segunda-feira, 16 de junho de 2025

A obsessão por corpos perfeitos. Artigo de Massimo Recalcati

A aparência de corpos em forma, sempre jovens e belos, moldados pela cirurgia estética, tem sido uma presença cada vez mais constante no cenário hipermoderno há vários anos. A ação do bisturi e da agulha esculpe formas perfeitas que não apenas respondem a um ideal estético, mas visam esconjurar a presença fatal da morte. O corpo que não mostra sinais de seu próprio envelhecimento configura-se como um amuleto, um talismã que rejeita o tempo inexorável do nosso fim. No entanto, o recurso à cirurgia estética não diz respeito apenas à vida em seu momento fisiológico de declínio, mas também, se não principalmente, às novas gerações. “Quero me refazer completamente!” é a intenção de uma jovem paciente insatisfeita com a forma de seu corpo. A ação do bisturi, como a das tatuagens que se estendem por toda ou quase toda a superfície do corpo, traz consigo a ilusão de autogeração. “Refazer-se completamente” significa, de fato, escolher a forma que se dará ao próprio corpo, perseguindo um ideal de autofundação e domínio absoluto: não apenas reivindico o corpo como meu, mas faço com que seja como eu quero. Uma tentativa de se opor à heteronímia estrutural do corpo que, na realidade, nenhum de nós teve possibilidade, originalmente, nem de escolher nem de tornar eterno.

Se, além disso, se observar o corpo de jovens mulheres remodeladas pelo bisturi, não pode deixar de chamar a atenção sua drástica uniformização. Enquanto a beleza de um corpo, como lembram Flaubert e Warburg, se revela ao se perceber seus “divinos detalhes”, ou seja, seus traços irregulares que o tornam único e singular, aquela oferecida pela cirurgia estética responde, em vez disso, a um critério padrão, igual para todos, conformista: mesmo nariz, mesmos lábios, mesmos seios, mesmos glúteos. Mas por quê? A resposta parece se impor com evidência. Os corpos dessas mulheres tendem a corresponder à idiotice do fantasma masculino que eleva justamente aqueles objetos — em particular lábios, seios e glúteos — à natureza fetichista de seu próprio fantasma. Em termos mais simples, o corpo das mulheres tende a corresponder perfeitamente ao imaginário sexual masculino, tornando-se semelhantes ao de verdadeiras bonecas sexuais artificiais. Numa época em que o feminismo impôs, com razão, uma cultura de direitos que interrompeu a hegemonia masculina, esses corpos plastificados parecem mostrar a outra face da moeda, ou seja, a indestrutibilidade do fantasma fetichista masculino e a dificuldade da mulher de se libertar de suas garras. Mas essas mulheres são realmente felizes? Em alguns casos, recorrer à cirurgia estética não tem nada de patológico. Penso em uma paciente minha que, após duas gestações, decide refazer os seios, que haviam sido postos a dura prova pela amamentação prolongada, para recuperar sua própria feminilidade. Outra decide se submeter ao mesmo procedimento por causa das lesões causadas por uma operação oncológica. Por fim, uma adolescente cujo rosto é ocupado por um nariz proeminente decide se libertar dessa presença recorrendo ao bisturi.

O que é patológico, isso sim, é o recurso compulsivo, a insatisfação que acompanha cada intervenção e que impele a novas intervenções, a ponto de, por vezes, causar efeitos evidentes de deformação aberrante do próprio corpo. Às vezes, trata-se de uma verdadeira provação que transforma o corpo numa espécie de canteiro de obras permanentemente aberto. Nesses casos, o paradoxo é que cada intervenção cria uma nova insatisfação, cada tentativa de aperfeiçoamento gera um novo defeito. Mas quando uma jovem exige ter lábios carnudos, seios gigantes e bumbum esculpido, está realmente expressando um desejo subjetivo ou manifesta sua adaptação conformista a um ideal estético imposto pelo fantasma masculino? Além disso, "refazer-se completamente" não é tão simples porque não é simples corrigir a imagem inconsciente do próprio corpo. Aliás, nunca deveríamos esquecer que "bonito" ou "feio" não correspondem à objetividade das formas estéticas. É um fato da experiência comum: homens e mulheres feios podem viver com total serenidade sua desarmonia e, ao contrário, homens e mulheres objetivamente bonitos podem viver com tormento a imagem de seu corpo sempre vivenciada como inadequada e imperfeita. Por quê?

