....Há dois anos a cultura da morte preside nossa vida cotidiana, o oposto da concepção que da vida tínhamos até então. Há dois anos estamos à espera do pior que poderá vir. Muitos parentes, amigos e conhecidos esperaram menos. Isolados, partiram sem dizer adeus. A vida se transformou num velório permanente, cada um à espera de sua vez ou à espera da vez de pessoas que fazem parte integrante de nossa vida pessoal, como pais, irmãos, filhos, avós.
O que foi agravado pelas omissões do governo e do Estado, que trataram a pandemia como evento propício à minimização e até ao desmonte das políticas sociais e à redução do Brasil a um empreendimento funerário e lucrativo, um indício da decadência da economia de crescimento econômico sem desenvolvimento social. O país revelou-se despreparado para enfrentar no plano social as adversidades próprias do capitalismo subdesenvolvido que se manifestaram na pandemia. Um capitalismo brasileiro, meia-boca, porque de grandes lucros e de grandes misérias ao mesmo tempo. Em casos assim, as sociedades normais e bem governadas são capazes de colocar entre parênteses a cobiça de seus membros mais pretensiosos e sua ambição de poder, suas tendências anômicas e, assim, criar regras de uma sociedade de emergência que lhes permita restabelecer a ordem e assegurar-lhes a sobrevivência. O altruísmo emerge e se sobrepõe ao egoísmo. Esse é o processo natural, historicamente comprovado nas sociedades em estado de normalidade, conscientemente protegidas contra o risco ou a abrangência da anomia.
....Mais grave é que as anomalias decorrentes do encontro perverso entre a pandemia e um governo explicitamente empenhado em desgovernar para peitar a opinião democrática nos revelaram que larga parcela da população lhe é voluntariamente cúmplice nas orientações ideológicas e políticas. Propositalmente comprometida com o desmonte do Estado para revogar direitos sociais. Inimiga de si mesma ao se tornar inimiga do outro e, portanto, de todos. Aqueles 30% dos brasileiros que, mesmo à vista do genocídio e das injustiças crescentes, da miséria e da fome, persistem na fidelidade ao governante transgressor, indicam que uma onda socialmente destrutiva está instalada na estrutura da sociedade brasileira porque já o estava e foi robustecida de propósito. Uma classe média autoritária mostrou que teve condições de viabilizar a tomada e o controle do poder, como fez por meio deste governo. Não é gente despistada apenas. É gente que quer isso mesmo. Gente que acredita que o bom governo é o governo ditatorial, que os direitos são os próprios e não os alheios nem os de todos.
....A banalização da morte é, no Brasil, um programa político. Não foi casual que no começo da pandemia uma economista do Ministério da Economia tivesse feito declaração no sentido de “que a concentração da doença principalmente em idosos poderia ser positiva para melhorar o desempenho econômico do Brasil ao reduzir o rombo nas contas da Previdência.”
(trechos da entrevista do sociólogo à UHU)
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