Quando fazemos a experiência dolorosa de passar por uma grande tribulação, ou provação inexplicável, e a superamos, nos tornamos verdadeiras ‘estrelas’ luminosas! Paradoxalmente, são as experiências de sofrimento e angústia não desejadas que nos fortalecem e amadurecem. Sem querer, nos tornamos fonte de esperança e luz para todas aquelas pessoas que percorrem o nosso mesmo itinerário existencial. O evangelho de hoje está longe de falar de mudanças cósmicas, ou de realidades que se referem ao ‘fim dos tempos’. Jesus nos alerta sobre a nossa capacidade de ler os sinais da nossa realidade e de interpretá-los de forma adequada. Isso significa que temos que ir além daquilo que parece ser uma verdade, mas que não é! De fato, quando achamos que tudo acabou, algo surpreendente acontece na nossa vida. Quando achamos que os vitoriosos desse mundo vão nos dominar e oprimir para sempre, eis que eles caem com estrelas decadentes sem brilho, e impotentes! É preciso, portanto, enfrentar a perseguição, a exclusão, a solidão sem desesperar, pois tudo isso tem um fim. E ele está mais próximo do que imaginamos. É a esperança e não o medo que deve nos guiar! Coragem, o Filho do homem venceu as falsas ‘estrelas’ desse mundo!
Claudio Maranhão
foto: Claudio Bombieri -
sábado, 16 de novembro de 2024
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
“A versão sacerdotal do cristianismo tornou-se uma expressão patológica do mesmo” Por PE. Jorge Costaddat
Parece-me que o principal problema da Igreja Católica hoje não é o clericalismo, mas a versão sacerdotal do catolicismo. O clericalismo é um problema moral. A organização sacerdotal do cristianismo não. Esta é uma dificuldade estrutural. Se a Igreja Católica não fosse organizada sacerdotalmente, não haveria os abusos de poder por parte do clero que tanto lamentamos hoje e muitos outros problemas.
Há padres que não são clericais. Eles não abusam de sua investidura. São ministros humildes, que caminham com suas comunidades e a seu serviço. Eles aprendem com os leigos e os orientam com eficácia, porque têm a abertura necessária para aprender sobre a realidade e a vida em geral. Ninguém foge de suas pregações porque eles têm algo a dizer. No entanto, eles não foram eleitos por suas comunidades e, consequentemente, não devem prestar contas a elas pelo desempenho de suas funções. Padres, sacerdotes, ministros, ou como se quiser chamá-los, são escolhidos por outros padres e são ordenados pelos bispos para cumprir uma função. Nesse sentido, o nome “funcionários” pode muito bem ser aplicado a eles, mesmo que não gostem. São administradores maiores ou menores, de uma espécie de multinacional ― a maior do mundo? ― que nada deveria ter que a ver com a Igreja de Cristo. A Igreja – que, como qualquer organização humana, requer uma institucionalidade – precisa destes servidores para desempenhar tarefas que vão desde o anúncio da Palavra até à administração dos sacramentos, incluindo a arrecadação de recursos para desenvolver estes serviços, para apoiar as obras educativas, caritativas e de justiça, e para sustentar a própria vida deles. Porém, essa mesma instituição foi capaz de desumanizar sua liderança. Na verdade, ela o faz. Será que precisa fazer isso até certo ponto? Em mais de uma ocasião, pareceu-nos que sim.
O fato é que na Igreja Católica de hoje é possível ser padre sem ser cristão. Soa duro, mas é a isso que chegamos. Nos seminários, as pessoas são formadas para ensinar e administrar os sacramentos, bem como o dinheiro e, às vezes, as pessoas. Para isso, os formandos são submetidos a processos de aculturação. Os seminaristas são romanizados. Eles são reformatados. Eles são vestidos como sacerdotes para distingui-los dos outros. Eles estão isentos de passar pelas experiências fundamentais de seus contemporâneos, como intimidade afetiva e paternidade, e, no caso dos religiosos, pela obrigação de qualquer pessoa de ganhar seu pão. Os sacerdotes são seres psicologicamente divididos na mesma medida em que são separados (“escolhidos” por Deus) dos mortais comuns. Eles representam a separação entre Igreja e mundo. Aqui a Igreja (“sagrada”), ali o mundo (“profano”). À medida que essa separação é acentuada, eles são incapazes de entender o que está acontecendo e orientar efetivamente um povo que progressivamente os considera irrelevantes. A pregação de muitos deles é um fracasso do começo ao fim. Mesmo a doutrina da Igreja Católica, em mais de uma maneira, vem de pessoas que parecem não ter as tradições epistemológicas necessárias.
