terça-feira, 29 de novembro de 2022

Quem tem medo das mulheres? - Por Massimo Recalcati

 Na base da violência machista contra as mulheres, há sempre a mesma aspiração: arrancar, rasgar, ferir, rejeitar, suprimir a sua liberdade. A justificação ideológica dessa terrível intenção tem como ponto fulcral a reivindicação de uma superioridade ontológica e moral do homem sobre a mulher que encontraria a sua codificação ideológica na leitura dogmática (e distorcida) do texto bíblico. Superioridade ontológica: o corpo da mulher viria daquele masculino - de sua famigerada "costela" - portanto, seria apenas uma expressão secundária e fatalmente inferior. Superioridade moral: a feminilidade encontraria seu símbolo maléfico em Eva, que encarnaria uma tentação pecaminosa capaz de empurrar o ser humano para a loucura da transgressão, para uma liberdade sem juízos que o mergulharia na natureza diabólica e perversa da sexualidade.

Na história secular do Ocidente, essa superioridade ontológica e moral do homem foi veiculada por vários dispositivos repressivos abertamente sexófobos. Em primeiro lugar, aquele da exclusão da mulher da vida da cidade: sem palavra, sem língua, sem nome, sem direitos. Mas de forma mais sorrateira e mais capilar pela via da maternidade como emenda da pecaminosidade feminina. Estratégia de purificação da sensualidade demoníaca de Eva através de sua metamorfose no caráter imaculado da virgem Maria. O Ocidente patriarcal insistiu particularmente neste ponto: o destino iniludível de uma mulher é aquele da maternidade. É, de fato, na identificação da mulher com a mãe, que ele pretendeu resolver o temível problema da excedência anárquica da liberdade da mulher. Nessa perspectiva, o materno configurou-se não apenas como destino biológico necessário da mulher - inscrito na Lei da natureza - mas como negação de sua própria existência. Para muitos homens, ainda hoje, transformar a mulher na mãe de seus filhos é uma forma de exercer, consciente ou inconscientemente, um domínio de apropriação sobre a sua liberdade. Com o inevitável acréscimo de que assim a mulher que se torna toda-mãe efetivamente desaparece como mulher ("autorizando", entre outras coisas, o homem a buscar em outras mulheres a realização de seu desejo).

Esse teorema patriarcal da maternidade como uma emenda da feminilidade na verdade dá o aval à violência do homem contra a mulher. Não é por acaso que muitos homens exercem sua violência quando se deparam com o caráter irredutível da liberdade feminina. Acontece, em particular, quando termina um vínculo de casal. Nessas circunstâncias, o homem abandonado não pretende reconhecer o direito de escolha da mulher. A violência, até o extremo atroz do feminicídio, é então uma forma de tentar ser novamente o senhor da liberdade da mulher, de subjugar brutalmente a independência de seu desejo....Esse é o sadismo que caracteriza a violência masculina, inclusive do ponto de vista clínico: apropriar-se da liberdade da vítima tornando-a um objeto indefeso. Além disso, o paradoxo que foi historicamente determinado consiste no fato de que quanto mais o homem se empenha nessa empreitada de subjugação sádica da liberdade feminina, mais ele é obrigado a verificar o destino fracassado desse projeto, ou seja, reconhecer o caráter indomável da liberdade da mulher. Isso é o que está acontecendo hoje nas ruas do Irã. 

A repressão às mulheres promovida pelo regime patriarcal-religioso dos aiatolás sempre foi exercida no pressuposto da inferioridade ontológica e moral da mulher. Não é por acaso que se entrega a uma verdadeira e própria polícia moral de cunho medievalista a vigilância sobre os corpos das mulheres. Aqui não é apenas a sexualidade que deve ser ocultada pelo véu da repressão, mas é a própria liberdade - da qual a sexualidade é uma expressão fundamental - que é constantemente perseguida. Essa é a raiz última da violência machista contra as mulheres: a liberdade irredutível da mulher aterroriza o poder do patriarcado religioso que a todo custo a deve domar, disciplinar, extirpar como se fosse uma gangrena.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O golpe da crise permanente do mercado

 Notável pensador português, em seu último livro, “O futuro começa agora: da pandemia à utopia”, Boaventura Santos descreve o modo de atuação do tal mercado e o que ele denomina do álibi da “crise permanente”.

“Por exemplo, a crise financeira permanente é utilizada para explicar os cortes nas políticas sociais (saúde, educação, previdência social) ou a degradação dos salários. E assim impede que se pergunte pelas verdadeiras causas da crise.

O objetivo da crise permanente é não ser resolvida. Mas qual é o objetivo deste objetivo? Basicamente, são dois os objetivos: legitimar a escandalosa concentração de riqueza e impedir que sejam tomadas medidas eficazes para evitar a iminente catástrofe ecológica.

Se mantém algum resíduo de mediação, é com as necessidades e aspirações dos mercados, esse megacidadão informe e monstruoso que nunca ninguém viu, nem tocou, nem cheirou, um cidadão estranho que só tem direitos e nenhum dever. É como se a luz que ele projeta nos cegasse”. (GGN)

Padre que vinha recebendo ameaças de bolsonaristas por apoio a Lula é encontrado morto no Paraná

 O padre José Aparecido Bilha, titular da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Guaíra, no Oeste do Paraná, foi encontrado morto na manhã de segunda-feira, 21, com um corte profundo na garganta. Segundo informações extraoficiais, a polícia civil não descarta a hipótese de suicídio. No entanto, várias evidências apontam para uma eventual motivação política para que o padre tenha sido assassinado.

Uma faca foi encontrada ao lado do corpo do religioso, que estava recebendo insultos e ameaças por ter declarado publicamente seu voto em Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República. Integrante da equipe de transição de governo na área dos direitos humanos, a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) declarou em suas redes sociais que se o religioso estava sendo perseguido pela sua declaração de voto é impossível descartar violência política. “Acompanhar investigação de todos esses crimes é obrigação. Basta! Pela democracia, pelos direitos humanos, basta!”, alertou.

