‘Depois que fomos presos e conduzidos á Delegacia de Barra do Corda, no dia seguinte, (13 de fevereiro de 2018) os policiais me tiraram da cela, colocaram-me um capuz na cabeça para eu não poder ver nada, e me obrigaram a entrar numa viatura. Desconheço qual foi o lugar onde fomos, pois fiquei encapuzado o tempo todo. Ao chegar ao lugar, ligaram um som em volume muito alto e aí começou a sessão de tortura. Espancamentos, soco na barriga, nas costas. Queriam que falasse os nomes de índios envolvidos nos assaltos que, segundo eles, deviam ser meus cúmplices...Como não podia dizer os nomes, pois desconheço, eles enfiaram a minha cabeça num balde de água e a seguraram lá por muito tempo...Engoli muita água naquela hora. Depois disso, colocaram um saco de plástico na minha cabeça e o apertaram...Depois de um pouco me sentia sufocar, procurava ar, mas não achava. Sei que a uma certa altura apaguei’. Este é o depoimento parcial de um dos três presos indígenas - confirmado pelos outros dois indígenas - que se encontram atualmente detidos na Delegacia de Barra do Corda, após a deflagração da operação policial conjunta que no dia 12 de fevereiro invadiu algumas aldeias da terra Indígena Canabrava á procura de supostos foragidos e assaltantes indígenas. Segundo o depoimento de vários indígenas das aldeias Coquinho, Cabeça de Onça, Sumaúma e Canavial, a operação comandada pelo delegado regional Renilton Ferreira contou com a participação da Polícia Civil, Militar, e da Polícia Rodoviária Federal, deslocando-se com cerca de 6 viaturas e com cobertura de helicóptero. Em momento algum o delegado regional ofereceu aos indígenas algum tipo de mandado judicial, seja para busca e apreensão, bem como para invadir e vistoriar suas casas onde supostamente estariam guardadas as mercadorias roubadas. A operação se caracterizou pela violência espetacular e gratuita. E traumática para muitos indígenas! Muitas casas foram invadidas, objetos atirados ao chão, comida jogada aos cachorros, agressões e ameaças explícitas, e revólveres colocados na cabeça de várias pessoas. Muitos idosos, mulheres e crianças fugiam amedrontados com a chegada dos policiais. Segundo os relatos de vários indígenas não houve nenhum flagrante. Ao contrário, pessoas foram presas de forma arbitrária. O pai de dois suspeitos da aldeia Cabeça de Onça e o irmão de outro indígena da aldeia Canavial foram levados presos para a Delegacia de Barra do Corda e acolá mantidos por 24 horas só pelo fato de que os procurados não se encontravam no local quando da invasão policial. A necessidade de ‘dar satisfação’ à população em geral, e em nome da segurança na área, cometeu-se uma série de abusos de autoridade envolvendo, de forma irresponsável, indígenas inocentes. O pai e o irmão dos três indígenas que sofreram tortura não se intimidaram, e no dia 22 de março formalizaram a denúncia de tortura de seus familiares presos junto à Promotoria Pública de Barra do Corda, notificando também o ocorrido à Defensoria Pública do Estado. A Defensoria Pública Estadual que acompanha o caso informou que já apresentou pedido de soltura dos detidos, haja vista que não houve flagrante, e que os nomes dos três detidos foram feitos em base a uma ‘delação premiada improvisada’ por um adolescente mestiço que havia sido pego em flagrante. O próprio juiz havia determinado numa ‘Decisão’ do dia 16 de fevereiro que fossem soltos após 5 dias. Não se tem notícia de que a Polícia Civil de Barra do Corda tenha debatido e planejado ações de inteligência preventivas para colher dados e informações úteis e embasar uma posterior operação. Não consta também que a FUNAI, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União tenham sido previamente informados. Embora possa ser considerada, nesse caso específico, a súmula 140 do STJ, - que prevê competência da Justiça Estadual em casos de crimes cometidos por indígenas, - sabe-se, também, que existem ainda muitas controvérsias nos tribunais. No caso concreto da operação policial os direitos individuais e coletivos dos indígenas foram simplesmente ignorados. Muitos indígenas temem incursões de milícias armadas querendo ‘fazer limpeza’ na área....
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