Muitos, especialmente os jovens, consideram a Igreja uma anomalia. O fato é que os próprios padres, divididos internamente, bipolarizados, acabam se desintegrando. Talvez os padres clericais consigam superar esse perigo. Mas certamente ao preço de uma desumanização que não pode ser a vontade de Deus que, convertido em um ser humano autêntico e o mais autêntico dos seres humanos, nos humaniza. Jesus foi um leigo que soube integrar a realidade em seus mais diversos aspectos em sua pessoa, uma pessoa humana que nos divinizou porque nos laicizou. Quem pode explicar a sua conversão em um Sumo e Eterno sacerdote? A Igreja Católica não precisa resolver o problema do clericalismo. Ela precisa, em primeiro lugar, ser não-sacerdotal [dessacerdotalizar-se]. Na Igreja, houve e há versões não sacerdotais do cristianismo: monaquismo, religiosidade popular latino-americana, 70% das comunidades da Amazônia sem padres, as igrejas evangélicas pentecostais e outras. Todas essas versões têm seus próprios problemas. Umas são mais saudáveis, “mais cristãs” do que outras. A versão sacerdotal do cristianismo tornou-se uma expressão patológica dele. Os ministros da Igreja Católica – que infelizmente não deixam de ser chamados de “sacerdotes”, como o Vaticano II tanto queria – deveriam ser escolhidos, formados e capacitados para liderar as comunidades através de processos nos quais se pudesse controlar que eles tivessem a autoridade necessária para realizar tal serviço. A autoridade, na Igreja de Cristo, deveria provir, antes de tudo, de uma experiência pessoal do Evangelho. As autoridades deveriam, como testemunhas, ser capazes de proclamar com convicção que Deus é digno de fé e que a própria Igreja pode constituir o Evangelho no mundo de hoje. A Igreja Católica necessita de ministros que sejam cristãos, em vez de funcionários de uma organização sacerdotal internacional administrada por uma classe que se elege e acredita estar isenta de accountability (= prestar contas) ao Povo de Deus.
domingo, 10 de novembro de 2024
Alcune considerazioni senza pretese sulle nomine a vescovi di missionari religiosi
Ogni volta che ascolto o leggo le notizie che annunciano la nomina di missionari religiosi a vescovi, sono sopraffatto da un misto di timore e tremore. Non c'è da stupirsi: mi oppongo con veemenza a questa pratica anche se devo riconoscere che è abbastanza consolidata nella tradizione vaticana. Nulla vieta, però, che nell’attuale tappa del lungo cammino ecclesiale si possa inaugurare una presa di posizione nuova e inedita, anche contro ogni tendenza, senza illusioni e senza pretese. Di seguito presento alcuni argomenti per giustificare la mia opposizione.
Il primo motivo è che ritengo che un religioso consacrato, missionario, debba dedicarsi solo ed esclusivamente a quelle realtà che clamano per giustizia e vicinanza compassiva e a quelle segnalate, storicamente, dal fondatore e costantemente aggiornate dal proprio istituto. Comprendo che quando assume la 'carica' di vescovo, il missionario è legato, direttamente e sistematicamente, ad un'amministrazione formale che, personalmente, considero deviante. Reputo che la carica di vescovo, così come è attualmente concepita nell'amministrazione ecclesiastica, non è in linea con la vocazione missionaria del prescelto, nonostante le sue più nascoste ambizioni personali. Il religioso, infatti, si allontana, anche involontariamente, dagli obiettivi e dalle dinamiche tipiche del missionario consacrato. Basti guardare le azioni di diversi missionari che, dopo aver assunto l'amministrazione di una diocesi, finiscono per separarsi emotivamente ed effettivamente dal loro istituto, dalle loro presenze missionarie, dalla loro metodologia e dalle loro opzioni pastorali. Non possiamo nemmeno ignorare che, spesso, numerose diocesi hanno al loro interno presbiteri locali qualificati ad assumere il ruolo di pastore di una determinata diocesi, senza necessariamente ricorrere a presbiteri missionari “da fuori”!
