sábado, 31 de dezembro de 2011

Maria, mãe de Deus: divinas mães para divin@s filh@s!


Tocamos com mãos todo dia o que significa desfigurar e destruir a dignidade d@s ‘filh@s de Deus’! Aquele rosto, aquele sopro, aquela energia, aqueles cromossomos e genes divinos que antes mesmo de nascer herdamos não simplesmente de um pai ou de uma mãe biológicos, mas de um Artífice paterno-maternal, são sistematicamente deletados por outros seres que esquecem a origem da sua filiação divina. Como pensar que Deus é pai-mãe que cuida e zela por nós ao vermos tanta brutalidade humana? Fome, guerras, violência, torturas e indiferenças parecem negar que temos em comum não somente genes e cromossomos, mas dignidade e filiação. Há, entretanto, seres humanos que mediante a sua dedicação e o seu amor sem limites para com outros humanos manifestam com mais intensidade e fidelidade, de forma visível, o que significa filiação e maternidade divina. Explicitam com seus gestos o que nós cremos pela fé. Ou pelos caminhos de indução. Tornam histórico e real o que parece ser relegado à esfera mítico-simbólica. Deus é Pai-mãe sim, e nós o vemos e o sentimos naqueles pais -mães que como Deus amam sem limites.

Jesus manifestava no seu organismo biológico genes e cromossomos idênticos aos de Maria. Nisso Jesus herdou de uma mulher o mesmo que todo ser humano herda de seus pais e de outros parentes próximos. Isso não é suficiente para fazer de Maria um personagem que se eleva acima dos demais. Hoje, contudo, não celebramos a maternidade de Maria por ter sido simplesmente a mãe biológica de Jesus, o 'filho de Deus’. Celebramos Maria e, com ela, todas aquelas mães que fizeram de sua maternidade uma vocação-missão. Ou seja, algo que vai além das obrigações biológico-reprodutivas. Não é toda mãe, afinal, que sabe amar e cuidar de um filho para que se torne e seja, de fato, ‘filh@ de Deus’! Não é toda mãe que sabe perceber as ameaças reais que desfiguram o rosto e a dignidade de seus filh@s. Não é toda mãe que toma a dianteira para prevenir e denunciar o que coloca em risco a integridade física e moral do ‘fruto do seu ventre’. E não simplesmente por serem filh@s seus, - pois poderia ser uma mera atitude de proteção e defesa biológica que toda mãe pode ter, - mas por serem el@s revelação da presença do próprio Deus entre os humanos. A todas as divinas mães que educam seus filh@s à proteção, defesa e geração de mais vida o nosso abraço e o nosso filial beijo de paz e gratidão.

Reproduzir a vida que recebemos do 'passado velho' ......

Qualquer pessoa de bom senso não aguarda o último dia do ano para fazer uma avaliação do que realizou ao longo desse período. Avaliação e balanço se dão ou deveriam se dar de forma sistemática e permanente. Inclusive porque o último dia do ano civil é de longe o mais inadequado por óbvios motivos! Nós humanos precisamos de ‘tempo’ para poder analisar e interpretar o impacto dos acontecimentos sobre nós mesmos. As derrotas e as perdas de hoje podem ser as conquistas e os ganhos de amanhã. O que hoje parece fracasso pode representar no dia seguinte uma oportunidade excelente de amadurecimento e crescimento. Com muita pressa e superficialidade queremos varrer e descartar o ‘velho’ ano achando e aspirando obter mais vantagens e ganhos no ‘novo’ ano que está a iniciar. Temos dificuldade em perceber que as conquistas e as perdas futuras são ‘construídas no passado’, mesmo que recente. Não aparecem como conquistas repentinas ou como desgraças fulminantes em céu de brigadeiro. A história da humanidade, da existência humana, mesmo que aos nossos olhos possa parecer como resultado de grandes rupturas ou de processos acelerados, encontra bases e raízes em escolhas, decisões, opções realizadas anteriormente ao presente em que vivemos, e ao longo de tempos extensos. Então, aqui vem a pergunta: por que dar ‘adeus’ ao ano velho? Por que não reconhecer que se nós somos o que somos é pelo que fizemos e temos sido nos instantes anteriores? Por que não mergulhar definitivamente na universal e sublime respiração do universo que não conhece pausas e nem interrupções, e nem etapas cronológicas ‘finitas’? Por que não se sentir permanentes construtores e co-criadores de vida nova sabendo que ela é nova porque outros semearam vida e produziram condições para que nós hoje e amanhã possamos sentir a beleza de viver essa vida nova eternamente mutante? E que bonito saber que nós hoje e sempre estaremos construindo mais vida para outros que virão depois de nós!
Pensemos, agora, por um instante....E se em lugar de recebermos e construirmos vida e novas condições de existência humana mais digna recebemos e construímos destruição, morte, violência, indiferença....? De quem será a responsabilidade? De uma herança recebida de um ‘genérico ano velho’ que não soube produzir o esperado? De um destino que nós humanos impotentes não conhecemos e nem podemos mudar? Entra ano, sai ano, nós continuamos divididos entre a pulsão criadora e destrutiva, diabólica e simbólica que possuímos e que temos que administrar dentro e sobre nós mesmos, e o ambiente que nos hospeda. Desejo que os humanos se sintam sempre mais co-construtores de vida para os seus semelhantes, para a Gaia-terra e para o universo inteiro!

