixar claro que ninguém é líder o tempo todo e em todos os tempos. Um verdadeiro líder não cria dependência da sua pessoa e ele sabe reconhecer e valorizar a liderança que está em cada um, mesmo que a manifeste só em determinados momentos ou circunstâncias.

1. Ninguém se auto-define líder. Ser líder é algo que é reconhecido por outros. Mesmo que uma pessoa queira sair do seu anonimato para ser líder, e fizer de tudo para se exibir, a sua capacidade de liderar é reconhecida por outros e não por sua força de vontade. Em (Mc.1.6-11), no contexto do batismo, Jesus toma consciência da liderança que está dentro dele. Mais que reconhecimento que vem de Deus e, portanto, algo inquestionável, o evangelho quer ressaltar a “a assunção da liderança por parte do líder”. Ou seja, Jesus toma consciência que tem uma missão-liderança a cumprir, que é sua e que não pode transferir a outros.
2. O líder Jesus tem a capacidade de compreender/analisar o momento presente: a plenitude dos tempos, o aqui e agora! Sabe intuir suas contradições e conflitos, vislumbrar suas saídas/soluções/horizontes e ter uma palavra adequada, coerente e inédita que rompe com o discursos/prática de sempre, com “a mesmice”. Ou seja, um líder compreende quando a maré está pra’ peixe e quando não está. Tem postura, pregação e atitudes profundamente carismáticas, que mexem com as motivações mais profundas das pessoas. (Mc. 1, 14-15).

3. O líder Jesus tem capacidade de convidar, motivar, congregar e manter coesos seguidores, ou seja, pessoas que se identificam com o seu modo de ser e atuar em torno de um projeto/horizonte. Não há lideres se não houver pessoas que seguem e se espelham na atuação-liderança do líder. Isto não significa que todos devem pensar como o líder e imitá-lo que nem macacos. Significa reconhecer que o líder sabe revelar saídas, posturas, valores, horizontes antes impensáveis pelos seus seguidores. O líder explicita esses valores e os revela de forma que a pessoa os reconhece como dela, identifica-se com eles e os acolhe sem imposição e coação. (Mc.1,16-20)

4. O líder Jesus, com humildade e sabedoria sabe valorizar e dar atenção a todos, principalmente os mais fracos e fragilizados, pois eles também são chamados a exercerem sua liderança no Reino/sociedade. Jesus não é movido pelo imediatismo dos resultados, pela eficiência e nem pela manutenção da sua imagem, e sim pela vontade de construir o projeto/horizonte maior, com seus valores. Provar que tudo isso já iniciou, que está ao alcance das pessoas, que está perto, está no meio das pessoas. Não é algo que vai vir de fora ou por parte de um iluminado, de um líder, exclusivamente. O líder age como um verdadeiro educar que sabe puxar para fora os valores, os sonhos, as aspirações das pessoas e lhe dá vida, concretude. Em todas as pessoas, até nas mais socialmente invisíveis (os mikrói-pequenos-miscroscópicos) Jesus sabe motivar e mobilizá-los para somar com ele. (Mc.1, 40...2, 1-12)

5. O líder Jesus fala e age com autoridade moral e não como chefe autoritário que se impõe em função de um cargo-poder que ocupa. (Mc.1, 21-22, 27-28). Se pudéssemos fazer um paralelismo/confrontação entre a autoridade de Jesus e a exercida pelos doutores da lei podemos destacar as características típica de um líder e as de um chefe. Sintetizando poderia ser assim:
Líder............................Chefe
motiva..................................ordena
orienta.................................controla
Livre com as normas........Legalista inflexível
visionário............................imediatista
carismático.........................Autoritário, se impõe pelo cargo que detém
Incentiva e valoriza...........Ameaça e cobra
Olha o ser da pessoa .........Dá atenção aos resultados,
Cria, subverte a ordem......Executa, reproduz...mantém a ordem
Enfrenta os conflitos..........Esconde e foge dos conflitos

6. O líder Jesus diante das necessidades do projeto/horizonte maior sabe romper com práticas que criam dependência e observância escrava (antigo projeto) e enfrenta os conflitos, - inclusive os próprios e interiores (tentações) - sem fugir ou abrir mão de suas responsabilidades. (Mc.2,18-28). O líder não se apavora e nem se escandaliza perante os conflitos. Sabe que fazem parte da vida, que é impossível serem evitados. Sabe, porém, que não é adiando, ignorando que serão resolvidos, mas enfrentando-os, encarando-os. O líder não teme perder a popularidade ou o prestígio. Ele encara!

7. O líder Jesus sabe reconhecer e valorizar a liderança que está em cada um de nós mesmo que exercida de forma diferente, temporária, limitada ou circunstancial. Jesus não é ciumento de sua própria liderança, não se sente ameaçado por isso, nem é ciumento por causa dela. Ao contrário: oxalá que todos pudessem ser líderes que servem, valorizam, acolhem, motivam. Jesus reconhece a liderança-prestígio moral de Pedro, de João, João Batista, mas também da viúva do templo, da Cananéia, do centurião....Sabe reconhecer neles(as) aqueles valores, qualidades que podem torná-lo(a) um líder. Não teme a luz alheia, mas se compraz que outros reconheçam a liderança que existe no seu íntimo e que a exerça!

domingo, 30 de novembro de 2008

Advento: vigilantes para prevenir e combater as ameaças à vida

A igreja nos convida a iniciar simbolicamente um novo ano-caminho litúrgico. Longe de ser uma perpétua “repetição mecânica”, a intenção é de caráter educativo: viver e reviver com dobrada intensidade e de forma sempre nova-atualizada as “perpétuas-inéditas dimensões” da vida: a espera-esperança, o nascimento e a morte, o amor e a reconciliação, a injustiça-maldade, a fraternidade-comunidade, ódios-guerras, etc...Tudo o que está profundamente inserido no processo existencial é celebrado! Obviamente, dentro de uma lógica e a partir da ótica do Reino anunciado-testemunhado por Jesus de Nazaré. O ano litúrgico começa justamente com o advento. É sobre isso que vamos refletir!

O evangelho de hoje é como uma manchete, uma espécie de proclama, e dá o tom-sentido do advento a ser vivenciado: Vigiai! É esta vigilância que deve ser bem interpretada. Freqüentemente ela é compreendida e explicada como uma atitude a ser assumida perante uma suposta e próxima chegada de um salvador-juiz que com poder viria para separar os bons dos maus ou para trazer salvação plena para quem soube “vigiar” e se manter fiel nessa espera infindável e imprevisível. O sentido da vigilância, contudo, é outro. É um enérgico chamado de Jesus a seus seguidores a assumirem o papel de guardiães e vigias da integridade física e moral de Israel, ou seja, da humanidade e ...da criação, perante as inúmeras e inevitáveis agressões-invasões. Se pensarmos brevemente no papel de um vigilante ou de um guarda nas pequenas cidades-fortaleza ou prédios da época de Jesus podemos compreender melhor o alcance do “vigiai” de Jesus.
O papel de um vigilante/guardião é ocupar um lugar estratégico de destaque para ter uma visão ampla e privilegiada do entorno; ter ouvidos afinados para saber distinguir ruídos estranhos; saber percorrer sistematicamente o espaço que ocupa para verificar se tudo está bem trancado, que não haja pontos vulneráveis que coloquem em risco a segurança das pessoas e do prédio; saber identificar as tentativas de invasão e o poder de eventuais assaltantes e arrombadores que se aproximam. Tudo isso em vista de ter tempo hábil para alertar as pessoas a fim de que tenham condições de organizar a resistência-defesa ou inibir-debelar com ações preventivas as tentativas de agressão. O vigilante, ao mesmo tempo, sabe identificar os instrumentos-mecanismos internos e pessoas aptas a enfrentar a ameaça externa. Se o vigilante, ao contrário, relaxar a guarda, dormir, permanecer avoado, desligado, ou estiver fora da sua visão privilegiada colocará em risco a segurança-vida de todas pessoas e do patrimônio!
“Vigiai” não é outra coisa a não ser o convite de entrarmos definitivamente em um estado de alerta permanente para prevenir, combater, inibir, evitar todas as inúmeras ameaças e agressões à vida, ao direito, à dignidade, à criação. Ao mesmo tempo, sabermos identificar onde estão aqueles sinais-presença de liberdade, de vida plena, de direito conquistado e respeitado, de salvação, que já existem dentre nós. O perigo é achar que só um milagre de um todo-poderoso salvador externo a nós combata as agressões à vida por nós e sem nós! Nós temos que ser os permanentes vigilantes-salvadores de uma humanidade sempre mais agredida e de uma criação sempre mais ameaçada. Jesus assumiu, na sua época, a sua responsabilidade perante Deus e a sociedade para combater agressões e agressores. Cabe a nós dar continuidade a essa missão. O Jesus cidadão histórico se foi. Ele não vai voltar e nem vai chegar, pois o seu legado sempre esteve entre nós.
Vigilância para a vida e para toda vida!