Il secondo motivo che mi fa dissentire dalla prassi delle nomine episcopali dei religiosi missionari è la constatazione che, in generale, gli ordinati, invece di assumere 'diocesi missionarie', cioè realtà ecclesiali bisognose, impegnative e carenti di tutto, molte volte sono destinati ad assumere 'diocesi autosufficienti', senza grandi sfide pastorali, richiedendo solo continuità nell'amministrazione ordinaria. Qual è allora il significato di queste scelte? Si potrebbe sostenere che la presenza di un vescovo di un istituto missionario spingerebbe positivamente i cristiani ad aprirsi a una nuova sensibilità missionaria, tuttavia, io la penso diversamente. Nella maggior parte dei casi è il vescovo missionario ad essere “cooptato” dalle esigenze della carica propria di un vescovo per inserirsi e iniziare a lavorare secondo gli schemi consolidati dell'amministrazione canonico-diocesana. I ruoli di “vescovo-amministratore e vescovo-pastore” sembrano essere sempre più inconciliabili e, in alcuni casi, antagonici, soprattutto per quei missionari che si sono identificati con le loro precedenti esperienze missionarie positive. Credo che molti di noi abbiano potuto ascoltare o assistere gli sfoghi di confratelli vescovi o di vescovi diocesani di fronte al grande dilemma di conciliare lo spirito-pratica missionaria che, in generale, ci mette in contatto sistematico con comunità, movimenti, famiglie e comunità ecclesiali, gruppi, e gli obblighi canonico-burocratici di controllo delle responsabilità, la angosciante e imbarazzante preoccupazione di reperire fondi per le attività pastorali e per il mantenimento degli agenti pastorali, di dialogare con il clero e di risolvere crescenti conflitti e dispute interne, di celebrare cresime, di presiedere messe di chiusura di feste del patrono, partecipando a numerose commissioni della Conferenza Episcopale e 'potendo viaggiare', frequentemente, anche per alleviare le tensioni interne accumulate.
Un terzo motivo che vorrei esporre è che i responsabili degli istituti religiosi e delle loro comunità vedono quasi sempre la nomina di un loro membro come una sorta di riconoscimento pubblico davanti al Vaticano, o davanti ad altri istituti. Oppure un riconoscimento delle presunte qualità e virtù di un missionario con un profilo specifico per la gestione delle risorse umane e finanziarie. Si finisce per entrare in una logica estremamente ambigua e pericolosa. Il Vaticano, attraverso i suoi mediatori, effettua le sue indagini e nomina il candidato che, in genere, non trova alcuna opposizione da parte dei responsabili dell'istituto missionario, e nemmeno la presentazione di alcun tipo di condizione. Non mi sfugge che in questi casi c'è una velata imposizione canonico-vaticana di dover accettare, formalmente e moralmente, la 'nomina a vescovo' – soprattutto perché il ruolo vincolante dell'obbedienza formale non può essere contestato, ma accettato ciecamente. Mi sembra tuttavia legittimo domandarsi se non sarebbe il caso che il prescelto e il suo Consiglio Generale reagissero con garbata fermezza alla Congregazione Romana, abdicando, una volta per tutte, a questo atteggiamento ormai antiquato di sottomissione alle sue decisioni intoccabili. Non sarebbe il caso, ad esempio, che lo stesso missionario scelto come vescovo, in comunione con la propria congregazione, manifestasse il suo legittimo diritto al dialogo o, se si preferisce, alla negoziazione, al dissenso? Con tale presa di posizione si potrebbe raggiungere un consenso in cui il candidato sia destinato, almeno, a una diocesi “veramente missionaria” con carenza di risorse umane qualificate, infrastrutture insufficienti, scarsa presenza ecclesiastica e missionaria e lontano dalla sua “patria”, anche per segnalare la sua ferma disponibilità a continuare ad essere missionario 'ad gentes' come aveva promesso quando si consacrò? Purtroppo noto che un Consiglio Generale non ha una ragionevole autonomia per contestare e opporsi a una nomina vaticana.