domingo, 25 de dezembro de 2011

O Natal delas!

‘Não tive o abraço dos meus três meninos nessa noite de Natal. Eles estão em alguma casa dessa cidade que nem eu mesma sei. A justiça, a vara da infância, os tirou de mim porque sou dependente de drogas e portadora de HIV. Dizem que não tenho condições de ser mãe, e nem de cuidar deles. Mas eu sinto falta deles. Não tive colo nessa noite de Natal. Senti-me só. Senti-me uma merda. Olho para o espelho e vejo o meu rosto magro encavado consumido pelas drogas. Tentei várias vezes me sair dessa, mas não consigo. Vocês falam de um Natal que eu não conheço: presentes, ceia com peru, papai Noel, missa do galo....Eu queria tanto que alguém se lembrasse de mim, e me olhasse com carinho. Só encontro aproveitadores. Sou humilhada o tempo todo. Não quero presente, não. Não quero a compaixão de ninguém. Sei que errei, sei que não sou limpa, mas continuo gente. Sinto que continuo sendo filha de Deus. Será que vocês - que parecem ter jeito de gente - não podem se lembrar que eu também sou gente, e que tenho sentimentos de gente? Pô, eu queria tanto dar um cheiro nos meus pequenos, mas ninguém me diz onde estão... Espero que pelo menos eles, nesses dias, tenham visto o papai Noel. Que algum cristão tenha dado aquele cheiro que não consegui dar.’ (A.S.R. 26 anos – São Luis)

Sangue e morte numa igreja católica da Nigéria na noite de Natal. Mais de 35 mortos!

Uma bomba explodiu ontem à noite, dia 24, na missa de Natal, na igreja católica de Santa Teresa, na cidade de Abuja capital da Nigéria, África. O saldo é terrível: 35 mortos até agora, e dezenas de feridos. Não foi o único episódio de violência na Nigéria nesse dia. Outras 5 pessoas foram vitimas de atentados, e outras bombas explodiram em outras igrejas católicas sem, contudo, provocar mais vítimas fatais.Fontes de informação da Nigéria disseram que não havia ambulâncias suficientes para levar os feridos. Em 3 delas foram levadas bem 15 vítimas.
Quem reivindicou a autoria desse crime horrendo foi o movimento islâmico radical Boko Haram. O movimento nasceu em 2001 e é autor de inúmeros atentados de Leste a Oeste da Nigéria ao longo desses anos. São partidários de um estado islâmico e têm como inspiradores os talibãs do Afeganistão. Parece, contudo, que tenham ligação também com Al Qaeda. O ódio cego e absurdo, a intolerância política desses ‘inumanos’ que utilizam ainda a religião como disfarce para outros fins parecem estar longe do seu ocaso. Na noite em que se celebrava o nascimento do ‘príncipe da paz’ os que continuam acreditando e lutando por ela conheceram morte e desespero.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

NATAL, SEMPRE. PARA NÃO DESISTIR EM GERAR E PROTEGER 'VIDAS'!