Diante da polarização política, o sacerdote passou a defender o candidato Lula, lembrando as políticas sociais dos dois mandatos anteriores do petista.Por isso, ele recebeu criticas de fiéis de direita do estado e vinha sofrendo pressão política, disse uma paroquiana que pediu para não ser identificada. Na votação do segundo turno, Jair Bolsonaro (PL/RJ) foi o candidato vencedor em Guaíra, com 62,69% do total dos votos contabilizados (13.046), contra os 37,31% (7.765) do presidente eleito.

Perfil discreto

Conhecido por Padre Cido, o religioso até então tinha um perfil marcado por discrição e atuação interna nas instituições da Igreja Católica.Ele foi responsável pela formação de novos religiosos e na condução de paróquias no interior do Paraná.José Aparecido tinha 63 anos e iria completar neste ano 28 anos de sacerdócio. Nasceu em 1959 na cidade de Astorga e se transferiu para Assis Chateaubriand com sua família em 1967. Estudou no Seminário São José de Cascavel em 1980 e seis anos depois cursou Filosofia em Toledo, integrando a comunidade formativa do Seminário Maria Mãe da Igreja. Entre 1989 e 1990, cursou os dois primeiros anos de Teologia no Studium Theologicum da congregação claretiana em Curitiba. Nos dois anos seguintes, concluiu sua formação no Pio XII de Londrina. Ele ainda cursou Síntese Teológica, em Bogotá, na Colômbia, entre 2002 e 2003.

Quatro anos depois, foi nomeado para a Paróquia São Francisco de Assis em Assis Chateaubriand. Lá ficou até 2012.Nos três anos seguintes, o padre atuou na igreja de Santo Antônio em Formosa da Oeste. Em 2016 foi designado para voltar a acompanhar a formação de seminaristas no Seminário São João Paulo II em Curitiba, onde ficou até o final de 2019 até ser designado para Guaíra, onde morreu.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Dias decisivos para a democracia - por Luis Nassif

 As declarações de Augusto Nardes, Ministro do Tribunal de Contas da União, estimulando o golpismo, fazem parte de uma estratégia óbvia. Trata-se de acelerar as manifestações anti-posse até o limite da explosão de alguma violência, em um dos muitos pontos de concentração. Uma tragédia radicalizaria ainda mais as ocupações, fornecendo o álibi para uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, a maneira de legalizar o golpe. E sem a necessidade da liderança de Jair Bolsonaro que, aparentemente, entrou em estado de pânico com a possibilidade de incorrer em novo crime e ser responsabilizado por ele. Daí as declarações dúbias do general Braga, explícitas de Augusto Nardes estimulando a continuidade das manifestações nos quartéis, enquanto manifestantes são alimentados cada vez mais com discursos de ódio. Faz parte do mesmo jogo os cortes no orçamento da Polícia Rodoviária Federal, fornecendo um álibi para a não-ação. Prepare-se para um aumento de tensão nas próximas semanas, pelo menos até a posse de Lula.....

....Há um movimento de gerações de fake news, sim. Mas alguns sinais significativos de que esse festival de gravações e notícias visa criar iniciativas golpistas no setor militar. Nos últimos dias, apareceram declarações dúbias de Braga Netto, general da reserva e candidato a vice-presidente de Bolsonaro. “Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”, disse Braga Netto a militantes que permaneciam na entrada da Alvorada. “A gente está na chuva, no sufoco”, disse uma das manifestantes. “Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”, completou Braga. Foram divulgadas notícias, também, do quartel general da campanha de Bolsonaro, aparentemente transformado em ponto de confluência de golpistas.

sábado, 19 de novembro de 2022

NO BRASIL DE HOJE NEM A PAZ É UM PONTO PACÍFICO - Por Ricardo Alexandre

Há poucos dias, conversando com um amigo pastor, um seguidor de Jesus de Nazaré (sempre importante fazer essa especificação atualmente), ele me dizia com esperança nos olhos que seu grande trabalho para os próximos anos é o que ele chama de "evangelizar os evangélicos", ou seja, levar a libertação de Jesus para quem foi aprisionado pela religião, pelo moralismo e pelas convicções políticas dentro de sua própria igreja. "Só o evangelho de Jesus é o evangelho da paz capaz de unir direita e esquerda", ele disse.

Queria muito ter a esperança daquele homem. O que fui capaz de responder me fez mal diante do meu próprio ceticismo: quem disse que esses evangélicos querem paz? Quem disse que os milhões que se definem como "cristãos-conservadores-de-direita" nas redes sociais querem dividir a mesa com os cristãos que, conforme lhes ensinaram recentemente, sequer devem ser chamados de cristãos? Mais do que a polarização, um dos grandes efeitos deletérios da tensão política dos últimos anos foi a implosão de pontes de diálogo. Faça um exercício de memória: quantas vezes você já se viu em um diálogo como os abaixo?

"Eu li uma reportagem": "Mas a imprensa é toda enviesada";

"Saiu uma pesquisa": "As pesquisas são todas manipuladas";

"Está nos livros de História": "Todos os livros foram escritos pela esquerda";

"Os artistas estão indignados": "Eles têm saudade da mamata da Lei Rouanet";

"Mas está na Bíblia": "Isso aí é leitura de esquerda. Não dá pra ser crente e ser de esquerda";

"Mas foi um ex-professor de Paulo Guedes que disse!": "Você quer que o Brasil vire a Venezuela?"