Il quarto motivo che mi infatidisce è che il missionario, una volta scelto e nominato vescovo, incorpora, anche involontariamente, le stesse abitudini di quando avviene una “promozione solenne” a una posizione prestigiosa, all'interno di una certa gerarchia. In questi casi assistiamo a patetiche manifestazioni di velata adulazione da parte di chi ci circonda, di formalismi farisaici e omaggi retorici, attestando così che il prescelto non si sta tuffando in una missione di servizio missionario nascosto e disinteressato, ma piuttosto, in una realtà fatta di visibilità pubblica, con le sue dinamiche di potere e di ingerenza sociale ed ecclesiastica. Continua a stupire come certi missionari, una volta giunti all'episcopato, siano molto attenti alle formalità, coltivando una cura esagerata con i simboli della carica (mitria, pastorale, casula, anello, croce pettorale, ecc.), per non parlare dei titoli onorifici e delle residenze ufficiali ben attrezzate. Non sembra essere questo ciò che il Maestro ha insegnato ai suoi missionari itineranti seguaci della Buona Novella quando li ha avvertiti che «chi è il primo deve essere l'ultimo e il servitore di tutti»!
Certamente non mancheranno persone che reagiranno a queste insignificanti considerazioni dicendo che sarebbero il risultato di qualcuno che non ha più la possibilità di essere vescovo, immaginando così che questo sarebbe il sogno di ogni sacerdote e missionario ... Altri diranno che si vuol insistere a cercare 'il pelo nell'uovo' e che non conviene creare polemiche stupide e senza senso... Altri, infine, osserveranno che tutto questo è una autentica inutilitá, non aggiunge nulla e non porta da nessuna parte... Tuttavia, non possiamo ignorare l'attuale situazione globale ed ambiente ecclesiale in cui viviamo. È in essa che siamo chiamati ad essere segno luminoso, sale che dà sapore, testimoni di una Buona Novella concreta, comprensibile e aggiornata. Non si può, infatti, negare che, oggi, la società e molti settori della nostra Chiesa tendano a consolidare pratiche feudali devianti, favorendo il risorgere di varie forme di autoritarismo illuminato, di discriminazione del 'diverso', del 'anatema sit' per coloro che vivono 'extra ecclesia', di libertà illimitata di inoculare e imporre pensieri unici e distorcere i valori evangelici e umani. Non possiamo più fare silenzio difronte a tante contraddizioni e come missionari audaci, come soggetti di pensiero critico e membri di un gruppo missionario che vanta un’identità missionaria di servizio e aperta al mondo, rompere con pratiche, abitudini, metodologie e terminologie canonico-pastorali sclerotiche che ci deviano dal vero e unico paradigma che dá senso a ogni discepolo veramente missionario: 'stare in mezzo al mondo come coloro che servono'. Niente di più!
São Luís, 10 novembre de 2024
Algumas despretensiosas considerações sobre nomeações a bispo de religiosos missionários
Toda vez que ouço ou leio notícias anunciando a nomeação de missionários religiosos a bispo sou invadido por uma mistura de temor e tremor. Não é para menos: sou veementemente contrário a essa prática mesmo que tenha que reconhecer que está bastante consolidada na tradição vaticana. Nada impede, contudo, que na atual etapa da longa caminhada eclesial se possa inaugurar, até contra todas as tendências, uma nova e inédita postura, sem ilusões e sem ufanismos. Coloco, a seguir, algumas argumentações para justificar a minha contrariedade.