Quando olhamos o nosso corpo no espelho, entra em ação uma memória inconsciente que tornou a nossa imagem algo amável ou algo perenemente insuficiente. Isso é o que Françoise Dolto havia, justamente, definido como "imagem inconsciente do corpo", que, como tal, não corresponde à sua imagem real. A sensação de ser bonito ou feio se forma de nossos primeiros encontros com o olhar e as palavras das figuras afetivas mais significativas. Fui olhado como suficientemente amável? Fui amado pelo que sou? O bisturi tenta corrigir as respostas negativas a essas antigas perguntas, sem, porém, conseguir chegar ao fundo da questão. Nesse sentido, o culto ao corpo musculoso e malhado é o equivalente masculino da síndrome do aperfeiçoamento estético que aflige os corpos femininos. Os bíceps inchados, o maxilar quadrado, os dentes perfeitos, os peitos e abdomens esculpidos distanciam o corpo da relação com o outro para exaltar uma espécie de autossuficiência onipotente. Esse é outro paradoxo: a remodelação do corpo não serve para favorecer relações afetivas com os outros, mas para construir couraças narcisistas que distanciam da relação. O terror da morte se confunde aqui com o terror do amor.

 

Os três medos que estão mudando o mundo. Artigo de Dacia Maraini

As notícias que chegam do mundo são inquietantes: assistimos a guerras que não têm mais uma conotação política, mas aparecem como vinganças pessoais que massacram os mais fracos. Lemos sobre um feminicídio por dia. Assistimos a uma atmosfera de ódio e agressividade (especialmente nas redes sociais) que afeta todas as camadas sociais. Está em curso um desejo de regressão brutal. Mas por que queremos retornar a um mundo arcaico baseado em sentimentos e ações primitivas, em que a vingança era a única forma de justiça?

Wilhelm Reich argumenta que, quando o ser humano sente medo, retorna à matilha e confia todo o poder a um líder que mostra os dentes, sem se preocupar que seja prepotente e cruel. A grande conquista da sociedade humana foi justamente a passagem da vingança para a justiça. A vingança é pessoal e arbitrária, a justiça se vale de leis iguais para todos, dá ao culpado a possibilidade de se defender e a decisão sobre a punição é confiada a vontades estranhas. Com a justiça, distanciamo-nos da tradição bestial do ressarcimento físico imediato e feroz. Também o feminicídio parece responder a essa antiga lei vingativa: tu queres ir embora, queres impor tua vontade contra a minha? Tu não reconheces minha autoridade, minha posse? Então eu me vingo e te mato. Mas o que causou esse infausto desejo de retornar a sentimentos anti-históricos? A resposta mais aceitável poderia ser resumida em uma única palavra: medo.

O medo cria fantasmas, deforma a realidade, impele a se fechar erguendo muros, cultivando ódio e vingança. Medo de quê? Paradoxalmente, dir-se-ia justamente daquilo que os seres humanos estão criando: a disseminação de uma tecnologia cada vez mais autônoma (inteligência artificial) que muda as relações de trabalho e a estrutura da família, cria formas de comunicação democráticas, mas desprovidas de regras e baseadas no arbítrio. E, além disso, há o medo das mudanças climáticas, que, por mais negado que seja, se faz perceber. E, finalmente, o mais profundamente sentido, eu diria, é o grande medo de perder a identidade religiosa e social diante de grandes movimentos de massa. Três medos profundos estão derrubando os equilíbrios estabelecidos há séculos, criando um clima de incerteza que muitos pensam que só pode ser resolvido com uma guerra. Eu me pergunto se o ser humano ainda tem a capacidade de refletir sobre as consequências de suas vinganças e se não entende que, como já foi dito, temos apenas um único mundo e uma única vida. Temos o direito e o dever de defendê-los.