É Natal. Mais uma vez, celebrantes, fiéis e comentaristas se esforçam para não se repetirem em suas considerações. Contorcem-se para fazer emergir elementos novos, originais. Para dar um corte diferente ao Natal, e aos seus inúmeros significados. Para evitar cair no senso comum. Mas o que significa isso se o Natal parece ter tomado um rumo que parece irreversível? Mais uma vez ‘contemplamos’ de um lado o ‘surgimento’ e lançamento de novas mercadorias, promoções e ofertas nos efervescentes templos onde tudo é mercantilizado. As mercadorias parecem novas. As estratégias de promoção e lançamento continuam arcaicas. Contudo, parecem indicar para a grande massa que este é o Natal que, de fato, conta. Do outro lado, ‘escutamos’ nos templos que cheiram a incenso e louvor, o eterno e etéreo refrão de que ‘o menino Jesus nasceu para nos salvar’. E contemplamos na estátua de um menino, - em sua maioria, branco, - o ‘Deus invisível que se fez carne/homem para nos salvar’. Duas posturas que pouco ajudam a internalizar o sentido bíblico-teológico e antropológico do Natal.
Teologicamente falando podemos dizer que Natal é a memória-celebração do acontecimento histórico pelo qual um ‘humano’ (Jesus) revelou o que existe de mais ‘divino’ nos ‘humanos. Revelou-o mediante gestos e atitudes profundamente humanas. De compaixão-compreensão, de atenção ao outro, de amor e perdão sem limites. De indignação diante de tudo o que fere os filhos de Deus: o egoísmo mesquinho, a ganância irrefreável e doentia, a brutalidade, a violência física e moral, e os preconceitos e a discriminação. Deus seria assim? Nós cremos que Deus agiu assim em Jesus! Mas Natal vem para dizer que isso é extensivo a todos aqueles ‘humanos’ que agem como Jesus. Nós humanos, homens e mulheres, mesmo frágeis e limitados, podemos manifestar a humanidade que está em Deus. Podemos revelar o quão ‘humano’ é o nosso Deus. Reveladores do Divino que está em nós podemos iniciar uma ‘nova criação’.

Antropologicamente falando, - se é que podemos fazer esse tipo de distinção – Natal revela a capacidade-coragem que os humanos têm de renascer de suas próprias destruições, e formas de morte que eles mesmos geram. E reviver permanentemente. De sempre retomar, recriar e cultivar sonhos e projetos de vida inéditos. De gerar novas relações consigo mesmo, com o ambiente-habitat onde vive, com o futuro que imaginam ter para si e para todos os seres vivos. De cuidar com amor e responsabilidade da vida múltipla que lhe permite existir. De transformar e mudar pessoas, coisas e universo. Eliminando as distorções produzidas pelos próprios humanos! De se organizar e combater contra tudo e todos aqueles que ameaçam a vida, e as vidas frágeis de inúmeros desprotegid@s.
No dia 24 à noite de dezembro, em lugar de exibir aquelas imagens-estátuas de ‘menino Jesus’ – algumas de péssimo gosto, - mas que conseguem nos comover, deveríamos apresentar os inúmeros rostos desfigurados de tantos humanos que, mesmo vivos, deixaram de viver. Incapazes que são de renascer porque a esperança e a vontade de viver lhes foram tiradas por outros humanos. Humanos que negam com suas escolhas e atitudes o ‘divino’ que está dentro deles! Para que a compaixão nasça dentre nós....humanos!

FELIZ NATAL!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Geradores e organizadores da esperança fragilizada (Lc.1,26-38)

Quem de nós nunca fez uma experiência de ‘iluminação’? Uma percepção reveladora. Um sentir profundo. Uma voz anônima que ecoava imperceptível, repetitiva e insistente na nossa ‘alma-consciência. E que nos ‘intimava’ a assumir uma determinada atitude. A fazermos uma escolha que julgávamos uma loucura. A decidirmos um caminho que nos parecia insensato. E tivemos que nos tornar ‘escravos’ daquela voz. Sob pena de não dormir à noite. De ficarmos mal o tempo inteiro. De nos sentir traidores se não déssemos ouvidos àquela voz que já se havia transformado num grito. Enfim, obedecer àquela voz, a ‘nós mesmos’, para nos sentir livres.

O evangelho desse domingo narra como se deu essa experiência luminosa em Miriam-Maria, mãe de Yeshuá-Jesus de Nazaré. Miriam compreende qual deve ser o seu papel como cidadã de Israel. Não um chamado a ser mera geradora biológica de vida. Mas a ser aliada num ‘indefinido’ plano de ‘salvação nacional’! Compreendeu-o não através de sinais prodigiosos. Nem por meio de revelações extra-sensoriais. Mas como fruto maduro da sua capacidade de ler ‘os sinais’ históricos, sociais, políticos e religiosos da sociedade em que vivia. Miriam, uma anônima aldeã da Galiléia, se junta conscientemente á história de rebeldia, de insurreição daquele povo. Um povo de ‘indignados’. De irreverentes. E desobedientes às leis do templo, e aos impostos romanos. Miriam não quis, e nem podia silenciar aquela voz interior insistente. Ela teve que dizer ‘sim’ à sua consciência. Que a ‘intimava’ a fazer brotar, crescer e educar uma vida nova no ‘deserto humano’ que havia se tornado Israel. Jesus é concebido em Miriam como esperança para um povo, antes mesmo que como filho biológico. Miriam já vê Yeshuá como ameaça para alguns e oportunidade única para outros. Talvez, muitos.