Essa implosão tem método. É a lógica surgida nas redes sociais, que vivem de nos empurrar cada vez mais para a hiper-segmentação, para uma bolha na qual não haja risco de cruzar o olhar com algo minimamente diferente do nosso próprio reflexo. É assim que as Big Techs vendem publicidade com assertividade máxima e constroem seus impérios. Para que isso aconteça, é preciso que qualquer possibilidade de confronto, de paradoxo, de reflexão, de desvio, seja dinamitada sem misericórdia. É assim que aprendemos a raciocinar, mesmo fora do ambiente digital.

Meu amigo pastor sabe que a espiritualidade cristã é repleta de paradoxos que por 2.000 anos sempre coexistiram em relativa harmonia. "Não amem o mundo nem o que há no mundo" (João 2;15) nunca pareceu excluir o fato de que a igreja deveria ganhar "a simpatia de todo o povo" (Atos 2;47). A ideia de que Deus não nos salva por causa das nossas boas obras (Efésios 2;9) nunca foi empecilho para que os cristãos trabalhassem até o ponto em que as pessoas de fora da igreja "vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês que está nos céus" (Mateus 5;16). Nunca esteve em discussão que a prática religiosa "que o nosso Pai aceita como pura e imaculada" é, em pé de igualdade, manter-se fora da mentalidade corrompida da cultura vigente e "cuidar dos necessitados e desamparados" (Tiago 1;28). Historicamente, alguns cristãos entendiam que a melhor forma de cuidar dos necessitados era pressionar o Estado por políticas públicas de inclusão; outros entendiam que era incentivando a iniciativa privada para "dividir um bolo maior". Óbvio que éramos diferentes uns dos outros, mas ninguém questionava que éramos filhos do mesmo Pai.

Isso na época em que a lógica da Bíblia falava mais alto que a lógica das redes. A unidade pelo "vínculo da paz" (Efésios 4;3) foi trocada pela lógica dos algoritmos: quem não pensa exatamente como eu penso "não é crente, não" - como diz o jargão de um pastor de Instagram. A própria assistência social virou "coisa de esquerda" de quem quer "sustentar vagabundo". A figura do presidiário (na qual Jesus disse que ele próprio seria encontrado, em Mateus 25;36) virou motivo de escárnio contra um dos candidatos à presidência — como se o outro também não tivesse sido preso, nem estivesse em um partido presidido por outro ex-presidiário. A inversão da lógica bíblica é tamanha que hoje uma igreja que em vez de simpatia estimule a repulsa do povo deixou de ser um problema e passou a ser uma espécie de motivo de orgulho, como um sinal narcisístico de fidelidade e intransigência estilo "doa a quem doer". No Brasil de hoje, nem a paz é um ponto pacífico.

Veja os tuítes de grandes formadores de opinião evangélicos, no topo deste artigo. O cantor Davi Sacer mostra um vídeo com cenas da primeira visita da equipe do presidente eleito Lula aos chefes do Judiciário e do Legislativo, em 9 de novembro. Nesse encontro, como foi amplamente noticiado, Rosa Weber presenteou a equipe de transição com cópias da Constituição e Lula prometeu restabelecer o respeito entre os poderes republicanos e pacificar o país. Mas Sacer comentou: "Se alguém acha isso normal, então somos muito diferentes".

No dia seguinte, ele voltou a compartilhar o vídeo com outro comentário, repleto de emocionalismo moral típico dos influenciadores digitais: "Muito nojo". O cantor não se referiu a nada que o tenha desagradado no conteúdo da reunião, mas na existência da reunião em si — presumivelmente, o que Lula imaginava que seria entendido como respeito à liturgia do cargo e civilidade entre os divergentes foi entendido pelo cantor como "velha política", uma prova da corrupção das engrenagens do sistema. Aparentemente, um sistema mais adequado seria aquele em que os poderes se enfrentam, se agridem, ameaçam insubordinação e passam o dia insuflando o povo um contra o outro.

Felippe Valadão é mais um representante da dinastia Valadão que lidera a Igreja Batista Lagoinha. Embora a Bíblia recomende aos crentes que "façam todo o possível para viver em paz com todas as pessoas" (Romanos 12;18), a lógica das redes prega o contrário. Felippe, que é pastor de uma unidade da Lagoinha em Niterói, achou perfeitamente adequado brindar seus seguidores com uma piadinha a respeito de Geraldo Alckmin, que teria sido eleito vice-prefeito em Pindamonhangaba e assumido após a morte do prefeito (o que não é verdade) e vice-governador em São Paulo assumido depois da morte de Mário Covas (o que é verdade). Valadão conclamava: "Vamos manter o pensamento positivo". Diante da péssima repercussão do seu post, ele escreveu que os que discordam dele seriam todos eleitores "do maior corrupto da história", apoiadores da "legalização do aborto, liberação das drogas e ideologia de gênero": "Sua crítica para mim é um alento, só afirma que tudo que eu escrevo faz sentido e eu tô na direção certa". Algumas horas antes, ele já havia usado as redes sociais para dizer que "o Brasil tá chato pra caraca depois dessas eleições".

Para pessoas como Felippe Valadão e Davi Sacer, um país "chato pra caraca" é um país em busca de conciliação, em que a política deixa de ser uma competição de memes e frases de impacto e volta a ser um longo e entediante exercício de diálogo entre adultos com expectativas diferentes a respeito do Brasil.

A Bíblia recomenda paz, mas as redes sociais recomendam emocionalismo moral, violência, escárnio e radicalização. Queria acreditar, como meu amigo pastor, que a oferta de paz que Jesus tem a dar seja mesmo capaz de comover quem está armado até os dentes. Mas, para os religiosos das redes sociais, diálogo e conciliação são sinais de falta de convicção. Como chamar à conversa os que querem silenciar o outro? Como dividir o pão com quem julga que o pão pertence apenas a si? Como abraçar os que estão prestes a esmurrar? Não sei, mas, definitivamente, este é o desafio que está imposto aos homens de boa vontade do Brasil de hoje, dentro e fora das igrejas.