O primeiro motivo é que considero que um religioso consagrado, missionário, deveria se devotar única e exclusivamente àquelas realidades gritantes e específicas da humanidade, e àquelas apontadas, historicamente, pelo fundador e permanentemente atualizadas pelo seu próprio instituto. Entendo que ao assumir o ‘cargo’ de bispo o missionário é vinculado, direta e sistematicamente, a uma administração formal que, pessoalmente, considero desviante. Ocorre que o cargo de bispo, tal como é concebido atualmente na administração eclesiástica, não se coaduna com a vocação missionária do escolhido, em que pesem suas mais recônditas ambições pessoais. O religioso, com efeito, se afasta, mesmo sem querer, dos objetivos e das dinâmicas próprios de um missionário consagrado. É só olharmos a atuação de vários missionários que, após assumirem a administração de uma diocese, acabam se apartando afetiva e efetivamente de seu instituto, de suas presenças missionárias, de sua metodologia e de suas opções pastorais. Não podemos ignorar, também, que, frequentemente, inúmeras dioceses possuem, internamente, em seus próprios quadros, presbíteros locais qualificados para assumirem o cargo de pastorear uma determinada diocese, sem recorrer, necessariamente, aos presbíteros missionários de ‘fora’!
O segundo motivo que me faz discordar com a prática de nomeações episcopais de religiosos missionários é a constatação de que, em geral, os ordenados em lugar de assumirem ‘dioceses missionárias’, ou seja, realidades eclesiais necessitadas, desafiadoras e carentes de tudo, muitas vezes são destinados a assumirem ‘dioceses autossuficientes’, sem grandes desafios pastorais, exigindo somente continuidade na administração ordinária. Qual, então, o sentido dessas escolhas? Poder-se-ia argumentar que a presença de um bispo proveniente de um instituto missionário sacudiria, positivamente, os cristãos a se abrirem a uma nova sensibilidade missionária, contudo, acho o contrário. Na maioria dos casos é o bispo missionário que é ‘cooptado’ pelas exigências próprias do ofício a se enquadrar e a passar a trabalhar segundo os esquemas consolidados da administração canônico-diocesana, e da sua freguesia. Os papeis de ‘bispo-administrador e de bispo-pastor’ parecem ser sempre mais irreconciliáveis e, em alguns casos, antagônicos, principalmente para aqueles missionários que têm se identificado com suas experiências missionárias positivas anteriores. Acredito que muitos de nós puderam ouvir ou presenciar desabafos de colegas bispos ou de bispos diocesanos diante do grande dilema de conciliar o espírito-prática missionária que, em geral, nos coloca em contato sistemático com comunidades, movimentos, famílias e grupos eclesiais, e as obrigações episcopais canônico-burocráticas de monitorar as prestações de conta, a angustiante e constrangedora preocupação em arrecadar fundos para as atividades pastorais e a manutenção de agentes de pastoral, dialogar com o clero e resolver os crescentes conflitos e disputas internas, celebrar crismas, presidir missas de encerramento de festejos, participar das inúmeras comissões da CNBB e ‘poder viajar’, frequentemente, até para aliviar as tensões internas acumuladas.
Um terceiro motivo que gostaria de expor é que quase sempre os responsáveis dos institutos religiosos e suas comunidades veem as nomeações de um dos seus membros como uma espécie de reconhecimento público perante o Vaticano, ou perante os demais institutos. Ou um reconhecimento das supostas qualidades e virtudes de um missionário com perfil específico para administrar recursos humanos e financeiros. Acaba-se entrando numa lógica extremamente ambígua e perigosa. O Vaticano através de seus mediadores faz suas sondagens e nomeia o indicado que não encontra, em geral, por parte dos responsáveis do instituto missionário nenhuma oposição e, tampouco, a apresentação de algum tipo de condição. Não ignoro que existe nesses casos uma velada imposição canônico-vaticana de ter que aceitar, formal e moralmente, a ‘nomeação a bispo’ – até porque o papel vinculante da obediência formal não pode ser contestado, mas acatado cegamente. No entanto, parece-me legítimo se perguntar se não seria o caso de o escolhido e o seu conselho geral reagirem com firmeza polida e altivez digna à Congregação Romana abdicando, uma vez por todas, a esta ultrapassada atitude de submissão às suas irretocáveis decisões. Não seria o caso, por exemplo, de o próprio missionário escolhido como bispo, em comunhão com a sua própria congregação, mostrarem seu legítimo direito ao diálogo ou, se preferirem, à negociação, à dissidência. Com tal postura poder-se-ia chegar a um consenso em que o nomeado seja destinado, pelo menos, a uma diocese ‘realmente missionária’ com escassez de recursos humanos qualificados, de infraestruturas, de pouca presença eclesial e missionária, e longe de sua ‘terra natal’, até para sinalizar a sua firme disposição em continuar a ser um missionário ‘ad gentes’ como prometeu quando se consagrou? Infelizmente, observo que um Conselho Geral não possui uma razoável autonomia e uma honrosa altivez para contestar e se opor a uma nomeação vaticana.