Tanto é verdade isso que Miriam sente-se chamada a educar o seu filho para ele se contrapor aos ‘reinantes’ contemporâneos. Que haviam produzido só esterilidade e infecundidade. Esse ‘filho do povo’ governaria o seu povo de forma totalmente nova. Antagônica ao próprio reinado de Davi. De quem ocuparia o lugar. E, naturalmente, ao modo de governar de César Augusto. Ele, Yeshuá, ocuparia, a seu modo, o lugar usurpado indigna e ilegalmente por esses ‘governantes’! Mostraria como é possível fazer brotar fertilidade lá onde parece haver esterilidade. Vida múltipla lá onde parece existir só a mono-cultura do deserto. Da mesma forma que Deus faz brotar vida e esperança dos úteros-entranhas aparentemente estéreis de 'muita Isabel'!
Para que ninguém silencie a voz que intima a gerar novas formas de convivências humanas, de governabilidade, de organização da esperança fragilizada!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Testemunhas de uma 'luz' espalhada que surge das trevas (Jo.1,6-8,19-28)


Num mundo onde parece ser preciso ‘brilhar’ sempre, em qualquer lugar, e a toda custa, estranhamos quando alguém se apresenta como uma simples ‘testemunha da luz’! Quando alguém admite publicamente não ser ele próprio ‘luz’. Mas ser um singelo indicador que aponta para uma luz ‘externa’ a ele. Estranhamos porque significaria para alguns ou para muitos analistas sociais falta de auto-estima. Para outros seria, talvez, admitir incapacidades pessoais que negam ‘o valor de ter valor’. Para outros mais ‘virtuosos’ poderia ser a prova cabal de sua humildade pessoal. Virtude tão louvável quanto rara. Para outros, enfim, poderia ser a constatação real, histórica, de que ‘a luz’ é algo difuso. E que não está concentrada numa só pessoa. Enfim, o reconhecimento de que temos que olhar sempre para além de nós mesmos, e descobrir as miríades de matizes da luz presente nos outros. E sermos comprovadores da sua existência e da sua validade. Talvez seja justamente a descoberta da luz presente também nos outros que nos ajuda a tomar consciência da grandeza da luz que está em nós!João, na sua narração evangélica, manifesta a clara finalidade de ‘submeter’ João a Jesus. Redimensionar a sua espessura moral e profética perante o outro grande personagem contemporâneo, Jesus de Nazaré. Apresentar a sua pregação e a sua missão como ‘algo funcional’ ao próprio Jesus. Independentemente desse compreensível estratagema literário e teológico, podemos identificar na relação João-Jesus algo que significou ruptura radical com dogmas e crenças históricas consolidadas. E, principalmente, fazendo emergir dimensões do ser que afetam os humanos de forma direta.

Aos fariseus bitolados à idéia de um messias poderoso, restaurador do templo e da dinastia monárquica João afirma de forma contundente e ríspida que ‘ele’, João, não era a luz esperada. Mesmo assumindo algumas características messiânicas, o verdadeiro messias tinha outra identidade. E que não correspondia ao que eles esperavam. A ‘verdadeira luz’ já se encontrava no meio deles. Misturada naquela multidão de famintos, de mendigos, decepcionados, e doentes que lhe pediam batismo. E que invocavam a Deus uma ‘nova chance’ para escapar da destruição. O messias dos fariseus, o poderoso salvador, assumia para João, o rosto/destino daquela ‘massa informe’, sem nome, sem identidade e sem prestígio algum. Não haveria provas e nem sinais a oferecer aos fariseus. A não ser a impotência de um povo desejoso de luz, mas que vivia nas trevas produzidas pela arrogância deles. Desejoso de potência de vida, mas se chocando cotidianamente com a morte, a destruição, a falência gerada pela lógica do templo e por uma concepção distorcida de Deus. Era preciso, portanto, tomar uma decisão: esperar e sonhar com um ‘super-homem’ todo-poderoso, uma luz poderosíssima vinda de fora a nos iluminar e salvar ou descobrir e valorizar as inúmeras ‘luzes espalhadas’ que se encontram no meio de nós. Estas, conscientes de não possuírem em si mesmas a plenitude da luz iriam se associar às outras luzes que estão ao seu alcance. Cada uma portadora de novas esperanças. De vidas re-acendidas. De práticas originais. João nos ensina que nós somos vozes emprestadas que gritam, indicadores que apontam, ondas que divulgam e multiplicam a corações cegos e desertificados uma luz que não está só em nós, mas de que podemos ser testemunhas da sua existência e da sua força. De uma luz que não pode ser monopolizada por um ou por outro ‘poderoso redentor’. Mas que ela surge e brilha de forma difusa lá onde as trevas e a noite da vida parecem dominar.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Carta de padre Franco Pellegrini à igreja de Sussuarana