sábado, 22 de novembro de 2008

Mt. 25,31-46: a prática "administrativa" da realeza cósmica

Se o Jesus histórico voltasse a percorrer os caminhos da Galiléia e os trilhados pelos liturgistas oficiais ficaria profundamente indignado. À sua revelia foi proclamado rei, in memoria, e rei do universo! Justamente Ele que diante das pressões e mobilizações de diferentes grupos que queriam “fazê-lo” rei, fugia com habilidade e se refugiava em lugares desertos, teria que engolir, agora, um título que vai na contramão da sua prática e do seu pensamento.
É evidente que esse título reflete o processo de exaltação e divinização a que o Jesus histórico foi submetido desde cedo por parte dos seus seguidores. Não resgata, contudo, um dos traços predominantes da vida e atuação de Jesus de Nazaré. De fato, o título em si, o de rei, poderia ofuscar, ou até negar, a dimensão profético-pastoral que Jesus exerceu ao longo daqueles poucos anos de vida pública e que, de longe, melhor o define.
Essa festa, como a maioria das festas litúrgicas, deve ser re-interpretada e atualizada à luz da nossa realidade hodierna para que não se perca a intuição original quando da sua criação. A intuição inicial, originária e histórica, reflete um modo de pensar e de interpretar acontecimentos próprios da época e projeta neles as suas expectativas numa dimensão de futuro. Compreender a intuição/justificativa original (fazendo uma adequada hermenêutica) nos permite entrar em sintonia com a história que nos moldou e nos preparou o hoje que vivemos.
Longe de refletir, reproduzir, ou querer projetar/aplicar em Jesus atribuições do sistema de governo (monarquia) que vigorava na época, - e inadequadas para a nossa realidade de hoje - setores da igreja viram nesse título/festa uma forma didática de manifestar o sonho/projeto de administração/comunhão universal e cósmica ao redor dos valores manifestados e vivenciados por Jesus de Nazaré. É como se a igreja dissesse ao mundo/cosmos de hoje: em contraposição a quantos lutam, fazem guerras, exploram, conquistam, dominam, destroem e arrancam para se tornarem senhores/reis do universo, nós proclamamos que esse “habitat cósmico” pertence àqueles que sabem respeitar, defender, proteger e servir como Jesus de Nazaré, o bom pastor/servidor.
Com essa festa a igreja se contrapõe a todos os senhores, mercadores e neo-colonizadores cósmicos, que ameaçam e negam a vida de tantos seres vivos, mediante a afirmação/entronização da prática evangélica (julgamento da história, aqui e agora) da solidariedade e do serviço gratuito. Na igreja de Jesus de Nazaré para preservar o universo/cosmos e fazê-lo reviver, das investidas destruidoras dos aspirantes ambiciosos a autárquicos monarcas, só acolhendo o faminto, o sedento, o desprotegido, o abandonado, o desesperado....e os seres em extinção!
Viva a BIOCRACIA CÓSMICA!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Batismo entre os indígenas: um novo sentido de pertença

Nas visitas e andanças pela região de Grajaú e Barra do Corda percebo como continuam vivas e insistentes as demandas indígenas por batismo. Sempre olhei com certo temor quaisquer solicitações indígenas que, a meu aviso, significavam “deturpação ou introdução externa indevida” de elementos culturais não próprios. Talvez essa seja a parte mais delicada e polêmica no meu trabalho junto aos povos indígenas principalmente diante da minha convicção e reafirmação do princípio de respeito pela cultura, identidade e religião indígenas.
Entretanto, não há como negar que manifestações e ritos da religião católica foram histórica e estruturalmente incorporadas e re-significadas por vários setores indígenas exigindo, hoje, uma sua explicitação e continuidade. Sua negação seria uma repetição das históricas formas de exclusão e discriminação cometidas pela igreja católica ao longo de vários séculos. O batismo, por exemplo, se inicialmente foi praticado de forma compulsória por jesuítas e capuchinhos da região, hoje ele manifesta a pertença dos indígenas à totalidade da sociedade brasileira, sinal de inclusão, embora com manifestações específicas. Sem falar no poder liberatório e acumulativo que este sacramento possui para a maioria dos indígenas. De um lado libera de tudo o que não presta e, do outro, ao não se contrapor com outras práticas próprias, ajuda a acumular força espiritual, conhecimento e reconhecimento público de uma dignidade humana que era colocada sob suspeita sem o batismo católico. Longe de querer se contrapor às investidas sempre mais agressivas das igrejas evangélicas e pentecostais, uma inserção inteligente, respeitosa e recuperadora de novos e velhos sentidos nesse campo, poderá colocar o dedo numa ferida que ainda continua aberta: a sede de vivenciar o sagrado que com o contato com o colonizador católico ficou fragmentado e ameaçado.
Nesse sentido acho que se torna urgente uma nova presença evangélica junto aos povos indígenas para resgatar e integrar o sagrado difuso que está em cada pessoa e povo, num espírito de diálogo e comunhão que nos enriquece e nos motiva reciprocamente. Não há como se trabalhar as diferentes dimensões da vida junto aos povos indígenas de forma “separada” e assimétrica. No universo indígena tudo está interligado, as partes interferem no todo e, por sua vez, este recria as partes. Da mesma forma, ao debater e enfrentar uma problemática específica não há como não interligá-la com a totalidade. O sentido do sagrado e a sua onipresença no todo são marca indígena registrada. No nosso caso concreto é difícil separar o padre do professor/capacitador, o aliado/amigo do “pa’i”/mediador com o sagrado. Este ano, mais que em outros anos, aceitamos o desafio de assumirmos este perfil “multi-identitário” e trabalharmos de forma explícita, a partir do convite por batismos, a dimensão integradora do sagrado e da prática evangélica da justiça, da gratuidade, da reconciliação, do direito e da paz. Estamos tateando, sem fórmulas e caminhos trilhados. Sem ânsia de conquistar almas e freguesias, sem contraposição ao que já é praticado, mas também sem falsos pudores que podem cheirar a omissão, falta de respeito ás novas sensibilidades indígenas e renúncia prévia a mergulhar no mundo do outro sem medo de se perder e/ou se achar...com ele!

RITO DO BATISMO PARA O POVO GUAJAJARA

Boas vinda e sentido do batismo
A comunidade assume o compromisso de educar a criança segundo os valores que Tupã nos transmitiu e nos valores da cultura do povo Tentehar. Mostrar que o batismo-rito de nomeação sempre esteve presente na cultura Tupi só que mudou com o tempo. O batismo é o momento em que toda a comunidade se compromete a defender a vida e os direitos das crianças segundo o jeito que Deus-Tupã quer.

Canto...................

1. Ato de libertação de tudo o que nos impede sermos uma verdadeira família e um povo unido (reconciliação).
Perguntar o que é que impede e atrapalha o nosso desejo de sermos uma verdadeira família e um povo unido... Deixar falar os presentes......

ORAÇÃO- Ó Deus Pai cheio de amor e misericórdia, nós pedimos a tua força para tirar do nosso meio todas as nossas maldades: a falta de respeito para com as pessoas e a natureza, o medo de defender os nossos direitos, a pouca vontade de assumir o compromisso de produzir fartura e de defendermos a nossa terra e a nossa cultura. Pedimos perdão aos nossos filhos e filhas e te pedimos de nos dar a coragem de estarmos sempre ao lado deles para garantir-lhes saúde, educação, amor, respeito e vida plena.

Passar entre as pessoas com fumaça em uma taça com incenso ou folhas verdes.....como faziam os pajés para afastar o mal.....

2. Apresentação dos afilhados à comunidade e ato de consagração a Deus e ao povo Guajajara.

Perguntar à comunidade o que desejam para a vida e o futuro dos seus filhos e afilhados. Deixar falar as pessoas....

ORAÇÃO – Ó Deus pai de todos os povos da terra, pai de todas as culturas, afastai dessas crianças todo perigo físico e espiritual, toda ameaça à sua felicidade e à sua vida plena. Livrai essas crianças de toda violência, de toda doença, de todo vício e de todo karuara. Fazei que protegidas por Vós e por seus pais e padrinhos possam crescer e se fortalecer no amor ao seu povo, ás suas tradições e língua.
Todos juntos: ASSIM SEJA! Repetir 3 vezes

Com tinta de jenipapo faz-se o sinal da cruz na testa e no peito: Com esse sinal Deus te consagre e te proteja, afaste de ti todo mal, te torne um homem-mulher forte e digno, acolhido e amado pelo seu povo.

Canto indígena

3. Narração do evangelho (batismo que João Batista realizava)

4. Momento do compromisso dos pais e padrinhos.

Motivação breve.............

