sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Pastoral Carcerária do Ceará denuncia em Editorial o 'silêncio' dos vivem atrás das grades

EDITORIAL DA PASTORAL CARCERÁRIA DO CEARÁ

Se o atordoador silêncio que hoje emana de todos os que possuem, direta ou indiretamente, relação de interesse sobre o sistema penal do Ceará, trouxesse o sentimento real de segurança e justiça, talvez já fosse mesmo o tempo de se comemorar. Mas não vislumbramos justiça no momento. Que silêncio é esse que suscita mais dúvidas do que certezas? A mudez tomou conta de autoridades, servidores, instituições fiscais e, o que mais causa espanto: o “grito das prisões” silenciou. Será que tudo que está acontecendo nos cárceres é aceitável pela simples argumentação de que “é uma situação que se impõe?” Reflitamos à luz da lei.O que de fato originou esse silêncio? O que estará de fato acontecendo nas carceragens? Teria o Estado do Ceará encontrado a fórmula mágica para o controle das prisões e, o óbvio desse segredo era apenas mais coerção sobre os corpos? Inacreditável.

Os questionamentos que se podem formular não cabem nesse breve editorial. O fato é que o silêncio que vem de lá causa não só espanto, mas também apreensão. Tensão permanente.A história dos ergástulos nos apresenta outro olhar sobre esse cenário. A origem dessa mudez não está exclusivamente na força coercitiva empregada pela segurança prisional, embora ainda não se possa precisar qual ou quais outras causas o seriam. Um mistério “que se impõe”.Por mais otimista que se possa ser, qualquer euforia comemorativa toma contornos de prematuridade, notadamente pelo fato de que cerca de trinta mil vozes simplesmente calaram passivamente. Um grito inaudível.O ceticismo será companheiro presente até que se possa observar claras ações de justiça caminhando paralelas às ações de segurança. Até lá, que Deus permaneça no controle de tudo!

COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO AO EDITORIAL

Acabo de ler o editorial ‘O silêncio que vem de lá’, publicado pela Pastoral Carcerária do Ceará. Fiquei atônito e desconcertado. Não é para menos!Afinal, após aqueles terrificantes e inesquecíveis acontecimentos do começo do ano, marcados pela violência inaudita por parte das facções - mas também por forças policiais estaduais e nacionais, acreditava-se que o Governo do Estado do Ceará tinha encontrado uma fórmula que combinasse segurança pública com respeito mínimo aos direitos básicos dos aprisionados. E, o que mais interessa, uma política realista de ressocialização. 

Por mera coincidência, li, anteontem, uma reportagem publicada no Jornal Jangadeiro que chamou a minha atenção. Segundo o jornal, só neste ano, o Estado do Ceará gastou mais de 4 milhões de reais em aquisição de armas e na promoção de treinamentos para agentes penitenciários. A reportagem finaliza afirmando que o Ceará já seria referência para outros estados.Com base também nessas informações, torna-se mais esclarecedora a denúncia do Editorial da Pastoral Carcerária cearense. ‘O silêncio que vem de lá’, e o seu ‘grito inaudível’, parece ser o terrificante resultado de uma política do ‘‘tudo está dominado no pacificado Estado do Ceará"! Na realidade, parece-me ser o fruto podre e envenenado da ação repressora do Estado, que impõe submissão humilhante aos vencidos. E que censura toda reivindicação interna e externa. ‘O silêncio que vem de lá’, dos que vivem atrás das grades, é também o silêncio imposto pelos ‘vencedores’ aos seus familiares, cuja voz não pode e não deve mais ecoar.  Mas é, também, ‘o silêncio que vem de cá’! O silêncio cúmplice de uma sociedade que aplaude e se regozija intimamente com a tortura, o aprisionamento humilhante, a punição sádica.

É o silêncio criminoso de instituições, supostamente humanitárias, que se autoconvencem que a única medida social viável para retirar das ruas a ‘bandidagem’ é a ‘política do abate’. Ou o seu encarceramento puro e simples. É o silêncio farisaico de muitas igrejas que, ignorando a prática profética e misericordiosa de Jesus de Nazaré, acham que gritando exorcismos podem expulsar o satanás que se apossou de milhares de jovens infratores.É desolador constatar que mergulhamos num estado de anestesia humana e paralisia social.

Como cidadão, como humano e como padre, continuo acreditando que chegou a hora de ‘quebrar o silêncio’! Ou, como o Mestre da Galiléia já dizia: "O que vos digo na escuridão, dizei-o às claras. O que vos é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados."(Mt, 10,27)

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