 


Indígenas estudam em escola com teto de palha, piso de terra e sem professores no MA

Com piso de terra batida e teto de palha sustentado por troncos de madeira, a escola da Aldeia Esperança, do povo Krepym Katejê, funciona em uma estrutura improvisada, erguida pelos próprios moradores. As aulas ocorrem em um espaço sem paredes ou piso adequado, com apenas um quadro como recurso pedagógico. Dos 24 alunos oficialmente matriculados, 11 estão completamente sem professor – são estudantes do EJA (Educação de Jovens e Adultos), que aguardam a designação de um docente. Os demais frequentam aulas em dois turnos: pela manhã, com uma professora da rede municipal que atende à Educação Infantil, e à tarde, com uma professora da rede estadual responsável pelas turmas do 1º ao 5º ano.

Atayuan Krepym, adolescente de 14 anos da etnia Krepym Katejê, deveria estar cursando o 8º ano do ensino fundamental, mas teve que interromper os estudos, já que falta professor na comunidade. “Vai ser ruim porque tô desperdiçando tempo sem fazer nada. Eu preciso aprender muita coisa nesse tempo”, afirma o estudante. O jovem é um dos 11 alunos do EJA que estão sem estudar por falta de professor na escola da Aldeia Esperança. A educação escolar indígena é um direito garantido pela Constituição Federal, que assegura no artigo 210, parágrafo 2º, às comunidades indígenas o uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) reforça esse direito ao prever uma educação específica, bilíngue, intercultural e com participação ativa das comunidades na gestão e organização escolar. Além disso, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina o respeito à cultura, aos valores e à identidade étnica dos povos originários.

A etnia Krepym Katejê, pertencente ao grupo de povos Timbira, é composta por aproximadamente 350 pessoas, que vivem na TI (Terra Indígena) Geralda/Toco Preto, que se estende pelos municípios de Arame e Itaipava do Grajaú, no Centro Maranhense. A TI é composta por quatro aldeias distintas: Esperança, Bonita, Sibirino e Geralda/Toco Preto. Atualmente, cerca de 50 pessoas residem na Aldeia Esperança, a aproximadamente 30 km da sede de Itaipava de Grajaú, onde fica a escola. Essa unidade é um anexo de uma escola-mãe, a Unidade Integrada de Educação Escolar Indígena José Porfírio de Carvalho, situada na aldeia Geralda/Toco Preto, a 7km da Esperança.

A luta do povo Krepym Katejê por educação é antiga. Dados do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) mostram que em 2014 aconteceu a primeira grande mobilização por educação em Itaipava do Grajaú envolvendo a população indígena. Na época, a demanda principal era a implementação do ensino médio na Terra Indígena Geralda/Toco Preto, além de exigirem a construção de outras escolas, merenda, professores bilíngues, materiais didáticos e itens básicos de infraestrutura. A partir daí as mobilizações cobrando melhorias na educação só se intensificaram. Em 2025, a etnia Krepym Katejê voltou a procurar os órgãos oficiais para cobrar o cumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta, firmado há 13 anos com a Seduc (Secretaria de Estado da Educação do Maranhão) e o MPF (Ministério Público Federal). O TAC foi assinado em março de 2012, no último governo da hoje deputada federal Roseana Sarney (MDB), permaneceu sem cumprimento integral durante os quase oito anos da gestão Flávio Dino (atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal, o STF) e segue com pendências no governo Carlos Brandão (PSB). Por mais de sete anos, período que representa a maior parte do histórico de descumprimento, a Seduc esteve sob o comando de Felipe Camarão (PT), hoje vice-governador e pré-candidato à sucessão estadual, que acumula negligências similares com educação escolar indígena na gestão da pasta.

O documento estabelece obrigações como a reforma ou construção de escolas com estrutura adequada, a entrega de materiais didáticos específicos, a contratação de professores e funcionários, além da elaboração de projetos pedagógicos diferenciados com participação das comunidades indígenas. Também está prevista a criação da carreira do magistério indígena. O TAC determina prazos para o cumprimento dessas ações e estipula a aplicação de multa diária em caso de descumprimento, sendo reconhecido como título executivo extrajudicial, documento que tem força de decisão judicial para cobrança de obrigações. A duração do acordo é indeterminada, e sua fiscalização pode ser acompanhada por outras instituições, como a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o MEC (Ministério da Educação). (Atual7)


ORAÇÃO DESARMADA!