* Ricardo Alexandre é jornalista e escritor, autor do livro 'E a verdade os libertará: reflexões sobre religião, política e bolsonarismo' (Ed. Mundo Cristão)


Soneto de Contrição

 

Eu te amo, Maria, te amo tanto

Que o meu peito me dói como em doença

E quanto mais me seja a dor intensa

Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto

Ante o mistério da amplidão suspensa

Meu coração é um vago de acalanto

Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma

Nem melhor a presença que a saudade

Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade

Que tão mais te soubesse pertencida

Menos seria eterno em tua vida.


Fonte: Vinícius de Morais. Antologia poética, p. 91.

FESTA DE JESUS SERVIDOR RADICAL DO UNIVERSO

Quem já afirmou, peremptoriamente, que os chefes das nações, por sua própria natureza, tiranizam e dominam as populações, jamais poderia aspirar a ser rei! Quem deixou claro para seus seguidores que Ele, o Mestre, estava no meio deles como ‘aquele que serve’, e que todos deviam ser servidores uns dos outros, jamais poderia confabular para obter um título de prestígio ou um cargo real! A igreja continua adotando essa terminologia arcaica e ‘démodé’ talvez para dizer que só Jesus governa com justiça e equidade, ou, quem sabe, como expressão de inconfessáveis aspirações que alguns de seus membros ainda alimentam Mais coerente seria trocar, de uma vez por todas, a solenidade hodierna assumindo o real sentido da prática integral de Jesus de Nazaré ‘Jesus SERVIDOR do universo’, pois um rei jamais serve! Não há como negar que há, hoje, um forte movimento entre as inúmeras e variegadas denominações cristãs que exaltam e admiram aqueles modelos de poder que apontam para a 'força total e bruta'. Uma espécie de compensação pessoal para tentar sair do anonimato e de um certo servilismo social a que muitos estão sendo submetidos. O pastor  ameaçador, o padre autoritário, e o líder político que resolve na bala substituem equivocadamente a figura de um pai-padrinho que nunca existiu, ou que nunca o defendeu ou que lhe deu proteção. O Deus-Pai-Servidor soa, de antemão, para muitos cristãos, como uma derrota simbólica, além de uma derrota no seu cotidiano carregado de conflitos, embates, de raivas contidas e de humilhações sem fim. Hoje temos uma oportunidade para contemplar não para um 'rei-fantoche', mas para um homem de fé-cidadão que já 2.000 anos atrás apontava o caminho do serviço radical e gratuito escanteando de vez o princípio de 'uma mão lava a outra'!



domingo, 13 de novembro de 2022

Stato e anomia. Considerazioni sull’anticristo di Giorgio Agamben

Il termine «anticristo» (antichristos) appare nel Nuovo testamento soltanto nella prima e nella seconda lettera di Giovanni. Il contesto è certamente escatologico (paidia, eschate hora estin, vulg. filioli, novissima hora est, «figlioli, è l’ultima ora»), e il termine appare significativamente anche al plurale : «come avete udito che l’anticristo viene e ora molti sono diventato anticristi». Non meno decisivo è che l’apostolo definisca l’ultima ora come l’«adesso (nyn)» in cui egli stesso si trova: «l’anticristo viene (erchetai, presente indicativo)». Poco dopo si precisa, se ce ne fosse bisogno, che l’anticristo «è ora nel mondo (nyn en to kosmoi estin)”. 

È bene non dimenticare questo contesto escatologico dell’anticristo, se è vero – come Peterson, e Barth prima di lui, non si stancano di ricordare – che l’ultimo momento della storia umana è inseparabile dal cristianesimo («un cristianesimo ¬– scrive Barth – che non è tutto e integralmente e senza residui escatologia, non ha integralmente e senza residui nulla a che fare con Cristo»). L’anticristo è per Giovanni colui che nell’ultima ora «nega che Gesù è il Cristo» (cioè il messia) e anticristi sono pertanto i «molti» che, come lui, «uscirono da noi, ma che non erano da noi», il che lascia intendere, non senza ambiguità, che l’anticristo esce dal seno dell’ekklesia, ma non appartiene veramente ad essa. Come tale, egli è definito più volte «ingannatore» (planos, letteralmente «colui che svia», vulg. seductor).

Il luogo sul quale si è concentrata per secoli l’esegesi dei padri e dei teologi sull’anticristo, non è, però, nelle lettere di Giovanni, ma nella seconda lettera paolina ai Tessalonicesi. Anche se il termine non vi compare, l’enigmatico personaggio che la lettera presenta come «l’uomo dell’anomia» (ho anthropos tes anomias) e il «figlio della perdizione» (ho uios tes apoleias) è stato identificato già da Ippolito, Ireneo e Tertulliano e poi da Agostino con l’anticristo. Paolo dice infatti di lui, che definisce anche «senza legge» (anomos), che «si drizza contro tutto ciò che è chiamato Dio o oggetto di venerazione, al punti di sedersi nel tempio di Dio, proclamando di essere Dio». L’anticristo è un potere mondano (una tradizione lo identificava con un Nerone redivivo) che cerca di imitare e contraffare nel tempo della fine il regno di Cristo. Nella lettera ai Tessalonicesi, tuttavia, l’uomo senza legge è posto in stretta relazione con un’altra enigmatica figura, il catechon, ciò che trattiene (anche nella forma maschile: «colui che trattiene»). Ciò che viene trattenuto è «la parusia di nostro Signore Gesù Cristo e la nostra riunione con lui»: il contesto della lettera è, dunque, esattamente come nella lettera di Giovanni, escatologico (poco prima, l’apostolo evoca «il giusto giudizio di Dio… nella rivelazione del Signore Gesù con gli angeli della sua potenza»). 