O quarto motivo que me incomoda é que o missionário, uma vez escolhido e nomeado para ser bispo incorpora, mesmo sem querer, os mesmos hábitos próprios de quando ocorre uma ‘solene promoção’ a um cargo de prestigio, dentro de uma determinada hierarquia. Assiste-se, nesses casos, a patéticas exibições de uma velada bajulação por parte do seu entorno, de formalismos farisaicos e de retóricas homenagens atestando, dessa forma, que o escolhido não estaria a mergulhar numa missão de serviço missionário oculto e abnegado, e sim, numa realidade de visibilidade pública, com suas dinâmicas de poder e de interferência social e eclesial. Continua a causar espanto como determinados missionários ao chegar ao episcopado capricham nas formalidades cultivando um cuidado exacerbado com a simbologia do cargo (mitra, báculo, casula, anel, cruz pectoral, etc.), sem falar nos títulos honoríficos e nas bem equipadas residências oficiais. Não parece ser isto o que o Mestre ensinou aos seus seguidores missionários itinerantes da Boa Nova ao alertá-los que ‘aquele que é primeiro seja o último e o servidor de todos’!
Certamente, não vai faltar gente que vai reagir a essas insignificantes considerações afirmando que seriam o fruto de alguém que não tem mais chance de ser bispo, imaginando, assim, que esse seria o sonho de todo presbítero e missionário... Outros dirão que se insiste em encontrar ‘o pelo no ovo’ e que não compensa criar polêmicas estúpidas e sem sentido... Outros, enfim, observarão que tudo isso é coisa manjada e que não vai acrescentar nada e não levar a lugar nenhum...Contudo, não podemos ignorar a atual conjuntura mundial e eclesial em que vivemos. É nela que somos chamados a ser sinal luminoso, sal que dá sabor, testemunhas de uma Boa Nova específica, compreensível e atualizada. Com efeito, não se pode negar que, tendencialmente, a sociedade e muitos setores da nossa igreja, hoje, estão a consolidar práticas feudais destoantes ao promoverem o ressurgimento de várias formas de autoritarismo iluminado, de discriminação do ‘diferente’, do ‘anátema sit’ aos que vivem ‘extra eclesia’, da liberdade ilimitada para inocular e impor pensamentos únicos e desvirtuarem valores evangélicos e humanos. Não podemos mais nos omitir, como missionários ousados, como sujeitos críticos pensantes e membros de um grupo missionário que ostenta uma identidade missionária servidora e aberta ao mundo, em romper com práticas esclerosadas, hábitos, metodologias e terminologias canônico-pastorais que desviam o foco do que continua sendo o único paradigma que faz sentido para todo discípulo realmente missionário: ‘estar no meio do mundo como aqueles que servem’. Nada mais do que isso!