         Ó Pai como estamos longe das profecias de Isaías e de Miqueias que em suas visões vislumbravam um tempo de paz plena: as espadas e as lanças dos exércitos seriam transformadas em arados e foices para que a terra pudesse produzir o pão de justiça e da fartura!

Assistimos ao ritmo incessante das estações que passam em nossas vidas com suas primaveras verdejantes e seus invernos rígidos, mas parece que a nossa história não é mais história de salvação, e sim, uma sucessão infindável de agressões e extorsões, de violações e abusos, de assassinatos e crimes hediondos contra a criação e as criaturas.

Estamos a vagar desconsolados e desnorteados, desarmados de esperança e coragem, ó Pai, numa humanidade esfacelada em que não sabemos mais quem é o agressor e o agredido, o julgador e o julgado, o protetor e o ameaçador, o carcereiro e o encarcerado. E quem deveria nos defender deixou definitivamente o seu disfarce e aparece aos nossos olhos como um monstro armado e prepotente que nos amedronta e chantageia e nos desarma, sistematicamente, da pouca esperança que ainda guardamos na bainha do nosso coração.

Precisamos, ó Pai, do vosso espírito de sabedoria para discernir e escolher as ‘verdadeiras armas’ que transformam a destruição e a violência em plenitude de vida, e o desespero e o medo em coragem e esperança.

Precisamos do vosso espírito de fortaleza para não aderir à logica perversa do ódio, e jamais entrar na espiral da vingança. E nunca permitais que tripudiemos quando virmos um soldado fardado matar um nosso filho desviado. Para eles, bandidos são sempre os outros!

E, enfim, te pedimos, ó Pai, não permitais que desistamos do sonho de proteger e assistir o ‘Abel’ permanentemente reencarnado nos milhares de filhos e filhas vossos que são massacrados por aqueles que ganham dinheiro e prestígio ao eliminar o ‘Caim’ que ameaça as praças, mas que, de fato, nunca saiu de dentro do seu coração.

Não queremos desistir do sonho de transformar os revólveres dos chefes das facções e as metralhadoras das corporações fardadas ou não, em colheres e garfos, em panelas e pratos para que sejam saciados quem ainda tem fome de justiça e paz! Amém

 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

FESTA DA TRINDADE - Um Deus humano que diviniza seus filhos pelo espírito do amor sem fim!

Há um expressivo número de cristãos que têm dificuldade de compreender o alcance da solenidade da Santíssima Trindade. Sempre nos disseram que ‘mistérios’ como o da Trindade são para serem aceitos, e não entendidos! Alimentamos, contudo, a nossa fé não mediante conceitos teológicos e dogmáticos, mas através de testemunhos concretos de amor e de compaixão. Celebrar a Trindade é celebrar a plena humanidade do Filho e dos filhos que mergulham na divindade, ou seja, na plenitude de vida do Pai e Este, por sua vez, se reveste de plena humanidade aos nossos olhos humanos. Nós humanos, mesmo na nossa finitude e fragilidade somos receptáculos do divino que não vemos. Somos sacramentos de um Deus que, embora invisível e incompreensível na sua profundidade, O podemos sentir. Um Ser que completa e complementa o que a nossa pobre sensorialidade não consegue perceber e alcançar. Hoje somos convidados a fazer a experiência concreta, histórica, e não ilusória, de nos deixar invadir por um Espírito amoroso e compassivo. Nós podemos intui-lo e identificá-lo naqueles filhos que amam, servem e se doam gratuitamente. São eles o espelho imperfeito de um Pai que ama perfeitamente com a intensidade de uma mãe!

