quarta-feira, 13 de julho de 2022

Política indigenista no Brasil: 'Serei o próximo a morrer?

 Assédios, intimidações e ameaças: servidores da Funai que atuam na Amazônia e em Brasília contam detalhes do dia a dia sob Bolsonaro. Não é segredo que a Fundação Nacional do Índio (Funai) parece ignorar sua principal missão – a proteção aos povos indígenas – durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Não à toa, após o assassinato do indigenista licenciado Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips os servidores da pasta se rebelaram contra a atual diretoria: a categoria lançou, junto ao Instituto de Estudos Socioeconômicos, um dossiê com mais de 200 páginas, uma espécie de radiografia do atual desmonte da Funai, e iniciou uma greve nacional pela saída de Marcelo Xavier da presidência do órgão. 

O cargo é ocupado pelo delegado da Polícia Federal (PF) desde julho de 2019. No período, o governo inundou a Funai com agentes de segurança: para se ter ideia, segundo o dossiê recém-lançado, mais da metade das coordenações regionais do órgão estava sob controle de militares, policiais militares e federais até maio passado. Alguns deles já falaram em “meter fogo” em povos isolados, cometeram agressões físicas contra indígenas e envolveram-se em acordos de arrendamento de reservas. No fim das contas, o brutal crime ocorrido no Vale do Javari (AM) fez com que alguns indigenistas rompessem a mordaça. A maioria dos entrevistados na ativa da Funai relatou em detalhes à Agência Pública parte da rotina de assédios, intimidações e ameaças de morte que tem sofrido nos últimos quatro anos. “Assim, não precisa nem contratar pistoleiros para nos matar”

 Daniel Cangussu foi o único indigenista do grupo ouvido pela Pública a não pedir anonimato, dada sua notória insatisfação com a presidência de Marcelo Xavier. Ele atua há mais de dez anos na Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus, uma das regiões mais ameaçadas da Amazônia, onde se especializou na localização e no contato com povos isolados. “Com o desmonte [da Funai], ficamos desmoralizados na ponta… acabamos ‘isolados’ também. Os invasores sabem que não temos porte de arma regulamentado, nem forças de segurança ao nosso dispor. As intimidações são constantes”, afirma o indigenista. Sua rotina de trabalho envolve tanto o planejamento e a realização de expedições em busca de vestígios de indígenas como também a proteção dos isolados contra grileiros, madeireiros e pistoleiros que cercam as terras monitoradas pela Funai. “No fim de 2021, uma pessoa abordou a gente, eu e minha equipe, em nosso trajeto de trabalho, nos alertando do perigo que estávamos enfrentando. Meses depois, descobrimos que aquela mesma pessoa estava armando uma emboscada para nós”, diz.  O servidor conta que a descoberta ocorreu quase que por acaso, vinda de alguém convidado a participar do ataque. “Quando recebemos ameaças, o relato vem primeiro pela boca dos outros. Receber ameaças [de morte] virou algo comum, infelizmente. Dizem que são ossos do ofício, quando não deveria ser”, afirma. Cangussu narra ainda o avanço de invasores em áreas indígenas entre o Amazonas e o Pará durante o governo Bolsonaro. “Por exemplo: na calha do [rio] Madeira, houve um aumento de atividades criminosas, especialmente desmatamento e grilagem. Nas idas a campo, virou comum passarem caminhões cheios de invasores armados, de pistoleiros, circulando nas áreas indígenas – onde é proibido.”

(A reportagem é de Caio de Freitas Paes, publicada por Agência Pública, 11-07-2022.)


 


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