Pais e padrinhos hoje vocês são convidados a assumir solenemente perante Deus-Tupã, na presença dos vossos afilhados - as e de toda a comunidade indígena o compromisso de proteger, amar, cuidar, defender e educar essas crianças no amor e no respeito. Portanto eu vos pergunto:
(Convidar todos a levantar a mão direita)

  • Pais e padrinhos se comprometem a combater todos os preconceitos raciais que existem na sociedade garantindo para seus filhos e afilhados a defesa de todos os seus direitos?
  • Vocês pais e padrinhos se comprometem a zelar pela saúde e a educação de seus filhos e afilhados?
  • Pais e padrinhos se comprometem perante Deus e a comunidade a educar seus filhos e afilhados a serem pessoas honestas, sinceras, responsáveis e justas?
  • Vocês pais e padrinhos se comprometem em preservar, defender e zelar pela terra mãe do povo Tentehar, sem destruir, sem arrendar, sem desmatar garantindo um futuro digno para seus filhos e afilhados?
  • Pais e padrinhos se comprometem a educar seus filhos e afilhados a não se envergonharem de suas origens e de sua cultura, mas mantendo viva a sua identidade e pertença ao povo Tentehar?
  • Pais e padrinhos se comprometem a oferecer amor e carinho aos seus filhos e afilhados para que nos momentos de provação e angustia possam sentir a vossa presença amiga?

    Oração - Deus, a comunidade e vossos afilhados são testemunhas de tudo o que acabam de prometer. Deus vos ajude nessa missão. Ele vos dará a força e a luz para cumprir com seus compromissos e responsabilidades.

    5. Bênção da água (bacia com cuia, ou se houver um pequeno igarapé próximo... a comunidade se desloca para lá cantando....)

    Ó Deus-Tupã que nos abençoaste com a vida e com numerosos bens como a terra-mãe que produz os frutos e os alimentos para a nossa vida, as chuvas, os rios, as lagoas que matam a nossa sede e fertilizam o solo da terra mãe, as plantas, os pássaros e os animais da floresta que nos garantem o sustento nós te pedimos: abençoai esta água. Fazei que todas essas crianças batizadas por esta água sejam protegidas de todo perigo e de toda maldade, e renasçam para uma vida digna, animadas, corajosas, lutadoras e defensoras de sua família e do seu povo.
    ASSIM SEJA (3 vezes)

    Canto indígena que fala de flores ou animais (fazer comunhão-família com a natureza)

    5. Batismo e rito de nomeação (nome-missão)

    Antes do batismo da cada criança a comunidade é convidada a pronunciar-gritar em alta voz o nome da criança que vai ser batizada. No nome deveria estar manifesta a missão daquela criança, o seu projeto de vida, ou seja, aquilo que deverá ser futuramente. Se tiver o nome indígena pode-se pronunciar os dois.

    Canto...............................

    6. Ato de acolhida e pertença defintiva ao povo Guajajara e à grande família de Deus

    Preparar alguns alimentos da terra (beijou, batatas, farinha, frutas ...) bem cortadinhos que serão abençoados e distribuídos pelos recém batizados, (se tiver condições) ou por seus padrinhos aos membros da sua família e demais convidados. A grande família de Deus da qual essas crianças fazem parte fazem comunhão entre si e se comprometem a partilhar os bens na verdadeira solidariedade e ajuda recíproca.

    ORAÇÃO- Abençoai ó pai esses alimentos, frutos da vossa bondade, da generosidade da mãe terra e do nosso trabalho. Ajudai a cada um de nós a sabermos partilhar tudo o que temos, principalmente com aqueles que precisam mais. Ajudai-nos a não desperdiçar e destruir os vossos bens, mas fazei que saibamos administrá-los com responsabilidade e justiça. Assim seja....(3 vezes)

    7. Rito da luz e bênção final

    Providenciar uma vela grande. Convidar os pais e padrinhos a estender as mãos sobre seus filhos e afilhados....

    ORAÇÃOPais e padrinhos recebam em seus corações a luz que vem de Deus-Tupã nosso Pai. Ela representa a nossa fé no seu amor que nunca abandona os seus filhos. Nos momentos de trevas e escuridão que vocês sejam luz que brilha, aquece e anima. Nos momentos de tristeza e dor que vocês sejam conforto e esperança. Nos momentos de abandono e solidão que vocês sejam fortaleza, apoio. Fazei que seus filhos e afilhados sejam educados como verdadeiros filhos-as da luz. Assim seja.....

    Bênção para os pais e padrinhos
    Bênção para as crianças

domingo, 16 de novembro de 2008

Mt. 25,14-30: Administrando de forma criativa e ousada os bens de todos

A parábola hodierna dominical deve ser lida na ótica do “gerenciamento” do Reino de Deus, ou seja, a forma-modo de Deus governar. A tentação é a de interpretá-la em clave intimista e pessoal: a utilização responsável ou não de qualidades e dons pessoais. Dessa forma estaríamos desvirtuando o sentido e o alcance da parábola que é altamente atual e questionadora. Diante do pouco tempo disponível que possuo tentarei colocar por tópicos a riqueza dessa pérola evangélica.
a) Deus dá um voto de confiança na humanidade para que ela seja a que administre os bens que Ele colocou a disposição de todos. Deus sabe que não pode governar sozinho de forma absolutista. A princípio, ninguém é excluído nesse mutirão administrativo. Todos são chamados a assumir responsabilidades e riscos.
b) Esta distribuição de responsabilidades não ocorre de forma uniforme, homogênea e “igual”. Tão pouco é aleatória. Depende de uma série de critérios e circunstâncias que nem sempre são claros e definidos. Não há, também, dicas claras de como administrar e cuidar desses bens colocados nas mãos da humanidade. Simplesmente, são bens a serem administrados na “ausência-afastamento” do senhor...
c) Só com o retorno do senhor é que se pode compreender o seu conceito-prática de administração. A partir da solicitação da prestação de conta é que podemos compreender o modo de agir do senhor, a saber: 1.Todos os co-administradores são chamados a não deixar parado o patrimônio que é de todos, mas ao contrário aumentá-lo, multiplicá-lo. 2. Todos são chamados a sermos criativos, a assumirmos riscos, a nos expor para que o conjunto de bens seja ampliado e possa atender e beneficiar a um número sempre maior de pessoas. 3. Não há espaço na administração do Reino para aqueles que “conservam” de forma estática bens e funções, que não sabem criar, transformar, ousar, mexer.
d) A parábola é um forte convite a intervir de forma ativa, criativa e ousada na realidade, sem medo de errar, de se expor e transformar de forma afirmativa e produtiva. O conservadorismo administrativo, engessado em normas, leis, cânones, dogmas frequentemente utilizado para manter o “status quo” e a ordem não faz parte da lógica de um Deus que, afinal, sabe que Ele tem as nossas mãos, as nossas cabeças, as nossas capacidades e responsabilidades e consciências para administrar de forma sempre atualizada o reino da vida plena para todos os seres vivos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Assembléia diocesana de Grajaú: as pastorais sociais, missão de Jesus, prática da igreja. PARTE III

5. Qual a pastoral social que Jesus realizava com essas pessoas e qual a sua metodologia específica para elas?
1. Aproximava-se, tocava e se misturava sem medo de se contaminar, ou seja, sem preconceito, com liberdade interior. Nisso ele rompe com o código religioso de pureza legal e questiona a estrutura social e suas divisões sociais. Ou seja, o lugar desse excluído não é a exclusão. Ele pode estar num outro lugar e isso é possível!
2. Procurava trabalhar a cabeça-psiqué, mostrando que não eram malditas e nem castigadas por Deus por se encontrarem naquela situação, aliás, a sua situação seria uma oportunidade/meio para que a glória de Deus (poder transformador) se manifeste em plenitude. Libertava essas pessoas do complexo de culpa e inferioridade que havia sido produzido mediante a cultura e educação da época.
3. As intervenções de Jesus junto aos marginalizados eram sempre uma forma de provocação/denúncia de alguma omissão ou negligência por parte de algumas categorias religiosas ou políticas dirigentes (curas em lugares proibidos, em dias de sábado, apresentar-se aos sacerdotes, parábolas paradoxais polêmicas colocando em maus lençóis as autoridades...) Era come se Jesus as quisesse responsabilizar social e politicamente.
4. Procurava ir às causas geradoras da exclusão. A viagem e chegada a Jerusalém representa a vontade de Jesus em minar e atacar o centro causador e gerador de toda exclusão e suas as raízes culturais, sociais, religiosas, políticas, jurídicas que justificavam a exclusão social e religiosa. A mudança que Jesus propõe não é só de pessoas ou cargos, mas de estruturas e consciências. Não somente novos modelos/sistemas econômicos e políticos ou jurídicos, mas formas novas de pensar e se relacionar com a realidade e com Deus.
1. Para tanto, Jesus ataca definitivamente o templo porque a verdadeira adoração se dá em espírito e verdade e não numa casa sufocada pelo clientelismo e a corrupção das famílias sacerdotais. 2. Fim do sacrifício/altar, pois o verdadeiro amor a Deus se dá na partilha/mesa com os famintos, pecadores, na comunhão com os sofredores e não nas tentativas de cooptar e manipular Deus. 3. Fim de uma espiritualidade/mística alicerçada num deus juiz/senhor/cobrador, pois Deus é pai misericordioso que faz chover sobre os bons e maus, que não exclui e que convida todos os povos a sentar ao grande banquete onde não precisa ter dinheiro para comer. É, enfim, a inversão radical do sistema de valores e prioridades....Não as normas litúrgicas, os cânones cristalizados e fórmulas petrificadas, mas uma ética de vida, a da integridade física e moral de todos os seres vivos!