'Queridos irmãos e irmãs o que contemplava até poucos dias atrás só com os olhos mortais, agora eu posso contemplar com a plenitude dos meus sentidos mais profundos: a face luminosa do Pai e Mãe, o Deus de toda luz, de toda esperança, de toda caridade. O Deus de toda vida. É nessa contemplação luminosa que olho para a minha vida terrena, quando estava no meio de vocês. Fazendo ao mesmo tempo memória e balanço do que foi a minha passagem entre vocês. Nasci numa terra bonita, coberta de flores e de muito verde na primavera, mas que reveste de neve e gelo nos rígidos invernos. Uma terra que exigia sacrifício e suor para extrair dela o necessário para comer. À sombra daquelas montanhas, no povoado de Giovo, em Trento, Italia, poucos meses após o fim da segunda guerra mundial, no dia 19 de julho de 1945 mamãe Ana - que ainda vive - e papai Gino, falecido em 1986, anunciaram que havia nascido o quarto dos seus cinco filhos.


Quase como gesto de agradecimento a Deus os meus pais me apoiaram quando lhes comuniquei que queria entrar no seminário das Missões Africanas, em Trento. Em 1955, aos 11 aninhos queria trilhar os mesmos caminhos de muitos missionários que deixam a sua terra e querem comunicar o amor de Deus a todos os filhos e filhas que Ele gerou. Não tinha totalmente clareza, na época, do que significava ser missionário, mas o entendi mais tarde quando comecei a ouvir o testemunho de muitos missionários vindos da África e que passavam por lá. Isso me deu a certeza de que era isso mesmo que Deus queria de mim. Terminei os meus estudos de filosofia e teologia na Itália, em Roma, até ser ordenado sacerdote no dia 17 de abril de 1971 no povoado onde nasci.


Já em 1972 me encontrava no sul do Maranhão, numa cidadezinha da diocese de Balsas, de nome Sucupira do Norte. Lugar sem alguma infra-estrutura, de lavradores sem terra, de grandes fazendeiros com muita terra ociosa. Tudo para ser construído. O bispo de Balsas era um nosso confrade, comboniano, homem cheio de zelo apostólico, o saudoso Dom Rino Carlesi. Ele, como eu, acreditava na força dos pequenos. Com outros confrades começamos a construir a igreja viva, aquela feita de gente que luta, que se organiza, que louva e reivindica. Iniciamos cursos de formação para animadores de comunidades, catequistas. Acreditávamos na força da educação, aquela que valoriza a pessoa e sabe descobrir o melhor que existe em cada um. Em 1977 me chamaram para ficar um tempinho na Itália para animar a juventude, para que outros jovens se abrissem à missão. Tinha 32 anos naquela época. Foi uma experiência intensa, mas que durou só alguns anos, pois recebi na bandeja um convite para regressar ao Maranhão, na paróquia de Riachão a 70 km de Balsas.



Em 1980, portanto, não me fiz de rogado e corri logo para lá. Reencontrei o meu velho bispo que me acolheu de braços abertos. Não perdemos tempo. Havia mais de 50 comunidades espalhadas naquele imenso sertão à espera de alguém que os confirmassem não só na fé, mas também em suas lutas por reconhecimento de direitos e dignidade. Lembro de numerosos conflitos e mortes por causa da posse da terra naquele rincão do Maranhão que parecia esquecido pelo meu Deus. Nunca me arrependi por ter ficado sempre do lado daqueles lavradores desejosos de produzir, mas que não possuíam um pedaço de chão e viviam oprimidos e humilhados por latifundiários sem escrúpulos. Na nossa caminhada pastoral, fé e compromisso caminhavam juntos de forma harmoniosa. E sempre acreditei nisso. Afinal, Deus mandou o seu filho ao mundo para salvar o ‘homem todo’, corpo e alma, e não só um pedaço. Com homens e mulheres de fé e de luta organizamos um sindicato de lavradores muito combativo, um verdadeiro aliado e defensor dos lavradores que não fez o duplo jogo, e não se vendeu como era freqüente naquela época. Apostei juntamente com a igreja de Balsas no surgimento e na consolidação das Comunidades Eclesiais de Base por acreditar que todos, homens e mulheres, e padres, indistintamente, fazemos parte do único povo de Deus, sem privilégios e sem honrarias. Era bonito e prazeroso ver como Deus ‘escondia muita coisa aos sabidos e espertalhões e as revelava aos pequenos’. Quantas vezes agradeci Deus por constatar quão verdadeira era a Sua palavra!