Già al tempo di Agostino, questo potere che trattiene l’avvento finale di Cristo era identificato con l’impero romano (che Paolo, secondo le parole di Agostino, avrebbe omesso di nominare esplicitamente «per non incorrere nell’accusa di vilipendio, augurando il male all’impero che tutti ritenevano eterno») o con la stessa chiesa romana, come sembrava suggerire la lettera di Giovanni, menzionando gli anticristi che «usciranno da noi». In ogni caso, che si tratti dell’impero romano o della chiesa, il potere che trattiene è quello di un istituzione fondata su una legge o una costituzione stabile (anticipando la nostra nazione di «stato», Tertulliano dice: status romanus, che ai suoi tempi significava «la condizione di stabilità dell’impero romano»). Decisivo è comprendere la relazione fra il potere che trattiene e «l’uomo dell’assenza di legge». Essa è stata a volte interpretata come un conflitto fra due poteri, in cui il senza legge o l’anticristo «toglie di mezzo» il potere che trattiene. L’espressione ek mesou genetai («finché colui che trattiene sia tolto di mezzo») non implica in alcun modo che a farlo sia l’uomo dell’anomia: come la traduzione della vulgata (donec de medio fiat) suggerisce, a togliersi di mezzo è lo stesso potere che trattiene (sia esso l’impero o la chiesa). 

Il testo che segue immediatamente è in questo senso perfettamente chiaro: «e allora sarà rivelato il senza legge». La relazione fra il potere istituzionale del catechon e l’uomo dell’assenza di legge è la successione fra due poteri mondani, uno dei quali si toglie ed è sostituito – o trapassa – nell’altro. Questo è, nelle parole di Paolo, «il mistero dell’anomia che è già in atto» e che trova alla fine il suo svelamento, quasi che, come il termine «mistero» sembra suggerire, il «senza legge» esibisse finalmente in piena luce la verità del potere che lo precede.

Se questo è vero, allora la lettera contiene una dottrina sul destino di ogni potere istituzionale che non bisogna lasciarsi sfuggire. Secondo questa dottrina, il potere istituzionale stabilmente fondato cede necessariamente alla fine il posto a una condizione di anomia, in cui al sovrano costituzionalmente fondato subentra un sovrano «senza legge», che esercita arbitrariamente il suo governo. La lettera contiene allora un messaggio che ci riguarda da vicino, perché è proprio un simile «mistero dell’anomia» che stiamo vivendo. Il potere statale fondato sulle leggi e le costituzioni cosiddette democratiche si è andato trasformando – attraverso un processo inarrestabile iniziato da tempo, ma che giunge solo ora alla sua crisi definitiva – in una condizione anomica, in cui la legge è sostituita da decreti e misure del potere esecutivo e lo stato di emergenza diventa la forma normale di governo. Resta – è bene non dimenticarlo – che la lettera afferma che una volta che il potere del «senza legge» è stato svelato, «il Signore lo sopprimerà col fiato della sua bocca e lo disattiverà con l’apparizione della sua presenza». Il che significa che quel che ci resta da pensare nella condizione apparentemente senza uscita che stiamo attraversando è la forma di una comunità umana che si sottragga tanto al «potere che trattiene» con la sua apparente stabilità istituzionale che all’anomia emergenziale in cui esso fatalmente si converte.

19 ottobre 2022

Giorgio Agamben

Per i giovani di Giorgio Agamben

Non so se abbia senso credere di potersi rivolgere a dei “giovani”. Certo giovinezza e vecchiaia convivono finché è vivo in ciascuno e ci portiamo dentro a ogni istante il giovane che siamo stati, così come il giovane presentiva lucidamente e perentoriamente la sua vecchiaia. È proprio questa contemporaneità dei tempi e delle età che si è andata perdendo, così che oggi i giovani diventano vecchi anzitempo e i vecchi si credono giovani fuori tempo.

Per questo non trovo altre parole per rivolgermi ai giovani che quelle che il 23 agosto 1914 una ragazza di ventidue anni, Carla Seligson, scrisse a Walter Benjamin pochi giorni dopo che sua sorella Rika si era suicidata insieme al fidanzato, il poeta diciannovenne Christoph Friedrich Heinle. I due giovani avevano deciso il suicidio subito dopo aver appreso la notizia dello scoppio della guerra mondiale. Vorrei che i giovani riflettessero su questa decisione oggi che il discorso sulla guerra atomica è diventato qualcosa come una chiacchiera quotidiana. Ma soprattutto vorrei che nelle parole di Carla Seligson essi sentissero vibrare quel «lamento per una grandezza mancata» che secondo Benjamin è la lingua della gioventù. «Ci sono soltanto due età» scrive Carla Seligson «la gioventù e la morte». È questa intatta consapevolezza della serietà della propria condizione che vorrei ricordare a chi oggi crede di essere giovane. Ho tradotto il breve testo letteralmente, cercando di conservare la sua asprezza.

Il Suicidio.

La morte prende forma ed ha una forma, morire è solo la fine della vita, della perdita, della corruzione. Vi è nella morte una relazione del morente al mondo, alla quale nessuno dei due può mai sfuggire. Chi muore la morte, raggiunge lo stato del mondo che tramonta. Questo avviene in un grande potere sul mondo, che è un darsi interamente a colei che lo ama. Questa morte è spaziosamente formata, essa partorisce l’eternità nell’onnipresenza dell’amato. La morte giovanile è pura, se diventa il letto di morte del mondo e si appropria interamente dei corpi delle cose. In una tale morte nasce un nuovo mondo, nel quale solo la materia muore. Il passaggio nella morte è una rinuncia al fare o all’agire. Riesce raramente al giovane, quasi mai al vecchio. Non ha età colui che muore quando è venuta nella stagione la sua ora e solo nella gioventù si offre libero il passaggio. Ci sono soltanto due età: la gioventù e la morte. Esse confinano l’una con l’altra, la morte del fratello dona al giovane la ricchezza che appartiene all’immortale. Suo fratello è così immortale. Ciascuno raggiunge la catena della morte.