Assembléia diocesana de Grajaú: as pastorais sociais, missão de Jesus, prática da igreja.PARTE II

As pastorais sociais-igreja viva procuram seguir e reproduzir, de forma criativa e atualizada o itinerário ético-missionário do guardião-sentinela Jesus de Nazaré. Para provar isso procuro sinteticamente recuperar esse itinerário destacando a sua metodologia e as suas escolhas sociais e humanas e, por isso mesmo, religiosas.

1. A descoberta vocacional de Jesus. Foi a dura realidade social e política em que se encontrava Israel que abriu os olhos a Jesus. Quem o ajudou nessa leitura-análise foi João Batista mediante a sua pregação vigorosa. Israel, segundo João, estava fracassando como nação. As suas contradições o estão levando à falência social, religiosa e política. Era preciso uma rápida e radical transformação de atitudes e relações (conversão-mutação), pois Deus-juiz estava prestes a promulgar a sua sentença definitiva que era de castigo, de condenação. Era preciso, portanto, produzir frutos (de justiça), ou seja, dar de vestir a quem estava nu, repartir comida com quem não tinha, exigir justiça, não utilizar a força e a extorsão... Jesus se identifica com essa visão e aceita o batismo de João. Entretanto, após uma breve convivência com ele, Jesus amadurece uma outra visão e inicia uma nova prática social e religiosa. Rompe com João Batista e volta a Nazaré.

2. Jesus se entende como o profeta da graça, e não da des-graça. Diferentemente de João Batista, em lugar do machado (destruição) e fogo, Jesus proclama o Reino de Deus e não o dos homens poderosos. Jesus muda de lugar social: não o deserto e sim as cidades onde tem gente. Não uma espera estática em que as pessoas correm até ele, mas uma profecia em ação, onde o próprio Jesus corre atrás das pessoas. Não qualquer pessoa, mas, prioritariamente, os impuros, os rejeitados social e religiosamente, os “mikroi” (invisíveis, os microscópicos) que ninguém enxerga e valoriza. Não genericamente as ovelhas, mas “as ovelhas perdidas de Israel”. A proclamação do programa de governo de Jesus na sinagoga de Nazaré sintetiza a totalidade da missão-prática de Jesus...

3. A saída/rompimento com Nazaré/família e ida a Cafarnaum na terra dos impuros (Galiléia). A intuição e explicitação do projeto de Jesus encontra oposição frontal nos seus patrícios e dentre seus próprios familiares. Jesus rompe com o contexto da sua família de sangue/sinagoga/grupo social para se transferir “ao mar dos gentios, na Galiléia das nações”, ou seja, mergulhar no mundo dos pescadores cultualmente impuros e "ser família" com eles!. É nessa Galiléia de impuros, insubmissos e revoltosos, de enormes desigualdades que Jesus começa a identificar e a conviver com os “ novos rostos” de rejeitados e pobres (Aparecida 402)

4. Jesus cria o seu grupo e prova que o período em que Deus vem para governar de forma nova, já iniciou. Os cegos enxergam porque vêem que a esperança não morreu, os coxos e paralíticos se levantam e andam porque recobraram novo vigor e se mobilizam, os escravos são libertados porque não aceitam mais obedecer a leis injustas.... Essa opção-prática de Jesus foi tão clara que as bem-aventuranças e as parábolas manifestam/listam as categorias sociais que Jesus assistiu, serviu e chamou ao longo da sua vida. Mas, por que será que Jesus, que não era um rejeitado social, escolheu os “pequeninos-mikroi”? 1. Eram a maioria em Israel 2. Supunha-se que eles deviam ser os mais interessados numa mudança social e numa libertação integral 3. Eram tradicionalmente os preferidos de Deus 4. por compaixão/amor gratuito, sem maiores explicações. 5. Por que o reino de Deus viria seguramente mediante a prática da justiça e da misericórdia, “na defesa do direito do órfão e da viúva”.

Assembléia diocesana de Grajaú: as pastorais sociais, missão de Jesus, prática da igreja.PARTE I

Em Barra do Corda, Maranhão, no centro de pastoral diocesano foi realizada a assembléia diocesana anual da igreja de Grajaú. Cerca de 100 pessoas entre leigos, padres e religiosas representando 12 paróquias, durante 3 dias (7-9 de novembro) se concentraram e debruçaram sobre o tema-urgência “Pastorais Sociais” na vida e missão da igreja. Foi um privilégio ter podido participar diretamente nos debates e no oferecimento de algumas reflexões sobre um tema que não raramente faz surgir polêmicas e incompreensões dentro e fora da igreja. Vi uma igreja à procura, aberta e disponível a encontrar novos e inéditos caminhos para ser “referência moral” nessa região do sertão maranhense. A convivência com aqueles homens e mulheres dispostos a não abrirem mão da sua esperança me deu a oportunidade de tecer algumas considerações sobre...as pastorais sociais da igreja católica!

A pastoral social é a resposta programática alternativa que Caim deveria ter dado a Deus no jardim do Édem ao ser inquirido por Deus:”Onde está teu irmão-ã”? Na resposta alternativa, em lugar de responder “eu sou por acaso o guardião de meu irmão”, Caim poderia ter respondido:” Eu sou sim, o guardião protetor, o vigia, o zelador, do meu irmão-ã!” Com efeito, as pastorais sociais da igreja católica são a expressão viva e concreta de uma igreja que carrega sobre si a responsabilidade de ser sentinela permanente da sociedade para que nenhuma ameaça, agressão, invasão ao sacrário que é a vida possa atingi-la. Elas são as que “dão o alarme” quando algo ou alguém está querendo atentar à vida em plenitude que cada ser vivo possui como direito inalienável!

É inegável que há setores dentro da própria igreja que acusam essas pastorais de não possuírem uma espiritualidade autêntica e de serem a ponta-de-lança da “teologia da libertação”. Uma teologia que, segundo eles, mais se parece a um conjunto de ensaios sociológicos de cunho marxista do que a uma verdadeira reflexão teológica sobre os fundamentos da fé cristã. Esquecem porque desconhecem a prática do agente missionário Jesus de Nazaré!
As pastorais sociais fincam suas raízes nas entranhas dos anseios e dramas humanos, nos clamores dos pequenos e socialmente invisíveis (os pobres) e da própria criação tão deturpada e ameaçada. Ao mesmo tempo, as pastorais sociais estão alicerçadas na concretude da palavra-testemunho, no Reino-governo novo, em ação concreta, iluminada, planejada e executada pelos profetas, por Jesus de Nazaré e por inúmeros cristãos que acreditam ser possível amenizar a dor humana e devolver a esperança sufocada.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Erexim: o desejo de comunhão para além da morte. Uma história verdadeira



Lembro-me que fiquei muito impressionado quando os índios Ka’apor me contaram, no longínquo 1986, a reação que teve Erexim, ancião Ka’apor da terra indígena Alto Turiaçu, quando da morte da sua esposa. Ao regressar da mata, na primeira parte da tarde, e encontrando já sem vida a esposa, Erexim entrou em um profundo estado de desespero e incontrolada depressão.
Os Ka’apor definem esse estado como sendo “ka’u” (estado de quase loucura). Como é de costume na tradição Ka’apor, a finada foi imediatamente envolvida na sua rede com alguns objetos pessoais e levada a um lugar bastante afastado da aldeia e enterrada numa cova não muito profunda.