Depois de 4 anos de permanência em Riachão me pediram para prestar um serviço como formador e pároco em São Paulo, no Parque Santa Madalena, onde nós combonianos tínhamos uma casa de formação para teólogos e uma paróquia imensa. Não era o que desejava, mas fui, pois sempre entendi que se me chamavam para algum serviço era porque podia oferecer algo de bom. Em São Paulo havia muita violência, muitas favelas, muito descaso e abusos de todo tipo. Reconheço que no início vivia com saudade do povo do sertão, do luar e das noites cheias de estrelas, dos banhos nos rios, e até das longas e cansativas viagens de ‘desobriga’ nas costas de um burro em que permanecíamos fora de casa mais de mês. Mas a dura e cruel realidade de São Paulo abriu os meus olhos sobre a vida de numerosas famílias das periferias urbanas no nosso País. Entrei firme com os meus seminaristas e com as comunidades eclesiais na construção de novos espaços de humanidade. Priorizamos os menores abandonados, aqueles com deficiência física, os dependentes de drogas. Aí descobri a humanidade que nasce e floresce no meio da brutalidade urbana. Encontrei muita gente inconformada, de luta e de fé. Carregada de humanidade e carinho.


Em 1989 me chamaram de volta para o Maranhão, para trabalhar numa paróquia da periferia de São Luis, na Vila Embratel. Esse também foi um período marcante na minha vida. Com as comunidade daquela abandonada periferia organizamos e promovemos inúmeras atividades e projetos que existem ainda hoje. Apostamos de um lado na força e na participação dos leigos e leigas na igreja e na sociedade, nas pastorais sociais, na atenção aos menores abandonados, na alfabetização de adultos, e do outro lado, na luta pelo solo urbano para que as famílias que vinham do interior do Estado tivessem onde construir a sua casa. Foi aqui que tomei a decisão definitiva de me naturalizar brasileiro. Havia entendido que para mim não haveria outra terra a não ser esta. Foi uma festa quando chegaram a minha carteira de identidade e o meu passaporte inteiramente brasileiros. Passei quase 10 anos em São Luis até o dia em que me pediram para integrar uma comunidade que iria assumir uma presença missionária em Itupiranga, na diocese de Marabá, no Pará. Um território extenso, muitos assentamentos de família sem terra, muitas agressões às pessoas e ao ambiente. Uma paróquia em que fazia quase 4 anos que o padre não andava por lá. Aqui não fiquei muito, pois havia necessidade de integrar a comunidade comboniana que atuava em Balsas, na paróquia do Potosí. Lá consolidamos um projeto pastoral consistente. Com o saudoso amigo bispo Dom Franco organizamos e promovemos encontros, sínodo diocesano, romarias. Parecia-me ter voltado 'às minhas origens' missionárias! Me senti profundamente confirmado no meu ser missionário. Em Balsas fiquei até o meu destino final, Sussuarana.

Com certeza muitos de vocês se lembram quando cheguei em 2004. Confiante e temeroso ao mesmo tempo. Foi um tempo de graça para mim. Realidade nova, mas só em parte. Nunca havia trabalhado aqui, mas como sempre havia acontecido ao longo da minha vida nessa terra, aqui encontrei gente generosa, dedicada, disposta a enfrentar todo tipo de desafio. Hoje, olhando para cada um de vocês me sinto de poder proclamar as mesmas palavras de Jesus o bom pastor: ‘Eu conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem’ Vocês sabem que há sinceridade no que digo. Procurei me colocar, mesmo com as minhas fragilidades, ao serviço de todos vocês, sem julgar e condenar, acreditando que somente unidos podemos construir um novo jeito de ser igreja, de ser família. Pode ser que para alguns tenha parecido duro ou até intolerante, mas acreditem se isso ocorreu foi para manter fidelidade à prática evangélica de Jesus de Nazaré a essa igreja que fez uma opção clara em favor dos pequenos.