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Brasil tem 2,6 mil municípios em risco de desastres naturais

O Brasil tem 2,6 mil cidades têm risco alto ou muito alto para desastres naturais – como seca, inundações e deslizamentos de terra – ou possíveis impactos causados pela chuva ou seca na segurança alimentar, segundo dados do AdaptaBrasil, uma ferramenta elaborada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Não entram nesse cálculo outros eventos extremos, como incêndios e ondas de calor ou frio.

Essa cidades precisam se adaptar às mudanças climáticas. Primeiro, é preciso conhecer os riscos dos eventos extremos, como secas, incêndios, inundações e deslizamentos de terra. Em seguida, planejar como enfrentá-los. Esse planejamento deve resultar em ações concretas, que precisam ser avaliadas e, se necessário, aprimoradas. O aquecimento global gera uma série de alterações no clima, aumentando a intensidade e a frequência dos eventos extremos. Além de mitigar a causa, ao evitar ou reduzir a emissão de gases do efeito estufa, é preciso se adaptar às suas consequências, como os desastres naturais, principalmente nas cidades. "A adaptação é todo o processo de ajuste dos sistemas humanos e naturais para enfrentar as mudanças climáticas, reduzindo as vulnerabilidades e exposições de forma planejada e antecipada para que, sobretudo as populações que mais são impactadas, não sofram", explicou o pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) Pedro Ivo Camarinha. De acordo com Camarinha, especialista em mudanças climáticas, há poucos exemplos de adaptações planejadas, ou seja, realizadas a partir de políticas públicas. "No Brasil a situação é muito delicada. Porque há um somatório de muitas vulnerabilidades, muitas delas sem relação direta com o clima, mas acentuadas pelos seus efeitos." (IHU)

Gaza: hospitais estão lotados de pessoas atingidas por tiros israelenses ao buscarem comida

Um sistema de saúde à beira do colapso, dezenas de mortos, centenas de feridos. Quase todos os dias, o exército israelense abre fogo contra uma multidão que sofre com a fome na Faixa de Gaza. Milhares de pessoas se reúnem perto dos centros de distribuição de ajuda humanitária, arriscando suas vidas em busca de alimentos. Os poucos hospitais ainda em funcionamento no enclave estão lutando para lidar com o fluxo constante de feridos. 

Uma jovem de Gaza testemunha anonimamente do hospital de campanha britânico no sul da Faixa de Gaza. Ela está ao lado do leito de seu irmão, que foi gravemente ferido por tiros do Exército israelense enquanto tentava pegar um pacote de ajuda alimentar. "Ele foi baleado duas vezes no estômago e no antebraço. O ferimento no estômago foi tratado, mas o ferimento no antebraço é complicado. Vários tendões flexores dos dedos foram cortados. Os cirurgiões tiveram que suturar três tendões em um, que ainda estava saudável", explica a jovem. Medicina de guerra, com os meios disponíveis. Por enquanto, o jovem perdeu o uso da mão direita. "Meu irmão é destro", lamenta ela, "esperamos realmente poder removê-lo para tratamento no exterior. Os hospitais daqui não podem fazer nada por ele. Não culpo os médicos, eles fizeram tudo o que podiam para salvar sua mão, mas este é um hospital de campanha em tendas. Eles não podem tratar mais de 20 ou 30 pessoas por dia", relata.

Vítimas são mortas ou feridas quando estão em busca de alimentos. Desde o final de maio, “o número de mortos e feridos por balas disparadas por Israel explodiu em Gaza”, diz a jovem. "São massacres diários e gratuitos. A maioria das vítimas foi morta ou ferida em frente aos centros de distribuição de ajuda. Meu irmão tem três filhos e tudo o que ele queria fazer era encontrar algo para eles comerem. Ele não é um inconsequente, é uma pessoa pacífica", garante a irmã do homem à RFI. Desde o final de maio, uma empresa apoiada por Israel tem administrado a distribuição de alimentos em Gaza. Sua segurança é gerenciada por empresas privadas americanas que empregam ex-soldados. Tudo sob o controle do exército israelense. A ONU condenou o caos.