Existe ainda hoje a convicção entre aquela etnia de que imediatamente após a morte de uma pessoa a sua primeira alma-espírito – aquela interior que co-existia com o seu corpo – ao se descolar e separar poderia invadir o corpo de uma outra pessoa viva próxima e produzir-lhe a morte. Isso explica a pressa dos Ka’apor em enterrar seus defuntos! Uma vez sepultada, são colocados ao longo dos caminhos da mata galhos de espinhos e outros tipos de arbustos para não permitir que a alma ainda vagante do falecido reencontre o caminho da aldeia e venha a se apoderar de alguém.
Erexim que não havia derramado uma lágrima sequer em ocasião da morte da esposa, embora visivelmente inconsolável, tomado por uma forte dor interior fez um gesto que nenhum índio Ka’apor havia feito até então. Ao entardecer, poucas horas após o sepultamento da esposa, Erexim recolheu a sua rede, algumas cordinhas de buriti, arco e flecha como se preparando para uma grande viagem. O filho Ingua’i logo compreendeu a intenção do velho pai: ele queria ir até o lugar do sepultamento da esposa e lá encontrá-la para comungar o mesmo destino. Erexim havia decidido de morrer como a esposa. Chorando, Ingua'i o suplicava para que desistisse daquele insano pensamento. Erexim, todavia, de forma resoluta, sem falar uma palavra e sem se importar com as súplicas do filho, com o rosto endurecido se dirigiu ao lugar da cova. Ingua’i, mesmo inconformado com tal decisão do pai, desistiu de segui-lo para evitar incorrer no seu mesmo destino. Deixou o pai sair com a certeza de que não o teria nunca mais encontrado vivo.
Erexim ao chegar ao lugar onde estava enterrada a esposa, com o facão que havia trazido consigo cortou duas pequenas plantas, cortou os galhos, afunilou as extremidades e as fincou de um lado e outro da cova. Com as cordas fixou a rede bem acima da cova e deitou nela. Com os olhos entreabertos ficou a esperar a morte. Ela teria chegado sem falta através da segunda alma-espírito da esposa. Aquela alma que com o passar do tempo já se encontrava no universo azul onde mora Ma’ira (o herói cultural dos Ka’apor) mas que, agora, teria tomado posse do corpo de Erexim para que também ele tivesse o mesmo destino que a esposa.
Passados três dias da saída do pai, Ingua’i tomou coragem e decidiu ir até o lugar onde sua mãe havia sido sepultada e onde certamente teria encontrado sem vida o seu velho pai. Ao chegar ao lugar com bastante cautela e titubeante se manteve a uma certa distância da cova. Ficou parado alguns instantes tentando captar algum movimento ou ruídos provindos do lugar da cova. Nada. Aproximou um pouco mais. Agora, ele já podia enxergar seu pai deitado na rede armada bem acima da cova. Ingua’i não alimentava esperança alguma de encontrá-lo ainda vivo. Tentou chamá-lo, timidamente. Nada. Improvisamente ouviu uma tosse seca que provinha de lá. Seu pai continuava vivo! Com mais coragem o chamou novamente. Nada, ele não respondia. Ingua’i permanecendo no mesmo lugar, parado, insistiu em chamá-lo pela terceira vez. Desta vez Erexim, ao reconhecer a voz do filho, respondeu: ”A alma de sua mãe não me quer com ela. Ela quer que eu fique ainda com vocês, talvez para que eu continue sendo pai e mãe para vocês. Vem para cá e me ajude a desfazer os nós das cordinhas da rede. Voltarei contigo para viver e para realizar os sonhos interrompidos e os trabalhos incompletos de sua mãe”. Os dois, em silêncio, retornaram à aldeia. Ao chegarem ninguém disse nada. Todos sabiam que quando uma pessoa querida morre entre os Ka’apor, o desejo de conviver com ela, para além da morte, era algo natural.

Erexim o havia expressado da forma mais radical. Ele jamais se esqueceu da sua querida esposa. Nos seus gestos, nos seus horários fixos, no lugar de se colocar durante as refeições, na hora de sair para caçar ou para apanhar mandioca na roça, tudo fazia como se ainda ao seu lado estivesse a sua inesquecível esposa. O filho e as pessoas da aldeia ao vê-lo agir daquele jeito diziam: “A finada voltou a viver entre nós no corpo do velho Erexim!”

sábado, 1 de novembro de 2008

Erexim: il desiderio di comunione anche oltre la morte.Una storia vera.

Ricordo la forte impressione che aveva destato in me quando mi raccontarono nel lontano 1986, la reazione di Erexin, indio Ka’apor della terra indigena Alto Turiaçu, Maranhão, quando morí la sua sposa. Erexin al ritornare dalla foresta, nel primo pomeriggio, al suo villaggio e trovando la sposa morta entró in un profondo stato di disperazione e depressione incontrollata. I Ka’apor la definiscono come “ka’u” (stato di quasi pazzia). Come vuole la cultura tradizionale Ka’apor, la defunta fu immediatamente portata ad un luogo abbastanza lontano dal villaggio, avvolta nella sua amaca, con alcuni oggetti personali e sepellita. Esiste tutt'oggi la convinzione tra quegli indios che immediatamente dopo la morte la prima anima della persona - quella interiore che co-esisteva con il suo corpo – allo scollarsi e staccarsi da lui potrebbe invadere il corpo di una persona viva vicina e produrgli la morte. Cosí si spiega la fretta dei Ka’apor nel sepellire i loro morti! Una volta sepellito il defunto, lungo i sentieri che portano al villaggio si pongono rovi e spini per non permettere che l´anima ancora vagante del defunto ritrovi il cammino del villaggio e si impossessi di qualcuno. Erexim, che non aveva versato nessuna lacrima, ma inconsolabile e preso da un forte dolore interiore fece un gesto che nessun indio aveva fatto fino a quel momento. All’imbrunire, raccolse la sua amaca, alcune cordicelle e prese la direzione del luogo della sepultura della sua sposa.

Il figlio Ingua’i al capire le intenzioni dell’ anziano padre che andava incontro alla morte in quella maniera decisa, piangendo, insisteva perché desistisse da quell´insano progetto. Erexim, risoluto, senza aprir bocca incurante delle suppliche del figlio, con il volto scovolto si diresse verso il cammino della sepoltura della sposa. Arrivato sul luogo, con il coltellaccio che portava appresso taglió due piccoli alberi, fece due pali e li infiló da un lato e dall´altro della tomba. Con le cordicelle fissó la sua amaca e si stese dentro. Con gli occhi socchiusi aspettó la morte. Sarebbe venuta sicuramente attraverso la seconda anima della sposa. Quell'anima che con il passare del tempo ormai giá si trovava nell’universo azzurro dove abita Ma’ira (l’eroe culturale immortale dei Ka’apor) ma che, ora, si sarebbe apossata di Erexim affinché pure lui avesse lo stesso destino. Il figlio Ingua’i non poteva seguirlo per non incorrere nella stessa sorte. Rassegnato, lasció il padre partire con la certezza che non l´avrebbe piú visto.

Tre giorni dopo Ingua’i si fece forza e decise di recarsi sul luogo dove sua mamma era stata sepolta e dove avrebbe trovato, con certezza, senza vita, l’anziano padre. Arrivando con cautela e temeroso vicino al luogo si fermó. Rimase in ascolto per verificare se giungevano alcuni rumori o movimenti. Niente. Si avvicinó ancor di piú. Senti un colpo di tosse. Suo padre continuava vivo. Prese coraggio e lo chiamó. Niente, egli non rispose. Lo chiamó nuovamente. Questa volta Erexim al riconoscere la voce del figlio gli rispose:” L´anima di sua mamma non mi vuole con lei. Lei vuole che rimanga ancora qui con voi, forse perché continui ad essere padre e madre per voi. Vieni qui ad aiutarmi a sciogliere i nodi delle cordicelle dell’amaca. Ritorneró con te per vivere e per portare a termine i sogni interrotti e i lavori incompiuti di tua mamma”.
I due, in silenzio, ritornarono al villaggio. Nessuno disse nulla. Tutti sapevano che quando muore una persona cara e amata tra i Ka’apor il desiderio di convivere con lei anche oltre la morte era qualcosa di naturale. Erexim lo espressó nella maniera piú radicale e giammai si dimenticó della sua sposa. Nei suoi gesti, nei suoi orari fissi, nel posizionarsi all’ora dei pasti, nel uscire per cacciare o raccogliere la manioca, tutto faceva come se al suo lato ci fosse ancora la sua indimenticabile sposa. Il figlio e le persone del villaggio al vederlo agire da quella maniera dicevano:”La defunta é ritornata a vivere tra noi nei gesti del vecchio Erexim”!
Un omaggio ai nostri cari che vivono in noi e tra di noi, grazie a coloro che continuano ad amarli anche oltre la morte!