Acredito que a melhor forma para continuar a nos sentir unidos é reproduzir e multiplicar os mesmos gestos e as mesmas escolhas de Jesus: anunciar e testemunhar o Reino da vida, da paz verdadeira, da justiça, do respeito e do reconhecimento da dignidade de cada pessoa. Nisso poderemos nos sentir em permanente comunhão entre nós e com a humanidade, para além da morte, para além do tempo, para além de qualquer limite. Um eterno e saudoso abraço a todos vocês e que o Deus da vida vos proteja, vos guarde e vos abençoe,


Padre Franco


Sussuarana, 8 de dezembro 2011 - Salvador na missa de sétimo dia


Os indignados de Piquiá!

Cerca de dois mil moradores do bairro de Piquiá de Baixo, município de Açailândia/MA, irão protestar, amanhã dia 8 de dezembro, na Prefeitura e no Fórum da cidade. Saem para protestar contra a decisão do Tribunal de Justiça que suspendeu provisoriamente a desapropriação do terreno escolhido para re-assentar as famílias do povoado. O suposto proprietário do terreno alega alega ter na área 50 cabeças de gado. “A ideia é fazer uma grande marcha, pois não agüentamos mais ver nossos moradores adoecendo e morrendo, precisamos urgentemente que o Tribunal de Justiça resolva nosso caso e nos dê direito de uma moradia digna”, explica o senhor Willian Pereira de Melo, residente há 30 anos no local. Pesquisas realizadas em 55% dos domicílios do Piquiá, pelo Centro de Referências em Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal do Maranhão, e do Núcleo de Estudos em Medicina Tropical da Pré-Amazônia, revelam que 41,1% da população queixam se de doenças nos pulmões e na pele. Os pesquisadores creditam essas doenças a alta poluição causadas pelas cinco siderúrgicas com fumaça e dejetos depositados no solo e na água da comunidade.

Reivindicações
- Depois de anos de luta, nossa nova terra e nosso futuro estão nas mãos de três juízes de São Luís. Um julgamento está por acontecer e decidirá se a terra fica para 50 vacas, cujos donos têm muitas outras terras, ou se fica para nós, que somos mais de 1.100 pessoas e não temos opção.
- Há 07 anos nossos 21 processos de indenização aguardam julgamento do Poder Judiciário! Por que os pobres têm sempre que esperar tanto?
- O Governo do Estado prometeu muito, enviou secretários de estado e até o vice-governador a nos visitar... Mas até hoje não se comprometeu formalmente a desembolsar nem 1 real sequer para nossas casas!!
- A Prefeitura só desapropriou (finalmente!) um terreno para nós porque foi obrigada. Mas na hora de defender na justiça suas próprias atitudes, fica calada e ainda atrapalha o processo. De que lado está a Prefeitura?
- Há laudos e estudos internacionais que denunciam a gravíssima situação da saúde no Piquiá de Baixo. Mas a Prefeitura fechou o posto de saúde de nosso bairro há mais de um ano e nos fornece água somente poucas horas ao dia. Mais uma mulher morreu há pouco tempo de câncer no pulmão, e ninguém se preocupa com nossa saúde!
- As siderúrgicas continuam poluindo nosso ar, nossa água e solo. O barulho não nos deixa dormir. Nossos processos se bloqueiam pela burocracia e os recursos. Mas nem o Ministério Público nem os órgãos ambientais nunca mandaram parar um forno por respeito à nossa vida!
- A mineradora Vale fica observando tudo isso e se acha limpa. Mas foi ela que trouxe essas siderúrgicas pra cá e é ela que as alimenta de ferro e escoa sua produção. Se ela tivesse realmente interessada em uma solução, já teria exigido isso das siderúrgicas. Mas não: ela quer duplicar, construir um novo Carajás, passando por aqui. E nós nem aguentamos o primeiro! (Fonte: Justiça nos trilhos)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Kaiwá-Guarani - 'A maior tragédia indígena do mundo'