São Luís, 10 de novembro, 2024
sábado, 9 de novembro de 2024
32º domingo comum - Quando uma igreja se torna 'ópio do rebanho' manipulado por falsos guias espirituais
Religiões e igrejas que exploram e manipulam viúvas utilizando ou não o nome de Deus são a prova cabal de que se tornaram, de fato, ‘ópio dos povos’ e instrumento de desumanização. O trecho evangélico de hoje apresenta o absurdo dos absurdos: uma viúva, - que simboliza as categorias mais fragilizadas da nação, juntamente com os órfãos, - coloca no cofre do tesouro do templo tudo o que tinha: uma simples moeda de ferro. Certamente, ela achava que com aquela oferta estaria agradando o próprio Deus. Contudo, as ofertas daquele cofre deveriam ser utilizadas para proteger e assistir justamente viúvas como ela em suas necessidades. Paradoxalmente, a própria viúva que deveria ser a beneficiária daquelas ofertas foi manipulada a tal ponto pelas sanguessugas do templo a dar tudo o que tinha para manter os privilégios daqueles falsos adoradores de Deus! Entre eles os próprios escribas; teólogos ambiciosos e manipuladores, metidos a ‘guias espirituais cegos’, que fazem longas orações nas casas das viúvas para lhes devorar o pouco que ainda possuem. Chegou a hora de desmascarar os inúmeros manipuladores de Deus que vivem nos templos de hoje. E de expor publicamente aqueles cidadãos fervorosos que ainda acham que um bolsa-família ou um benefício social em favor de viúvas, realmente necessitadas, é incentivo à preguiça! Chegou a hora de aderir à prática de Jesus de Nazaré, o verdadeiro defensor de viúvas, órfãos, paralíticos, cegos, surdos-mudos...os ignorados de hoje!
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
Steven Forti, historiador: “Extremas-direitas como Trump estão assassinando a democracia”
Atualmente, 71% da população mundial vive em autocracias. Há 20 anos esse número era de 50%. Dos 91 países considerados democráticos, apenas 32 são democracias liberais (há 15 anos eram 43). Mais dados: se em 2003 havia 35 países que se democratizavam, hoje são 18. E o mais grave: se em 2003 eram apenas 11 países que se autocratizavam, hoje são 42. A tendência é evidente e o historiador especializado em extrema-direita Steven Forti alerta para o perigo no seu último livro ‘Democracias em extinção: o espectro das autocracias eleitorais’ (Akal). Estas forças são os atores “que estão a executar com maior força este assassinato da democracia”. Donald Trump, nos Estados Unidos, pode ser o próximo.
Eis a entrevista.
Trump não é mais o candidato desconhecido de 2016 que enfrentou um rival ligado ao establishment, como explicar o grande apoio atual apesar de conhecê-lo muito melhor?
A mesma pergunta também pode ser feita no caso de Jair Bolsonaro no Brasil, que embora tenha perdido eleições, manteve um nível de apoio muito elevado. A extrema direita tem sucesso por razões estruturais. Para além de uma liderança poder ser considerada pela população muito radical, extremista ou mesmo pouco apresentável, este candidato conseguiu estabelecer uma ligação com uma parte da população que vai além da política e tem a ver com o afetivo e o emocional. Acrescentemos dois outros elementos: a forte polarização e radicalização do que há algum tempo se chamava centro-direita ou direita tradicional. Se somarmos tudo isso, vemos como uma figura que nos parece pouco apresentável conseguiu unir um eleitorado altamente mobilizado contra um adversário político que é considerado um inimigo e uma ameaça real a uma série de valores e uma forma de vida.
Como ele diz, Trump absorveu praticamente toda a direita tradicional americana. Apesar das particularidades do sistema bipartidário nos EUA, este perigo existe na Europa?
Claro. Já temos evidências confiáveis suficientes disso. Pensemos, por exemplo, na Itália, onde o que seria a direita tradicional praticamente desapareceu ou é uma muleta de uma coligação hegemonizada pela extrema direita, ou seja, Giorgia Meloni. Pensemos também no caso francês, onde os republicanos se tornaram uma força minoritária à direita, onde a hegemonia é detida pelo lepenismo. Há outro país onde a batalha ainda está aberta: o Reino Unido. Os conservadores não só se radicalizaram na última década de uma forma muito óbvia, como também têm um concorrente muito forte, Nigel Farage, que poderá até canibalizá-los. Independentemente de o sistema ser bipartidário ou multipartidário, é uma dinâmica óbvia. Em praticamente todos os países, salvo algumas pequenas exceções com pontos de interrogação para o futuro, a direita tradicional radicalizou-se, alinhou-se claramente com a extrema direita, ou tornou-se irrelevante e até canibalizada.