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A crise financeira e o silêncio da igreja hierárquica

Recebi este artigo e o repasso, também porque José Maria Castillo foi meu professor em Granada em 1978-79 e o considero um teólógo extremamente preparado e sério, além de amar a igreja e a humanidade! Boa leitura!
Chama a atenção o fato de que as autoridades eclesiásticas falem tanto de algumas coisas, enquanto sobre outras questões muito importantes para as pessoas, como é o caso da crise econômica, não digam nenhuma palavra.
A opinião é de José María Castillo, teólogo espanhol, publicado na página eletrônica Adista, 27-10-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Naturalmente, é arriscado afirmar que o papa, os cardeais e os bispos, tantos como são, não tenham dito nada com respeito a um tema do qual o mundo inteiro fala com preocupação e angústia. Não há dúvidas de que o papa e os bispos tenham falado a respeito disso. Mas o fato é que a opinião pública sabe perfeitamente aquilo que a hierarquia pensa e diz a respeito do aborto, da eutanásia, do divórcio, da homossexualidade, do uso de contraceptivos, do ensino da educação à cidadania (matéria introduzida por Zapatero e contestada pelos bispos espanhóis) etc, enquanto as pessoas não têm nenhuma idéia do que os bispos pensam a respeito da crise do sistema financeiro, da quebra dos bancos, do aumento dos preços, do desemprego, dos empréstimos subprime, da ganância que, segundo o Comissário dos Assuntos Econômicos da União Européia, Joaquin Almunia, está na raiz dessa crise tão profunda e obscura e de tal gravidade.
É verdade as questões de ordem econômica pressupõe conhecimentos técnicos que não estão ao alcance de todos, nem dos bispos que, supõe-se, receberam a formação e a preparação necessárias para dizer, como pastores, aquilo que os fiéis devem pensar com relação aos seus problemas de vida e de consciência. Estamos de acordo sobre o fato de que são os economistas que falam de economia. Mas, se esse critério é correto, deve-se dizer com a mesma razão que devem ser os biólogos que devem falar de biologia. Por que os bispos falam com tanta certeza sobre questões como as células-tronco, o término da vida, os experimentos científicos em embriões ou a fecundação in vitro, se a maior parte dos bispos sabe menos ainda de biologia de quanto pode saber de economia?
Sinceramente, suspeito que o silêncio dos bispos sobre temas econômicos não é devido à ignorância, mas a outras motivações mais obscuras. Por que digo isso? Há poucos dias, o presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Poettering, dizia sem jogos de palavras: “Não se pode dar 700 bilhões (de dólares) aos bancos e esquecer-se da fome”. Porque essa incrível quantidade de dinheiro está reservada aos ricos, para que se sintam mais seguros e tranqüilos na sua condição privilegiada, enquanto, como bem sabemos, agora mesmo existem 800 milhões de seres humanos forçados a sobreviver com menos de um dólar por dia, isto é, viver em condições desumanas, expostos a uma morte próxima e assustadora.
Bem, o escândalo é que os políticos denunciam essa atrocidade da “economia canalha” (Loretta Napoleoni), enquanto aqueles que se apresentam como os representantes oficiais de Cristo na terra não levantam a própria voz contra semelhante vergonha. Naturalmente, eu não tenho soluções para a situação crítica que estamos vivendo, nem posso ser eu quem ofereça soluções. A única coisa que posso (e devo) dizer é que na Igreja abundam os funcionários e faltam os profetas. E tenho a impressão que, neste momento, para fugir da confusão em que estamos, mais importante do que a consciência dos economistas é a audácia dos profetas capaz de dizer onde se situa exatamente a cobiça que, como já disse, está na raiz do desastre que estamos sofrendo.
Todos sabemos que a Igreja denuncia a injustiça. O problema, porém, é que ela o faz utilizando uma linguagem genérica como a do presidente Bush quando falava de “justiça infinita”. Ninguém duvida das boas intenções do papa. E nem da sua grande personalidade e do seu prestígio mundial. Mas o problema é que o papa é o chefe supremo de uma instituição presente no mundo inteiro e se esforça por manter as melhores relações possíveis com os responsáveis da economia e da política de cada país. Bem, do momento em que a Igreja escolheu funcionar assim, é impossível para ela a missão profética que deve exercitar em defesa dos pobres e das pessoas mais mal-tratadas pela vida e pelos poderes deste mundo.
Quem lê com atenção os evangelhos sabe que Jesus não se comportou, frente às autoridades e aos ricos do seu tempo, como as hierarquias eclesiásticas se comportam hoje diante dos responsáveis dessa economia canalha que está levando o mundo à ruína. É evidente que as preocupações de Jesus eram muito diversas das da Igreja de hoje. Deve-se produzir uma catástrofe econômica como aquela que estamos vivendo para nos darmos conta de aonde vão os reais interesses dos “homens de religião”. Eles utilizam a linguagem da justiça e da solidariedade, que é aquilo que serve para o nosso tempo, mas não se arriscam a levantar a voz quando temem que os interesses da religião possam ser postos em perigo.
Estando assim as coisas, a conclusão é clara: a instituição religiosa está mais preocupada em assegurar a estabilidade e o bom funcionamento da religião do que se expor (com tudo aquilo que conseguir) com relação àqueles que mais sofrem nesta vida. E se essa é a conclusão lógica, o resultado é evidente: os ricos se sentem seguros, os pobres ficam imersos na sua miséria, e a religião, com os seus templos e os seus funcionários, permanece a mesma, pelo que ela se torna cada dia mais velha e sem força.
Acréscimo do autor do blog: é bom lembrar que a única afirmação pública que o papa fez diante das primeiras manifestações da crise foi a de afirmar que "só a palavra de Deus é sólida"...!!!!!????

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Eleições municipais no Maranhão: um olhar diferente

É bastante arriscado fazer um balanço-análise dos resultados das eleições municipais a partir de critérios meramente numérico-quantitativos onde prevalecem as percentagens, ou seja, o volume de votos recebidos por um determinado candidato e a quantidade de vitórias e/ou derrotas de um determinado partido, ou comparações (numéricas) com pleitos anteriores. Os números por si só, não traduzem de forma razoavelmente fiel a dinâmica do processo eleitoral e o desfecho do pleito. Uma verdadeira análise teria que fazer o esforço de resgatar e fazer emergir “os movimentos-critérios” adotados por determinados grupos de eleitores na definição do seu voto, bem como analisar as dinâmicas/métodos adotados por determinados grupos de candidatos para “conquistar” o voto dos eleitores. O cômputo final não consegue captar tudo isso. Corre-se o perigo de analisar somente o “fenômeno em si”, ou seja, o que, em última instância, aparece: os números, e não os processos que os determinam.

Posta essa premissa, atrevemo-nos, a partir de percepções, depoimentos, informações e hipóteses pessoais, a analisar o sentido-alcance do processo eleitoral municipal que ocorreu no Maranhão. Aceitamos conscientemente de fazer isto mesmo com o risco-desafio de incorrer em possíveis incoerências internas ou de sermos acusados de julgamento das intenções do eleitorado ou de levianas generalizações. O que queremos é tentar captar algumas “sinalizações” que confirmam tendências-hábitos ou que parecem apontar para algo “inédito”, mesmo que no nível micro e localizado.

“È o único dia em que estou valendo alguma coisa! Quanto me dá para votar em você?” (Frase pronunciada por um eleitor de Santa Luzia do Paruá)

Ou dito de outra forma: quem fiscaliza e pune o eleitor que se dispõe a “vender” o voto para um “candidato comprador”? Em todas as cidades visitadas no interior do Estado (07), após as eleições ouviram-se inúmeros relatos de um grande movimento de eleitores que na proximidade do pleito procuraram candidatos para negociar o voto-mandato. Parece-nos algo inédito isso. O movimento histórico que geralmente se constatava, anteriormente, dava conta de que a iniciativa para fazer trocas vantajosas com o voto dos eleitores partia sempre do candidato. Agora, talvez devido às mini-reformas eleitorais introduzidas recentemente, supostamente mais rígidas em relação ao comportamento-hábito histórico dos candidatos, é o eleitor que se sente na obrigação de não deixar passar em branco a ocasião de tirar proveito da “transação eleitoral”. Em que pesem as condicionantes e atenuantes histórico-culturais da concepção-prática “mercantilista” do voto na história desse Estado, parece-nos que as eleições municipais de 2008 representam uma nova e criativa forma local. Esta se revela não somente no fato de ludibriar a legislação eleitoral em vigor - deslocando o foco do réu tradicional, o candidato, para o do eleitor, atualmente, inimputável legalmente, - mas também desvenda a “diabólica sintonia” entre eleitor-eleito para perpetuar formas de barganhas eleitorais. Longe com isso de expressar juízo de valor, revela, antes, que o voto continua sendo uma moeda de troca super-valorizada no grande e competitivo mercado da democracia representativa.

Acabou a identidade partidária, mas se fortaleceu a cultura partidária.