Indignação, raiva, tristeza e impotência. Esses são os sentimentos que se misturam quando se toma conhecimento da sistemática e reiterada agressão ao povo Kaiowá Guarani: Queima de barracos, intimidações, destruição de plantações, sequestros e assassinatos seguido da crueldade do desaparecimento de corpos. Por detrás dessa violência sem fim se encontra o agronegócio no Estado do MS. Os indígenas são vistos como “ervas daninhas” que incomodam os “jardins do latifúndio”, diz Tatiana Bonin. O agronegócio e o latifúndio não toleram os indígenas porque os mais de 30 acampamentos às margens da rodovia mantém viva a consciência de que um dia aquelas terras lhes pertenceram, foram o seu tekoha, agora invadida, grilada, roubada e tomada à força. Os acampamentos dos indígenas com seus paupérrimos barracos de lona preta na beira das fazendas interpelam a consciência dos fazendeiros. Os índios são um “estorvo” em meio à paisagem do gado pastando e da vastidão da soja e da cana-de-açucar. A situação dos indios no Mato Grosso do Sul já foi definida pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat como “a maior tragédia indígena do mundo”. O sistemático massacre a quem têm sido submetidos foi caracterizado como genocídio pela CNBB. “O sangue desta reconhecida liderança, vítima de uma morte anunciada, clama por justiça e pelo fim da violência que há anos atinge e vitimiza este povo”, diz nota da entidade. (Fonte: IHU)

sábado, 3 de dezembro de 2011

Morre, em Salvador padre Franco Pellegrini, comboniano, missionário!

Ás seis horas da tarde do dia 02 de dezembro, em Salvador, faleceu o meu colega e confrade, o comboniano padre Franco Pellegrini, em consequência de uma hemorragia interna após um grave acidente automobilístico. O padre acabava de sair, de carro, de um encontro com outros padres e logo após um micro-ônibus que vinha em sentido contrário invadiu a sua faixa e colidiu violentamente no lado em que ele se encontrava. Algumas pessoas que acompanharam a dinâmica do acidente afirmaram que o motorista do micro-ônibus vinha em alta velocidade perdendo o controle do veículo. Levado consciente ainda ao Pronto Socorro, Franco veio a falecer pouco tempo depois. Franco é mais uma vítima do trânsito bárbaro e louco que produz aproximadamente cerca de 40 a 45.000 mortos todo ano no nosso País. Triste campeão mundial nessa diabólica modalidade.
Italiano, de Trento, naturalizado, com pouco mais de 65 anos, havia passado quase toda a sua vida como missionário aqui no Nordeste. Pessoa inteligente, perspicaz, se distinguiu logo pelas suas opções pastorais claras em favor das pessoas mais excluídas e abandonadas do Maranhão, inicialmente, e de Salvador onde se encontrava desde 2003. Viveu o seu sacerdócio sempre com um entusiasmo contagiante. Nunca entrou na rotina daqueles que aos poucos vêm perdendo o entusiasmo inicial. Persistente, quase beirando a teimosia, não temia se expor e dizer o que pensava, mesmo que isso causasse alguns desentendimentos. Deixa um vazio grande que deverá ser preenchido por todos aqueles que o conheceram, apreciaram, estimaram. E que querem recolher o seu legado e a sua herança espiritual e humana. Obrigado, Franco!

'Preparem os caminhos de vocês para reconhecê-lo no meio de vocês'! - Mt.1.1-8.1.

Em geral, no advento, liturgicamente falando, damos muita ênfase ao fato que ‘Jesus vem’.Que temos que preparar os caminhos ‘para Ele’ poder atuar plenamente. Inconscientemente, imaginamos que os ‘caminhos’ tortuosos, - mesmo que entendidos de forma metafórica, - impediriam a Sua chegada. Ao não corrigi-los o salvador não viria. Ledo engano! O evangelho de Marcos deixa claro que os caminhos a serem aplainados e endireitados têm como finalidade a de facilitar a ‘nossa’ capacidade de reconhecer a presença de Alguém que já é real e atuante. Afinal, somos nós que impedimos a nós mesmos de sentir e usufruir plenamente de uma presença que por si só já é renovadora. Que nos batiza no Espírito Santo. Naquele que não possui barreiras. Que não conhece limites. Que invade espaços e penetra nos ângulos mais recônditos da alma e do ser.

Nesse sentido Marcos nos dá um recado claro e direto. Aconteça o que acontecer, o novo, o transformador, o surpreendente, está por vir, aliás já está aqui. Quem não se dispõe à permanente mudança de vida não poderá ‘reconhecer’ Aquele que só pode ser entendido como ‘transformador permanente’. Que está dentre nós, e dentro de nós para mudar e subverter a realidade de morte e de deserto que virou a vida humana. Só quem compreende isso é que pode ser voz que sabe falar aos ‘desertos humanos’. Só quem sabe que o novo já está no nosso meio é que tem coragem e fé para acreditar que dos desertos humanos pode vir o novo, o inédito de Deus. A superação da escravidão, do desespero, da dor, da opressão secular. Que sabe que o ‘messias-transformador’ não é alguém estranho à sua natureza, mas é gerado e plasmado pelo sonho real de produzir vida nova lá onde existia só deserto e abandono.