7 novembre 2022

Giorgio Agamben

sábado, 12 de novembro de 2022

33º Domingo do Tempo Comum - Enfrentar sem medo as lacerações produzidas pela injustiça do templo/religião e inaugurar a nova etapa da igreja da caridade e do testemunho (Lc.21, 5 -19)

 

Para que o sol da justiça brilhe é necessário enfrentar muitos conflitos. A construção da justiça não é algo natural, harmonioso. É imprescindível, primeiramente, identificar, e destruir as causas da injustiça, o que acarreta enfrentamentos, dilacerações, divisões, resistências. Jesus sempre viu no aparato do templo, com seus sacerdotes, sacrifícios, proibições e preceitos uma das principais causas da injustiça social que oprimia, principalmente, o povo simples e pobre de Israel. A própria arquitetura do templo intimidava pela sua grandeza e magnitude, mas para Jesus não passava de uma transitória ‘obra humana’. Como foi construído, assim ele pode ser destruído, principalmente quando não cumpre mais o seu objetivo de ser espaço privilegiado de encontro com o Deus que protege e abriga seus filhos.  Quando o templo/religião se torna símbolo de manipulação de consciências e exploração social e econômica, quando nome santo de Deus é utilizado, sacrilegamente, para justificar roubo e dependência moral 'ele deve ser extinto'! 

No evangelho de hoje Jesus convida os seus a contemplar a efêmera beleza de uma religião que seduz os olhos, mas não o coração. De forma, ousada, prevê o fracasso de um sistema sociorreligioso e moral quando perde de vista o cuidado para com os filhos e filhas de Deus mais fragilizados. A confrontação entre religião, classe sacerdotal, aparato legal e prática da fé/caridade/testemunho dar-se-á mediante conflitos e enfrentamentos até violentos que produzirão lacerações e divisões de todo tipo, mas terá o único objetivo de fazer surgir um novo modo de viver a fé, de ser povo/igreja de Deus. Nada de se apavorar ou desanimar por causa disso. Não será o fim, é só o começo de uma nova e inédita etapa da vida cristã. No nosso País vivemos, inegavelmente, algo semelhante. Grupos supostamente cristãos acusando outros de traição e desvio e vice-versa. Grupos tão profundamente identificados com o aparato religioso manipulador, conservador e fundamentalista erguem-se, hoje, como paladinos enfurecidos não da fé, mas da defesa do ‘templo/aparato que explora, manipula e coopta’. Há chegado a hora do grande testemunho, da profecia e da fidelidade à prática misericordiosa de Jesus que, no momento, pode até não suscitar entusiasmos, mas que inaugura um novo jeito de ser igreja. A igreja que vive e sobrevive sem templos, sem sacerdotes, sem padrinhos, sem alianças com os que sentam nos tronos dos belos e poderosos palácios. A igreja que ama, e não a que se arma!


domingo, 6 de novembro de 2022

DIA DE TODOS OS SANTOS E SANTAS - FELIZ E SANT@ ÉS TU, HOJE.......

Feliz é você, hoje, em cujo coração não abafa a dor e o desespero de milhares de pobres, seus irmãos! Feliz é você que não se sente autossuficiente, e deixa de ser indiferente. Que não tem medo de caminhar ao lado de tantos defraudados e perseguidos e, com coragem e coerência, assume a sua existência. E os protege de futuras ameaças e humilhações. É no ‘espírito da solidariedade radical’ com tantos empobrecidos que fará brotar no peito desta humanidade um coração compassivo. 

Feliz é você, hoje, que chora ao enxugar as lágrimas de uma mãe viúva que vela o corpo de um filho que morreu prematuramente. Feliz é você que ainda não se deixou intoxicar pelo veneno da indiferença da maioria. Que não bebe as águas infectadas do poço do ódio e da intolerância. Feliz é você que deixa ecoar dentro de si a mesma dor que sente um irmão defraudado da esperança. Não desanime: você já mergulhou na sua paz interior, e será um permanente consolo para todos os desesperançados. 

Feliz é você, hoje, que continua acreditando no diálogo, e na solução pacífica dos conflitos. Que detesta os arrogantes e suas prevaricações. Que denuncia os fabricantes e vendedores de armas. E que tem ojeriza aos que têm o gatilho fácil. Feliz é você que desobedece aos que mandam prender sem flagrante, e condenam inocentes sem provas. Que rejeita os que usam a tortura para mutilar corpos e dobrar consciências, e que espalham ‘fake news’ para enlamear a honra dos justos e confundir os desinformados. Feliz é você, hoje, que transforma essa terra num templo cósmico de mansidão e verdade.

Feliz é você, hoje, que compreende que não pode assegurar ‘barriga cheia e direitos’ só para si. Que entende que as injustiças dos injustos, e as desigualdades dos potentes de ontem e de hoje, continuam matando milhões de criaturas 'sem comida e sem cidadania’. E que, em nome das leis elaboradas pelos prevaricadores do Congresso e interpretadas pelos 'doutores da lei' de hoje deixam apodrecer nos calabouços públicos somente as vítimas de suas próprias arbitrariedades, e de sua insaciável sede de punição. Feliz é você que hoje vive inconformado, que resiste e insiste, que organiza e mobiliza todos os sedentos e os famintos de pão e de direito.

Feliz é você, hoje, que sabe se compadecer das fragilidades próprias e alheias, e que não se escandaliza por causa delas. Que não se veste da prepotência daqueles puritanos hipócritas que enxergam o pecado somente nos outros. Feliz é você, hoje, que sabe perdoar a si próprio. E, ao fazer isso, se capacita para oferecer uma nova chance a quem lhe magoou e não o perdoou. Feliz é você porque compreendeu que misericórdia não significa cumplicidade com o crime de quem oprime. E, tampouco, omissão para com aqueles que ainda não aprenderam a prática do perdão.