Hospitais praticamente parados na região de Khan Yunis Na região de Khan Yunis, no sul de Gaza, vários hospitais estão praticamente fora de atividade “devido à intensificação das hostilidades”, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Na segunda-feira, seu diretor emitiu um alerta sobre os últimos hospitais em funcionamento, como o Al-Nasser e o Al-Amal, em Khan Yunis. Embora o exército israelense afirme que não exige que os hospitais sejam evacuados como parte de suas operações contra o Hamas, as pessoas não têm mais acesso a eles. Raed el-Nims é o porta-voz do Crescente Vermelho Palestino, a organização que administra o hospital Al-Amal de Khan Yunis, que está funcionando da melhor forma possível. "O hospital está funcionando plenamente para os pacientes de lá. Mas o hospital está localizado dentro do perímetro das evacuações forçadas decretadas pelo exército israelense. Esperamos que as pessoas voltem a ter permissão para ir ao hospital livremente e com segurança para tratamento", explica.  Essas restrições de tráfego também estão afetando o abastecimento dos hospitais que ainda estão em atividade. Isso se aplica principalmente a medicamentos e outros produtos de saúde, mas também ao combustível, que é essencial para a operação dos geradores elétricos que mantêm os serviços vitais do hospital em funcionamento. (A reportagem é de Sami Boukhelifa, publicada por Rfi, 11-06-2025.)


domingo, 1 de junho de 2025

Minerais críticos: corrida global por energia limpa pode expor Amazônia a novo ciclo de exploração. Artigo de Robert Muggah

A Bacia Amazônica, tida como o maior sumidouro de carbono e reduto de biodiversidade do planeta, está no centro de outra pauta global: a corrida por minerais críticos e elementos de terras raras. À medida em que países aceleram rumo à descarbonização, cresce a busca por metais essenciais à energia limpa, como lítio, níquel, cobre, cobalto e outros usados em painéis solares, veículos elétricos, turbinas eólicas e armamentos. Mas essa corrida por “minerais verdes” expõe um paradoxo: a transição para um futuro com menos carbono pode acelerar a destruição ambiental, afetar populações locais e fragilizar regulamentações em uma das regiões mais vulneráveis do planeta.
 

A nova corrida do ouro verde - A Amazônia já viveu outros ciclos de exploração. Da borracha à carne bovina, da madeira à soja, suas florestas foram moldadas por mercados externos. Agora, o foco está nos recursos minerais do subsolo, cobiçados por multinacionais e estatais. O Brasil, potência mineradora da América do Sul, concentra mais de 90% das reservas lavráveis globais de nióbio – metal essencial para ligas de supercondutores. O Complexo de Carajás, no Pará, operado pela Vale SA, é uma das maiores minas de ferro a céu aberto do mundo, com cobre, ouro e manganês. Já a Norsk Hydro opera minas de bauxita em Paragominas, também no Pará, reforçando o elo da Amazônia nas cadeias globais. Bolívia, Colômbia, Equador e Guiana se colocam como novos polos em minerais estratégicos. A planície boliviana vê crescer o garimpo informal de ouro, além de possuir reservas de estanho e um depósito intocado de terras raras. O departamento colombiano de Vichada abriga o projeto Minastyc, da canadense Auxico Resources, que extrai tântalo, nióbio e gálio. Já o sudeste do Equador se abre à extração de cobre e ouro, com megaprojetos como Cascabel e Mirador atraindo bilhões de dólares. Suriname e Guiana, antes voltados ao ouro e à bauxita, agora investigam jazidas de terras raras no Escudo das Guianas.Esse cenário ocorre em meio à disputa global por minerais estratégicos. A China, líder no refino de terras raras, amplia sua presença na América do Sul via infraestrutura e contratos minerais, inclusive no triângulo do lítio entre Argentina, Chile e Bolívia. Também está ativamente expandindo investimentos em minas no Brasil e no Peru. Enquanto isso, EUA, União Europeia, Canadá e Japão buscam fontes alternativas e rotas fora do controle chinês. Países da Amazônia viraram alvos centrais, com empresas ocidentais e asiáticas disputando áreas de exploração, geralmente com apoio de financiamento estatal.