À primeira vista pode soar contraditória essa afirmação. Entretanto é preciso atentar ao fato de que identidade não se confunde com cultura. Entre as duas caberia salvaguardar rigorosamente a primeira, ou seja, a identidade. Com isso queremos dizer que nos é difícil hoje em dia saber identificar uma determinada administração municipal de direita (?) ou de esquerda (?) a partir daqueles elementos tradicionalmente considerados “essenciais” e que a definem de imediato, a saber: o seu plano de governo específico, as formas próprias de participação/elaboração de prioridades, o rigor na gestão/utilização dos recursos públicos, a transparência na prestação pública das contas e outras pérolas de um “politiquês” demodée. Onde estaria hoje, por exemplo, o “ser PT”, ou o “ser PSB”, ou o “ser PMDB”... ou seja, a identidade partidária, própria e exclusiva e que a diferencia dos demais, que faz com que “ele seja ele mesmo” e não outro? E que torna um partido algo único e inimitável em sua identidade ontológica? O que parece unificar todos os candidatos são as mesmas práticas culturais de conceber o mandato, de conquistar o voto, de conseguir uma candidatura no partido (não importa qual), de ausência de empatia com as problemáticas da “urbs-cidade”... As eleições municipais recentes, no Maranhão, parecem revelar que aconteceram à margem das estratégias político-partidárias-identitárias. Responderam a projetos pessoais e/ou de grupos ansiosos em gerir fundos públicos vultosos com a relativa garantia de que eventuais crimes não seriam legal e exemplarmente punidos nem pela justiça nem pelo ignaro eleitorado. E que, ao máximo, haveria formas de constrangimentos públicos logo esquecidos por um eleitorado muito pouco interessado na ética do candidato e mais preocupado em fechar um acordo vantajoso com ele. Entretanto, não se pode ignorar que ficou definitivamente claro que não é mais suficiente para ganhar uma eleição alardear uma suposta identidade de esquerda, ou veiculando uma imagem de tocador de obra, ou de candidato honesto. Tudo isso se não for ladeado por um conjunto de práticas que comprovem a justeza de tais afirmações e, evidentemente, por uma boa dose de empatia pessoal com o eleitorado que exige ser notado e “valorizado” pelo menos durante a campanha em nada adiantaria. Sem querer subscrever o velho ditado segundo o qual “os políticos são todos farinha do mesmo saco”, não há como negar que pelas culturas administrativas adotadas no nosso Estado é impossível detectar a identidade partidária específica de cada administrador.

A "POLÍTICA" fracassou. Viva a "política".

Uma eleição política municipal, muito mais do que a federal/estadual consegue suscitar nos eleitores um intenso envolvimento emocional e paixões irrefreáveis devido também ao fato de que os interesses em jogo são mais próximos, evidentes e imediatos. Se isso parece ser algo comum principalmente nos pequenos municípios do interior do Nordeste, no Maranhão tudo isso assumiu características específicas e de caráter violento. Não estamos nos referindo unicamente aos casos nacionalmente notórios de São Mateus ou Benedito Leite em que o vandalismo alcançou níveis inéditos, mas a uma série de manifestações agressivas que ocorreram em numerosas cidades. Se à primeira vista não representam nenhuma novidade no currículo desse Estado podem manifestar, todavia, de um lado a persistência da concepção da competição na sua acepção mais negativa na política municipal (ou eu ou você, ganhador/perdedor, ...) e, do outro lado, a comprovação de que a máquina administrativa municipal e seu poder de distribuir cargos, empregos, favores, proteções continua sendo o maior motor impulsor da economia local e regenerador das relações sócio-políticas. O cidadão não “emancipado” em seus direitos fundamentais recorre à máquina política local para se sentir reconhecido, seguro e protegido em suas inúmeras fragilidades e incompletudes. Ele o faz de forma corajosa e destemida. É um cidadão que não se esconde, que não coloca a máscara. Toma partido, pois ele opta claramente em favor de um candidato e contra o outro. Só agindo assim, de forma clara, é que poderá contar com possíveis benesses por parte do eleito. Nesse sentido, política entendida como preocupação coletiva com a cidade que é de todos parece estar fadada ao fracasso a partir do processo eleitoral municipal. Entretanto, na ausência de uma cidadania emancipada, madura, as novas relações que se recriam a partir de uma eleição municipal podem dar a sensação/ilusão a determinados grupos de eleitores que eles não estão sós, abandonados, invisíveis e anônimos, mas “alguém” irá olhar para eles. Pelo menos, nem que seja por um dia, alguém se “interessou” por ele e por um curto período terão a sensação de sentirem “vencedores”. E isto basta!

sábado, 4 de outubro de 2008

Mt.21,33-43: pertence ao povo de Deus quem sabe produzir frutos de justiça

Vários setores significativos de Israel, no passado, de forma arrogante, se consideravam “o povo eleito e escolhido” diretamente por Javé. Javé, ou seja, “Aquele que está-com-o-seu-povo” devia ser adorado de forma exclusiva, pois Ele era único. Um deus ciumento que não aceitava que outros deuses sentassem ao seu lado e fossem adorados com igual piedade e submissão.
Evidentemente, tudo isso não é fruto de revelação privilegiada, nem de predileção divina, mas é expressão de uma autoconsciência de caráter coletivo, frequentemente manipulada pelos setores palacianos monárquicos interessados em exigir e manter obediência, devoção e exclusividade do povo ao deus do rei. Era claramente uma estratégia política para manter coesão social e unidade nacional. Admitir a diversidade de deuses significaria reconhecer um pluralismo de identidades e de projetos politicamente perigosos. A própria bíblia que é uma coletânea extremamente multiforme de experiências, visões, sonhos, projetos sociais e religiosos vivenciados por inúmeros e variados grupos sociais revela as suas próprias contradições. Mas isto manifesta, de forma paradoxal, que nem todos engoliam o que as classes dirigentes queriam enfiar goela abaixo.

Jesus o hebreu da Galiléia, como muitos dos seus patrícios comungava, a princípio, a idéia de que Javé havia escolhido Israel, entre outros povos, como sendo o Seu povo. Escolheu-o para ser luz, guia, exemplo a ser seguido. Ele também achava que somente “as ovelhas perdidas de Israel (e não de outros lugares!)” deviam merecer um cuidado e uma atenção especiais. Os estrangeiros, os “não israelitas” poderiam sim aceder ao grande banquete, mas só quando todo Israel fosse reunido sobre o grande monte e estivesse já sentado á mesa. Em que pese tudo isso, Jesus nunca renunciou à sua visão e consciência crítica e autocrítica resultado de sua permenente convivência com "os invisíveis" de Isarel, os "não-escolhidos". Jesus vinha percebendo em suas andanças que muitos setores de Israel se escondiam atrás da falsa segurança de se sentirem eleitos e depositários da benevolência divina, para praticarem do tipo de opressão e iniqüidade. Usavam indevidamente o nome de Javé e a sua suposta proteção-predileção para “não produzir frutos de justiça”.

Vocês acham que vão escapar da ira divina só porque vocês se acham filhos de Abraão (escolhidos)? Se for só por causa disso, eu vos digo que Deus pode fazer filhos de Abraão também dessas pedras. Mas se vocês não produzirem frutos de justiça o machado já está posto na sua raiz e vocês todos irão ser cortados” (Lc. 3,8-9) Jesus, como os grandes profetas críticos e destemidos, na parábola desse domingo, mais uma vez, desnuda a falsa prática religiosa, detona a arrogante autoconvicção de pertença ao povo eleito, desmascara a hipocrisia que se dá mediante os cultos apaziguadores da consciência e da responsabilidade social.
Sem meio-termo Jesus proclama o novo critério de pertença divina, ou seja, a capacidade de produzir frutos ao cuidar com amor, dedicação, responsabilidade e competência da vinha/ vida/humanidade/sociedade/universo/Reino de Deus. Ao fazer isto, Jesus sentencia, - sem direito a novo recurso, - o fim da suposta predileção divina a partir de critérios de nacionalidade, de pertença/freqüência religiosa/sacramental, cultural, opção ideológica/sexual, etc. subordinando-a ao critério de produção de frutos. Ou seja, a prática da verdadeira caridade, do serviço gratuito em favor da vida. “Por isso eu vos afirmo que o Reino de Deus vos é tirado (futuro próximo e não remoto) e confiado a um “povo-grupo” que produza seus frutos” (Mt. 21,43).

Bom domingo e boa votação.... se é que temos ainda gente/políticos habilitados para cuidar da ...vinha/sociedade produzindo frutos de justiça e equidade!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A crise “americana”: crise universal de valores

Há algo que deveria nos incomodar na assim chamada “crise financeira americana”. Parece existir um acordo tácito entre os meios de comunicação, os analistas e comentaristas econômicos para que a crise seja interpretada como uma crise meramente financeira, de caráter especulativo, e circunscrita ao território americano. Ou seja, querem nos dar a entender que é uma crise intimamente ligada à falta de pagamentos, insolvência, falta de credibilidade circunstancial dos mercados, duvidosa administração bancária, falta de liquidez e outras pérolas do “economês. As próprias medidas político-econômicas que vêm sendo debatidas para debelar ou amenizar os efeitos desse colapso de incalculáveis proporções parecem confirmar tudo isso. Há algo que cheira mal nisso tudo.
A atual crise não é somente financeiro-especulativa, ligada a investimentos mal calculados ou a inversões repentinas de tendência dos mercados. Ela desmascara a face real do comportamento social e humano global: o anseio desmedido, quase neurótico, de consumir, de obter sempre mais dinheiro disponível para comprar mais mercadorias e bens de todo gênero. A crise atual é como um termômetro que nos alerta de forma brutal que a febre consumista chegou ao ápice e deve ser detida. Já num passado recente havia quem alertasse sobre os perigos reais de “estouro da bolha” especulativa e que suas conseqüências seriam caóticas para todos.
As agências financeiras e os bancos conhecem a dependência servil que a grande massa humana tem com relação ao dinheiro e ao seu poder. Sabem os níveis de idolatria que existem na alma humana diante da mercadoria, o seu fascínio e poder de sedução. Facilitaram créditos, estimularam o deslumbramento humano perante a mercadoria e distorceram as perspectivas de posse e de bem-estar dos seus clientes. Estes acabaram entrando num vórtice de consumo de bens, na maioria das vezes fúteis, mesmo sem ter condições reais de adquiri-los, e adotando o mesmo objetivo que os bancos, ou seja, a perspectiva de ganhar mais ainda. Bancos e clientes se aliaram num jogo suicida em que um precisava do outro para lucrar, ganhar e possuir sempre mais. Um tentando iludir o outro de que os dois poderiam sair ganhando infinitamente sem limites. Tudo isso ruiu fragorosamente.