Feliz é você, hoje, que num mundo de aparências e duplicidade só alimenta franqueza e transparência em seu coração. Feliz é você que não cultiva dentro de si subterfúgios, e nem insanas ambições. Que não engana e nem manipula o seu próximo para poder prevalecer sobre ele. Feliz é você quando permanece ‘você mesmo’: puro e impuro ao mesmo tempo. Você verá a Deus, diretamente, dentro de você, do jeito que você é. E o seu coração, agora sem véus, verá, diretamente, em todos os seres vivos o rosto humano e luminoso do Invisível.  

Feliz é você, hoje, quando, mesmo perseguido e caluniado, - inclusive pelos seus familiares, - não abre mão dos valores em que acredita. Feliz é você que no mundo dos espertalhões e de aduladores de 'mitos' continua a agir com honestidade, aquela que não tem cor partidária. Feliz é você que, mesmo torturado física e moralmente, não vende a sua alma ao prepotente que o governa, ao miliciano que o ameaça, e nem ao patrão delinquente que o assedia. Não recue, e nem desista: com sua coerência de vida você já os derrotou. 

Feliz e santo é você, hoje, não porque algum papa o canonizou. Ou porque o seu nome está escrito num calendário religioso. Nem porque a sua imagem é venerada numa redoma de cristal em algum santuário famoso. E nem tampouco porque lhe atribuíram algum milagre. Santo e feliz é você quando fugir do reconhecimento público. E das honrarias que cooptam a sua consciência. E, na intimidade do seu espírito incorruptível, ou na simplicidade de seus gestos, testemunha a presença de um Deus que não cansa de amar e acolher. Basta esse milagre para você ser um eterno ‘BEM-AVENTURADO E FELIZ! 


quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Os votos dos 'sem religião' deram a vitória a Lula! Por José Eustáquio Diniz Alves

......Em síntese, a proporção de católicos, evangélicos, outras religiões e sem religião influenciam o voto brasileiro. Mas entre o eleitorado cristão – que são os dois maiores grupos religiosos do Brasil, com cerca de 82% do total do eleitorado – houve uma vantagem de Bolsonaro. Já entre o segmento sem religião (que representa 12% do eleitorado) Lula teve uma vantagem de 5,9 milhões de votos, o que garantiu a vantagem final de 2,1 milhões de votos que deram a vitória ao candidato do Partido dos Trabalhadores. Portanto, católicos e sem religião foram fundamentais para superar o bolsonarismo da maioria do segmento evangélico, mas o fiel da balança foi indubitavelmente o segmento sem religião, que compensou as diferenças no voto cristão......

.......Não tenho segurança alguma em subscrever essa ideia. Ao contrário: minha impressão é que o bolsonarismo tenderá a se tornar uma força com reduzida capacidade de articulação nos próximos meses e sem condições de se coordenar nacionalmente. Os fatos apontam que o fascismo brasileiro só se organiza a partir do Estado. O bolsonarismo possivelmente não consegue se coordenar fora dele. Isso se deve principalmente ao fato de o bolsonarismo não se apresentar como um conjunto de ideias com começo, meio e fim. O bolsonarismo não tem programa claro, a não ser um nacionalismo moralista de fachada, o enunciado de poucos dogmas religiosos e de professar um ultraliberalismo sem freios. O bolsonarismo não é um projeto, mas uma torrente de sensos comuns e uma pregação ininterrupta da violência como dinâmica de intervenção social. É pobre e primário como ideário político.

........Mas o fascismo seguirá forte em alguns bolsões do Estado, em especial no aparato de segurança (Forças Armadas, Abin, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e polícias estaduais). Aqui o problema é sério e só há uma solução. Ela foi dada por Gustavo Petro, menos de um mês após assumir a presidência, em 19 de agosto último. De uma só penada, o novo presidente colombiano anunciou a passagem compulsória para a reserva de nada menos que 52 generais, abrindo 24 postos de comando na Polícia Nacional, 16 no Exército, 6 na Marinha e mais 6 na Força Aérea. Sem sutileza, o presidente avançou sobre instituições tidas como intocáveis na América Latina, ao mesmo tempo em que buscou tirar da frente potenciais ameaças ao futuro de sua administração.

Mais do que especular se o bolsonarismo seguirá sem Bolsonaro, será necessário que o novo governo Lula tome a iniciativa de desativar as bombas-relógio colocadas à sua frente pela ameaça fascista, retirando-a de qualquer alavanca de comando do Estado. O mais provável é que em poucos meses tais correntes percam boa parte da relevância que exibem hoje e o bolsonarismo seja uma tendência marginal na sociedade.

LULA - NOVAS ESPERANÇAS? Por Flavio Lazzarin

 No Brasil, este ano, as ameaças de subversão contra o que resta do estado de direito conseguiram contagiar o povo brasileiro. Não se tratou apenas do aumento exponencial do ódio e da violência política, semeados pela extrema direita e pelas Forças Armadas, mas também de uma verdadeira perturbação generalizada gerada pelo estresse eleitoral: preocupações, temores, alarmismos, cansaço.

Terminado o segundo turno das eleições presidenciais, metade dos brasileiros supera o estresse com a alegria de quem sabe desde sempre o que é o carnaval, ou seja, o que significa dançar com alegria para pisotear a dor e a tristeza. Mas a outra metade chora e talvez busca revanches a qualquer preço. Em suma, as emoções são as protagonistas dessa política, que se transformou em um ringue, no qual se é chamado a torcer por um dos competidores contra seu adversário. São as emoções que, mais fortes do que as atitudes críticas, marcam também o meu íntimo neste tempo. Até o domingo à noite, 30 de outubro, predominavam a minha angústia e a minha preocupação. De fato, depois de vencer no primeiro turno – na Câmara dos Deputados, no Senado e na maioria dos governos estaduais –, Bolsonaro poderia sair vitorioso do segundo turno. Terminados os escrutínios, os dados revelaram que, por um punhado de votos, Lula estava em primeiro lugar. Alívio, porque eu realmente temia que pudesse ser pior!