Acrescentemos um último elemento: o caso da Argentina. Javier Milei, que certamente não era um candidato que poderíamos considerar moderado, venceu as eleições no segundo turno graças à aliança que lhe foi oferecida pela direita tradicional representada pelo Macrismo, que agora governa com ele. Isso não levou Milei a moderar. Às vezes o discurso destes direitos é que temos que 'romanizar' os bárbaros, ou seja, levá-los para um caminho mais moderado, controlando-os um pouco e incorporando-os ao sistema. Em vez disso, o que vemos é que os romanos se tornaram bárbaros.
Que implicações tem a atual vaga de democratização?
Vivemos uma onda de desdemocratização. A democracia está em declínio acentuado há pelo menos 15 anos, de acordo com muitos índices. E a data não é uma coincidência, porque está ligada à crise econômica de 2008. A democracia vai extinguir-se? Seremos a última geração que viveu num sistema democrático? Esta já não é uma questão que pode dar origem a uma série distópica da Netflix, mas sim é uma realidade que estamos a viver e que é bom considerarmos. Os dados nos oferecem um quadro bastante sombrio. E embora a extrema direita não seja o único ator que representa uma ameaça à democracia, no mundo ocidental a extrema direita é o ator que mais vigorosamente leva a cabo este assassinato da democracia.
O que a democracia ofereceu foram melhores condições de vida. Numa democracia, você não só terá maiores liberdades em comparação com uma experiência passada de ditadura, mas também será capaz de fazer face às despesas e os seus filhos possivelmente viverão melhor do que você. Havia um horizonte. No entanto, o que muitas pessoas têm experimentado é que talvez o seu presente e o seu futuro não sejam tão bons quanto o esperado. O elevador social quebrou, as desigualdades aumentaram... A falta de expectativa ou a percepção de que o futuro não será melhor afeta muito e evidentemente há atores políticos que tentam aproveitar e capitalizar as frustrações e ansiedade presentes em um bom parte da população.
Steven Forti é historiador e analista político, professor associado de História Contemporânea na Universidade Autónoma de Barcelona e pesquisador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, co-autor de Patriotas indignados. Sobre la nueva ultraderecha en la Posguerra Fría (Alianza, 2019) e autor de Extrema derecha 2.0. Qué es y cómo combatirla (Siglo XXI de España, 2021).
Com a vitória de Trump volta o PROJECT 2025. Uma ameaça ao mundo! Por Mel Gurtov
Ampliar agressão econômica e geopolítica à China, potência nuclear. Impor novas restrições ao comércio internacional. Ameaçar Irã, Coreia do Norte, Venezuela e até o México. Visita à delirante (e perigosíssima) agenda externa do candidato. O Projeto 2025, o ambicioso guia de planejamento de políticas da extrema direita publicado como Mandate for Leadership (Mandato para Liderança), foi concebido para desmantelar o “Estado Profundo” e instalar um presidente e aliados leais que levarão adiante a agenda autoritária de Donald Trump. Agora, ele supostamente não existe mais – mas não é verdade. A campanha de Trump, preocupada com a má impressão que o Projeto 2025 estava recebendo, ordenou que ele fosse desconectado. Mas não se engane: embora Trump possa discordar de algumas das recomendações, o projeto foi concebido com ele, e somente ele, em mente.
O Projeto 2025 propõe três tarefas essenciais de governança para promover sua causa: reafirmar o papel dominante do presidente na formulação de políticas, desmantelar as principais agências governamentais preocupadas com o bem-estar social e substituir muitos funcionários públicos que não passam no teste de lealdade (eles serão reclassificados como trabalhadores comuns) por funcionários políticos leais ao chefe do Executivo. O plano busca maneiras de contornar a burocracia do governo, o que, por si só, é um objetivo comum a todas as administrações anteriores. Mas ele difere drasticamente em sua submissão aos impulsos autoritários de Trump. Todas as páginas do documento enfatizam que os funcionários e outros membros da equipe devem alinhar seus pontos de vista com os do presidente, com a forte implicação de que não fazer isso resultará em demissão ou reatribuição. É uma fórmula para limitar o debate político dentro das agências ou entre elas ao que o presidente já decidiu. Na política externa o Project 2025 mostra uma verdadeira obsessão pela China que a responsabiliza por tudo o que há de pior. Com relação à Rússia é muito diferente. Refere-se somente ao conflito coma Ucrânia, e dá mais importância ao Ártico.