O Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa brasileira, se tornou um dos principais operadores transnacionais na exportação de cocaína. Hoje, o grupo é responsável por uma parte significativa do fluxo da droga para a Europa e outros mercados secundários. Isso não significa que os cartéis mexicanos, como os de Sinaloa e Jalisco, tenham perdido relevância — eles continuam dominando o acesso ao mercado norte-americano. Em alguns casos, inclusive, recorrem ao PCC como intermediário.
A produção mundial de cocaína nunca foi tão alta. As rotas de distribuição se multiplicam, e os consumidores estão espalhados por todos os continentes. Longe da imagem do chefão estilo Pablo Escobar, o tráfico hoje é operado por redes complexas e descentralizadas. Segundo o relatório de 2025 da ONU sobre drogas e crime, a produção ilegal de cocaína bateu recorde em 2023, com mais de 3.700 toneladas — um aumento de 34% em relação ao ano anterior. Estados Unidos e Europa continuam sendo os principais mercados, mas a Ásia surge como um destino promissor e a África como uma região emergente. A cocaína é hoje uma das drogas mais lucrativas do mundo. De acordo com Laurent Laniel, analista da Agência Europeia sobre Drogas, o tráfico hoje é controlado por grupos que coordenam diferentes etapas: produção, transporte e venda. Não há um comando central, mas sim uma rede de atores que se conectam e operam em conjunto. Segundo o pesquisador Victor Simoni, há uma espécie de “acordo global” entre os grandes grupos criminosos.
Depois de produzida, a cocaína precisa sair da América do Sul. O transporte marítimo é o mais usado, escondido em contêineres, embarcações semissubmersíveis ou por meio de "mulas" — pessoas que levam a droga no corpo ou na bagagem. É nesse ponto que entra o Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa brasileira. Surgido nas prisões de São Paulo após o massacre do Carandiru em 1992, o grupo começou como uma rede de presos que exigia melhores condições. Com o tempo, criou um sistema interno de regras e expandiu suas atividades para fora das cadeias. Nos anos 2000, o PCC passou a controlar o varejo da cocaína nas favelas e diversificou seus crimes: lavagem de dinheiro, tráfico de carros, peças, medicamentos falsificados e até pessoas. Na década seguinte, investiu nos portos e aeroportos do Brasil, especialmente no porto de Santos, o maior da América Latina, para garantir a logística da exportação da droga para a Europa e outros continentes.
Ponte entre produtores e compradores
O PCC funciona como uma ponte entre produtores e compradores. Por exemplo, os colombianos produzem grandes quantidades, mas não têm estrutura para enviar toneladas para portos como os de Roterdã, na Holanda, ou Le Havre, na França. O PCC intermedeia esses negócios, conectando os produtores a operadores logísticos ou máfias europeias, como a 'Ndrangheta italiana ou grupos dos Bálcãs. Além disso, regula preços, protege as cargas e distribui os lucros. Diferente do modelo hierárquico dos anos 1980 e 1990, o PCC opera com uma estrutura horizontal, em rede. Cada integrante conhece apenas o elo anterior e o seguinte, dificultando o rastreamento. Essa forma de organização é eficiente e lucrativa: o grupo conseguiu diversificar as rotas e oferecer cocaína mais pura e barata no varejo. Com o endurecimento da repressão na América do Norte, os traficantes passaram a mirar mercados menos pressionados, como o europeu. Segundo estudos sobre apreensões no porto de Le Havre, a maioria das remessas que chegam à Europa hoje tem o PCC como responsável. Um relatório da Global Initiative de 2023 também aponta que o grupo brasileiro está por trás do aumento do tráfico via África Ocidental, usada como rota intermediária para o continente europeu. A estimativa do tamanho real do mercado de cocaína é complexa. Mas, de acordo com a Direção Nacional de Inteligência e Investigações Aduaneiras da França, enquanto não se intercepta entre 70% e 90% da produção mundial, o modelo econômico do tráfico segue intacto.
Conglomerado de máfias
Hoje, a logística do tráfico conecta uma variedade enorme de produtores e distribuidores. Isso garante um mercado sem monopólio, embora poucos grupos transnacionais controlem o centro da cadeia de valor. Ao lado dos grandes operadores, há traficantes europeus que compram diretamente do Peru e pequenos grupos que adquirem lotes de 10 ou 15 quilos para revenda local. Embora o PCC domine a exportação em larga escala, a distribuição final da cocaína na Europa é altamente fragmentada. Nos principais portos europeus — como Roterdã, Antuérpia, Hamburgo, Le Havre, Valência e Barcelona — a droga é recebida por grupos locais bem estabelecidos. Em 2023, foram apreendidas 419 toneladas de cocaína na Europa, segundo relatório da Agência Europeia sobre Drogas. Mas a Europol alerta: para cada tonelada interceptada, várias outras passam despercebidas. Quanto mais se desce na cadeia, até chegar ao traficante de bairro, mais pulverizado é o sistema. Isso torna o mercado mais resistente — mesmo após operações policiais, ele se reorganiza rapidamente.
Pagamento em cocaína e novos mercados
Muitos intermediários locais são pagos com a própria droga. Isso alimenta o surgimento de novos mercados consumidores, especialmente na África Ocidental, mas também em algumas cidades portuárias da Europa. Após uma apreensão no porto de Valência, por exemplo, parte da carga foi desviada e vendida no mercado local por trabalhadores portuários corrompidos. Especialistas da Global Initiative against Transnational Organized Crime (GI-TOC) afirmam que "os mercados europeus de drogas estão mudando rapidamente". Segundo a entidade, o continente enfrenta uma combinação perigosa de tendências que desafiam as estratégias tradicionais de combate às drogas: uma onda contínua de cocaína, uma epidemia de crack em expansão e uma escassez crescente de heroína, que pode abrir espaço para a entrada de opioides sintéticos. Alguns países iniciaram processos mal planejados de legalização da maconha, o que tem gerado impactos nos vizinhos — como no caso da Alemanha, que legalizou o uso da substância em 2024. Ao mesmo tempo, cresce o número de novas drogas sintéticas, que competem diretamente com as substâncias tradicionais, especialmente por meio da internet. "Em 2024, foram apreendidas 41 toneladas dessas novas substâncias, sendo 47 delas identificadas pela primeira vez", dizem os especialistas da Global Initiative. O lucro gerado pela cocaína tem alimentado o crime organizado com uma quantidade inédita de dinheiro, o que se reflete em mais corrupção e violência. "Essa dinâmica ameaça a estabilidade política da Europa e coloca em xeque a credibilidade das democracias", afirmam os pesquisadores. (IHU)
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