Uma floresta sob cerco Os obstáculos logísticos e regulatórios são enormes. Muitas das áreas ricas em minerais ficam em locais remotos, com pouca infraestrutura e fiscalização. Ferramentas geoespaciais disponíveis da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG) e da Agência Nacional de Mineração (ANM) revelam sobreposições entre concessões, terras indígenas e áreas protegidas, indicando que a mineração avança sobre zonas legalmente restritas. No Brasil e na Colômbia, grupos ilegais e cooperativas informais confundem os limites entre o legal e o clandestino, dificultando a supervisão. O isolamento geográfico da região agrava tudo: pode-se levar dias para acessar alguns locais por barco, com sinal digital instável, na melhor das hipóteses. Mesmo com todas essas limitações logísticas, o crime organizado avança. Redes ligadas ao tráfico de cocaína, à extração ilegal de madeira e ao garimpo se expandem agora para os minerais mais valiosos. Na Colômbia, dissidências das FARC e grupos paramilitares controlam partes do comércio de ouro e coltan (columbita-tantalita). Na área do Tapajós brasileiro, o garimpo ilegal cresce apesar de operações como a Escudo Yanomami. Em toda a região, a contaminação por mercúrio nos rios, causada pela mineração artesanal, destrói a vida aquática e intoxica comunidades indígenas. Mas o risco não é só ambiental. Essas atividades minam a autoridade estatal, corrompem instituições e desestabilizam regiões. Na Bolívia e no Equador, protestos contra concessões – muitas sem consulta prévia – se intensificam, gerando bloqueios, ações judiciais e repressão violenta. No Arco Mineiro do Orinoco, na Venezuela, a mineração se tornou militarizada: Estado e grupos armados disputam territórios com violência, trabalho forçado e desmatamento massivo. No local, a união entre ouro, diamantes e coltan frente a impunidade e repressão, gerou uma crise humanitária travestida de progresso. Há iniciativas de transparência e regulação ambiental, mas falta consistência. A Agência de Mineração da Colômbia (ANM) criou um cadastro digital e adota sistemas de rastreabilidade como o Registro Único de Comercializadores de Minerais do país (RUCOM). O Brasil tem o Código Florestal e agências como IBAMA e SISNAMA. Bolívia, com a GeoBolivia, e Equador, com o Geoportal de Cadastro Mineiro, oferecem mapas com sobreposições ambientais, mas os dados são desiguais e mal fiscalizados — principalmente nas zonas de fronteira. Há também tentativas de ligar a mineração a acordos internacionais, como a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC).
 

Transição justa ou nova exploração?  O dilema é evidente: como conciliar demanda por minerais estratégicos – essenciais para a transição energética – sem destruir a integridade ecológica e social da Amazônia? Não há resposta simples. Medidas como formalizar a mineração artesanal, promover tecnologias livres de mercúrio e reforçar os estudos de impacto ambiental são necessárias, mas ainda insuficientes. O que se exige são modelos de governança que coloquem em primeiro plano os interesses das comunidades locais, garantam consultas rigorosas e respeitem os limites ecológicos acima da lógica da extração a qualquer custo. Programas como a Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extrativas (EITI) oferecem estruturas de prestação de contas, mas sua eficácia depende do compromisso dos governos e da participação ativa da sociedade civil. Sobretudo, o debate sobre energia limpa deve encarar seu próprio custo extrativo. A descarbonização não pode se dar às custas de florestas devastadas, rios contaminados e comunidades desalojadas. A Amazônia não é só um depósito de recursos: é um organismo vivo que regula o clima, sustenta culturas e aponta alternativas. Se os minerais que alimentam a energia verde forem extraídos com os mesmos danos que deveriam evitar, a transição ecológica será apenas mais um capítulo da longa história de exploração amazônica. Enquanto investidores, governos e ambientalistas correm atrás dos blocos construtores de uma economia de baixo carbono, a Amazônia está em uma encruzilhada: será uma nova fronteira mineral sacrificada à demanda global? Ou poderá ser palco de uma transição justa e sustentável, que respeite pessoas e ecossistemas tanto quanto as metas de produção? A resposta pode moldar não apenas o futuro da energia limpa, mas o destino da maior floresta tropical do mundo.