Indígenas do povo Xokleng são alvo de ameaças de morte, agressões físicas e verbais e racismo por parte da população de Rio do Oeste, cidade na região sudeste de Santa Catarina. As ameaças são inflamadas pela prefeitura e outras autoridades do município, como mostram documentos do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a que a Agência Pública teve acesso. Desde o dia 22 de fevereiro, os indígenas estavam acampados no Parque Municipal Gruta do Tigre, uma área de menos de 1 hectare de remanescente de Mata Atlântica nos arredores da cidade que possui sítios arqueológicos onde foram encontradas ossadas do povo Xokleng.
Na ocupação, batizada de Retomada Kuzum Lavan, os indígenas contestam a exposição das ossadas de seus ancestrais como ponto turístico e reivindicam a criação de uma aldeia no local. O acampamento foi encerrado nesta terça-feira (25) com a determinação de reintegração de posse pela 1ª Vara da Justiça Federal de Rio do Sul em favor da prefeitura de Rio do Oeste. A operação foi realizada pelas polícias Federal e Militar, acompanhadas pela Funai, e presenciadas por moradores da cidade.
Segundo recurso da Funai, que pediu a suspensão da medida liminar que autorizou a reintegração de posse, a comunidade indígena viveu um “clima de terror” por conta de várias situações durante os dois meses em que os cerca de 25 indígenas passaram acampados. Entre elas estão o recebimento de áudios com ameaças de morte, tentativa de esfaqueamento, provocação de ruídos e sirenes por parte da polícia durante a madrugada, uso de drones para monitoramento da área, tentativa de suborno aos indígenas para a retirada do acampamento do local, além de gritos e tiros nas imediações do parque durante a noite. O MPF em Santa Catarina também tentou impedir a reintegração de posse e a retirada dos indígenas do parque municipal. De acordo com o MPF, parte dos cidadãos de Rio do Oeste fabricou um “clima de hostilidade” contra os indígenas, com respaldo do município e de “algumas autoridades locais”. Como autora da ação de reintegração de posse, a prefeitura juntou documentos e depoimentos no processo para afirmar que os indígenas “usam de violência e ameaça” contra os moradores do município, materiais que, segundo o MPF, são inverídicos.
Ameaças de morte e disparos
A reportagem teve acesso a áudios gravados entre fevereiro e abril de 2023 em que são feitas ameaças de morte aos indígenas supostamente gravados pelo vereador Silvio dos Santos (PSD), que cumpre seu primeiro mandato no município de 7.500 habitantes. Em uma das gravações, uma pessoa que se identifica como o vereador afirma: “Cara, nós temos que resolver isso lá antes de começar a vir gente, cara. Pegar esses índios lá e, eu sou parceiro, eu vou de noite sozinho lá e resolvo. Mas tem que ir o quanto antes porque daqui a pouco vai chegar criança e daí chegar aqui não dá mais jeito. Tem que matar o mal pela raiz rápido”. Na semana passada, as ameaças de morte ganharam tom enérgico. “Os índios de Rio do Oeste vai ser todos morto [sic], mortos pelas minhas mãos, Silvio dos Santos, vereador. Eu vou matar todos os índios, mexeram com o cara mais errado do mundo de Rio do Oeste.” Ainda segundo os áudios, a justificativa para “matar os Xokleng” é que os indígenas teriam agredido o filho menor de idade do vereador. À reportagem, Santos afirmou que os áudios são montagens. Os indígenas negam que tenham atacado o jovem e afirmam que o adolescente de 17 anos foi até o acampamento armado com uma faca e ameaçou a cacica Joselina Wailui Patté de morte, tendo-a agredido fisicamente com chutes nas pernas, no dia 14 de abril. Ela está grávida de três meses. A liderança indígena registrou boletim de ocorrência na delegacia de Polícia Civil. Adultos e crianças presenciaram o ataque. Segundo a liderança, o filho do vereador afirmou que ela iria morrer naquele dia e que levaria a sua cabeça. “Ele disse: ‘Hoje tu vai me pagar, quem me mandou aqui foi o Marcos, o prefeito e o meu pai. Esse lugar aqui é nosso, é meu, meu território, não é para vocês estarem aqui’”, relembra Patté.
Em nota, a Polícia Civil respondeu que realizou um Termo Circunstanciado para apurar a suposta lesão corporal contra o adolescente por parte dos indígenas e que o adolescente responde por ato irracional que teria praticado contra a cacica. Os indígenas denunciam ainda disparos de arma de fogo para o alto, durante a noite, na mata ao redor do parque. “Já faz dias que estão assim de soltar tiro em cima de nós. Um foi bem gravíssimo, tiro mesmo, um atrás do outro”, afirma a cacica Patté. Antes da reintegração de posse desta terça-feira, os indígenas denunciaram a omissão da Polícia Militar. “Nós chamamos a polícia, demoraram para vir, mas quando vieram falaram assim para nós, que nós procuramos, que nós estamos no território dos brancos, e que não é crime ficar no mato atirando”, completa a cacica. “As crianças estão apavoradas.” Em nota, a PM de Santa Catarina afirmou que não tem registros das denúncias dos indígenas e que “atende aos pedidos das instituições municipais, estaduais e federais, de apoio, bem como também atende a todas as solicitações dos cidadãos catarinenses”.
(Fonte: Agência Pública)