Isto não ocorre somente na terra do tio Sam. Isto não mexe só com o bolso das pessoas e com sua capacidade administrativa. Mexe com o nosso universo de valores. Mexe com a nossa capacidade de atender a necessidades essenciais e de fixar prioridades que dêem sentido à nossa vida. Mexe com a nossa autonomia e independência perante o poder sedutor e, ás vezes, irresistível, do “ídolo dinheiro-mamona” que exige submissão e veneração total. A crise “americana” é global e existencial porque ela desnudou definitivamente a alma humana. Arrancou-nos a máscara e tirou o que nos encobria, expondo definitivamente para nós mesmos a nossa nudez-fragilidade, cheia das rugas da ambição e da ganância que escraviza. A crise não será superada somente com a injeção de centenas de bilhões de dólares entregues a instituições financeiras com o intuito de sanear os mercados abalados e readquirirem credibilidade. Dinheiro, diga-se de passagem, que será mais uma vez desembolsado pelas vítimas da idolatria consumista e gananciosa.
A crise poderá significar uma lição de vida se a partir dela a humanidade começar a fazer escolhas que tenham em consideração a sobriedade de vida, o respeito pelo ambiente e as legítimas aspirações de milhões de “sem-cartão-de-crédito” que anelam por equidade e justiça social.

sábado, 27 de setembro de 2008

Mt 21,28-32: os "sem palavra" que fazem a vontade do Pai


Parece ter se diluído no tempo e no espaço o poder da palavra. A palavra como expressão máxima do ser, da identidade de uma pessoa. Parece coisa relegada aos tempos “das sociedades tribais” e da “tradição oral,” em que a palavra conservava e transmitia o tesouro da memória coletiva e da identidade de um povo. O próprio líder era escolhido a partir de sua capacidade de falar, de pronunciar palavras que tocassem os sentimentos e os sonhos das pessoas. Ele detinha o poder da palavra, mais do que o das armas. Houve época em que “a palavra dada” era como que entregar si mesmo ao outro, a própria credibilidade, honra e integridade moral. Dar a palavra era assumir responsabilidade pessoal e o compromisso intransferível de cumprir o prometido/combinado. No Gênesis lemos que o próprio Deus “cria” mediante a palavra. “Deus disse” e as coisas tomam corpo e vida. A palavra sempre foi ladeada pelo seu ato-ação correspondente. Uma não existia sem a outra.

Hoje, muito pouco de tudo isso parece ter sentido para os dominadores da escrita, do protocolo, do registro, do cartório. Poucos confiam na pessoa que só empresta a sua palavra. Exige-se muito mais que isso. A palavra não deixou de exercer um grande fascínio e sedução, mas ela, freqüentemente, é usada para se disfarçar e ocultar intenções, projetos, sonhos, ambições. Fazem uso da palavra para renegá-la logo em seguida com gestos e ações que são antagônicas a ela. Na modernidade instaurou-se o definitivo divórcio entre palavra e o seu significante concreto. Um divórcio de alto teor destrutivo por ser também o resultado de uma progressiva falta de ética e, além disso, de cunho individualista.
No evangelho desse domingo Jesus, observador atento e irônico, procura desmascarar os arrogantes fanfarrões “da palavra dada”. Aqueles que utilizam o escudo da palavra, da promessa, da fidelidade e obediência às normas e ritos para esvaziá-la com ações contraditórias. O fascínio sedutor da palavra é utilizado pelos mestres da lei, os escribas, os fariseus lacaios das normas e fórmulas ritualísticas e os sacerdotes lambe-altares para ocultar e negar direitos, justiça e fraternidade. São pessoas que vivem de aparências e formalidades e acreditam que só isto basta para conquistar prestígio e reconhecimento social e, claramente, para conseguir manipular, distorcer, convencer os “sem palavra”. Jesus desmonta através da parábola dos dois irmãos a suposta segurança religiosa e social em que estes se haviam entrincheirado ao sustentar que são somente os que “praticam, que fazem, que cumprem” que estão em sintonia com o Reino. Não aquele que DIZ, mas aquele que FAZ é que entra na dinâmica da construção da humanidade que Deus quer.

O alvo era claro e direto: não os lacaios das normas religiosas e rituais, e sim os pecadores, as prostitutas, os publicanos, ou seja, os que diziam não às normas de pureza ritual, - mas aderiam ao projeto de Jesus - que são os que cumprem a vontade do Pai. Jesus não quer demonizar a palavra-rito em detrimento de um suposto fazer salvador, mas de restabelecer o primado da coerência, da integridade ética, da ligação indissociável entre fé e vida e pondo fim a toda hipocrisia e duplicidade.

Mais antes uma ortopraxia que defende a vida, a solidariedade e o direito, do que uma ortodoxia vazia de valores, gestos e ações que apontam para vida em plenitude. Bom domingo!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Mt.20,1-16: Um Jesus paradoxalmente....justo!

Jesus revoluciona completamente o conceito de justiça que vigorava na época. Ele com a parábola hodierna coloca em xeque a teoria da retribuição e a justiça distributivista. O conceito de justiça ainda hoje é entendido na sua acepção distributivista, ou seja, dar a cada um o seu. Imaginemos, porém, por um instante que uma pessoa não tenha nada. Ser justo com ela seria não dar nada, pois nada tem! Ou, se trabalhou 3 horas, pagar-se-ia o correspondente de 3 horas. Mas quem define o valor de uma hora de trabalho? O patrão? E este daria a “cada um o seu”? Se essa é por demais uma definição simplista, pensemos, então, naquela circunstância hipotética em que temos um bolo e este deve ser distribuído pelo número de pessoas presentes. Quais os critérios a serem adotados para uma justa divisão-distribuição do bolo? Uma resposta óbvia é: dividir o bolo em 10 partes rigorosamente iguais. Ao proceder dessa forma estamos caindo mais uma vez na armadilha da justiça distributiva. De repente algum dos presentes tem mais fome que outro e precise de mais bolo. Ou pode haver algum diabético que renuncie ao seu pedaço em favor de outro. Essa prática de justiça não tem em consideração as necessidades dos presentes. Eles seriam todos iguais, o que não existe!
Podemos, também, afirmar que vamos dar uma parte do bolo somente àqueles que agiram corretamente, ou seja, a quem mereceu, a quem é digno. É a justiça da retribuição, a que vigorava amplamente na prática teocrático-moralista dos fariseus e saduceus. Mas quem decide quem merece, e quem é digno? E quem decide o tamanho do pedaço de bolo a ser dado?
Jesus através da narração da parábola do pai de família que sai para contratar operários, de forma paradoxal questiona as visões-práticas de justiça em vigor e propõe a aplicação da justiça da gratuidade. De um lado os que se achavam puros, e portanto, merecedores de mais reconhecimento, e do outro, os impuros, os pecadores, merecedores só de penalidades. Ao agir com magnanimidade e generosidade paradoxal Jesus adota critérios de justiça que vão além da mera justiça formal, humana, distributiva. Sem negar esta, Ele ousa superá-la declarando-a inadequada para expressar a prática do Pai.
Jesus, como os grandes pensadores/pedagogos da humanidade coloca nas nossas mentes o vírus da suspeita. Será que temos que aceitar passivamente, de forma a-crítica tudo o que nos ensinaram sobre justiça? Será que temos que repetir o senso comum daqueles que acham cômodo “dar a cada um o seu”, mas alimentando dentro de si a convicção que, na realidade, tudo é dele e que ao outro só lhe cabem as migalhas? Ser justo para Jesus é dar muito mais a quem precisa mais, sem se importar se ele é moralçmente digno ou se chegou na última hora, ou seja, se só agora descobriu o sentido da sua vida.
Um abraço em todos-as. Hoje estarei viajando para mais uma tournée entre os Guajajara de Colônia e Bananal. Bom final de semana para todos-as.