Compartilho, portanto, as emoções da melhor parte da sociedade brasileira, porque, apesar de a conjuntura continuar dramática e preocupante, evitamos a catástrofe. As ameaças da extrema direita, porém, continuam presentes no mundo ocidental, na Europa assim como na América Latina: exigem esforços de análises críticas – cada vez mais difíceis – e posições radicais para defender existencial e politicamente aquilo que resta de uma humanidade fraterna, compassiva, justa, não violenta e amante da verdade. Por toda parte, o neofascismo se apresenta como inimigo da igualdade: liberticida, colonialista, racista, misógino, homofóbico, defensor dos privilégios e inimigo dos pobres, ligado a religiosidades que pregam o ódio e a guerra. Por toda parte, ele se apresenta artificialmente como antissistêmico, quando na verdade apoia o capitalismo totalmente desregulado e desumano.

No Brasil, ao contrário do que ocorreu recentemente na Itália, a centro-esquerda de Lula consegue propiciar uma ampla aliança de forças políticas, que, por razões diversas, se opõem ao bolsonarismo. O Partido dos Trabalhadores confirma, assim, sua vocação de defensor do sistema, do status quo de uma democracia formal que, ao mesmo tempo, é agredida por forças subversivas, mas não consegue arranhar o poder da elite secularmente privilegiada, desatenta às condições precárias da maioria dos brasileiros e sempre opressora e violenta em relação aos mais fracos.

Veremos se, mais uma vez, Lula e seus novos aliados conseguirão dar continuidade à estratégia do mandato presidencial anterior: o apoio irrestrito ao parasitismo de renda, ao capitalismo do agronegócio e às mineradoras, junto com políticas compensatórias populares: combate à fome, aumento do salário mínimo, carteira de trabalho em tempos de uberização acelerada, saúde, educação etc. Lula também chega com promessas de defesa da Amazônia e de seus povos, mas ignora – em um tributo prévio ao capitalismo da soja, do eucalipto e da cana-de-açúcar – a situação do Cerrado devastado e moribundo e de sua gente: indígenas, quilombolas e agricultores tradicionais, perseguidos e expulsos pelo Estado e pelas milícias dos empresários. A savana brasileira, mãe de todos os rios e da água doce, o segundo bioma brasileiro em extensão, presente em nada menos do que 11 estados da União, é perenemente ignorada pela política e pela opinião pública mundial, por países que se calam porque se beneficiam do papel brasileiro como Arábia Saudita verde.

 Estou profundamente convencido de que o voto mais consciente, mesmo nestas eleições, foi o voto das minorias indígenas e camponesas, o voto das mulheres, dos homoafetivos, dos negros, das minorias abraâmicas que lutam cotidianamente com seus corpos e seus territórios contra a violência e a mentira, mostrando espiritualidade e caminhos para salvar o planeta do suicídio.

Em tempos de irracionalidade, negacionismos e intolerância visceral.....

 .......“Discutir com uma pessoa que renunciou ao uso da razão é como administrar remédio aos mortos” – Thomas Paine (1737-1809)


02 de novembro - Solenidade dos 'eternos viventes'!

Frequentemente no dia dos ‘finados’ costuma-se evocar imagens e conceitos contraditórios. Já a terminologia ‘finados’ deveria ser abolida, pois indica ‘fim’. A morte biológica de uma pessoa teria colocado um fim na sua existência que, ao contrário, é infinitamente maior que a sua vida física, material. Os que nos deixaram fisicamente não são finados, mas eternamente viventes!

O outro conceito que aparece com bastante intensidade nessa solenidade ou nas celebrações de sétimo dia é o da ‘esperança’ entendido como um vago sentimento  em que, supostamente,  se aguarda o momento fatídico de se reencontrar com a pessoa que nos deixou fisicamente. Ou seja, uma permanente e confiante expectativa de rever e de fazer comunhão futura e eterna com que nos deixou. Mas, perguntemo-nos: como se reencontrar com alguém que, de fato, pela fé interior, ‘nunca morreu’, ou que ‘nunca deixou de caminhar sempre ao nosso lado’ como muitas vezes afirmamos? Soa como um sentimento e como um conceito contraditório, a não ser assumamos a ‘esperança’ não como uma expectativa intimista de rever alguém que se foi há muito tempo, e sim como uma prática e compromisso de proteger e lutar para não deixar morrer quem vive fisicamente. E a lembrança daqueles que se foram fisicamente nos motiva para nos dedicar com mais afinco para defender e proteger vidas constantemente ameaçadas pela violência e truculência, pela fome e o desamor! 

Enfim, o ultimo conceito carregado de contradição para quem crê na força do amor infinito é o da ‘ressurreição’! Não ressuscita quem nunca morreu! Se as pessoas que nós amamos e com as quais convivemos com intensidade de afeto e amizade nunca tiveram sua existência aniquilada pelo ‘fim biológico’, e se graças a isso não precisamos viver numa permanente expectativa de reencontrá-las porque nunca deixaram de nos fazer companhia e caminhar ao nosso lado, não há porque afirmar que elas ‘morreram’! Se é verdadeiro, como afirma o autor bíblico que ‘a vida não é tirada, extinta, mas transformada’ não há porque dizer que temos que crer na ‘feliz ressurreição’ porque, efetivamente, os que se foram fisicamente ‘NUNCA MORRERARM’!