....Em um mundo globalizado e com gente cada vez mais incômoda, disposta a boicotes e a protestar contra chefetes autoritários no Terceiro Mundo, nada melhor que fazer uma eleição. Dá a impressão de que tudo vai bem no Brasil, que tudo está em calma. A democracia sofre ameaças diárias? O desemprego e a falta de oportunidades castigam milhões? Centenas morrem diariamente de uma doença mal enfrentada? As cidades estão caindo sob o controle de esquadrões da morte e milícias? A Amazônia arde? Sim, mas “as instituições funcionam”. No dia 15, de acordo com o número de prefeituras conquistadas, diminuíram de tamanho o PT, o PCdoB, o PSB, o PDT e a REDE, ou seja, todos os partidos à esquerda. A única exceção é o PSOL, que ganhou duas (tinha duas e foi para quatro) e pode vencer em outras duas, no segundo turno, incluindo a cereja do bolo. Sem considerá-las, o saldo do primeiro turno, para os partidos de esquerda, é negativo em 307 prefeituras: perderam 309 e ganharam duas. E quem venceu, nessa métrica? De Norte a Sul do Brasil, a turma de sempre: dos velhos partidos nascidos na ditadura ao PSDB, ao Centrão e à penca de invencionices partidárias recentes. O condomínio que está no poder ficou mais sólido.
Como realizar a mágica de, sem abalar o establishment, em plena pandemia e com uma economia aos cacos, fazer uma eleição e dar uma satisfação à opinião pública nacional e internacional, tendo um desclassificado como Bolsonaro falando e cometendo absurdos diários? Derrotando a esquerda e fortalecendo a direita? Foi uma construção para a qual convergiram diversas iniciativas:
1. Com um sistema partidário caótico e desorganizado, encorajar a proliferação de candidaturas...
2. Diminuir o tempo de rádio e televisão à disposição das candidaturas. Pela primeira vez desde a criação do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, o tempo total foi reduzido a 10’.
3. Candidatos às prefeituras das maiores cidades do Brasil foram convidados a discorrer a respeito de ciclovias, coleta de lixo, trânsito e temas afins. Ai de quem, na hora dedicada às “agendas dos candidatos”, ousasse tratar de temas tabus: desemprego, privatizações, reforma da previdência, ataques de Bolsonaro à democracia. Estava proibida a nacionalização do debate, o que mais interessava às pessoas.
Fizemos uma eleição com resultado encomendado: nossa elite queria que acontecesse, mas que não provocasse marolas. Uma eleição despreocupada em levar os eleitores a votar, que não encorajasse o interesse e a participação. E foi. Batemos o recorde de alienação eleitoral, a soma do não comparecimento com os votos nulos e brancos. A esquerda encolheu, dando fôlego ao discurso do “centro democrático” na próxima eleição. Na extrema direita, a elite apostou que a imbecilidade bolsonarista se desfaria sozinha. E acertou, pois o capitão terminou minúsculo, com seu dedo podre contagiando os que queria beneficiar e se tornando a piada do primeiro turno.
Bom é que há o segundo. O retrato final da eleição não está pronto. E há o grande fato do primeiro. A presença de Guilherme Boulos no segundo turno da eleição na maior cidade do País é um alento para quem preza a democracia. Mostra que, por mais competente que se seja na costura de uma camisa de força autoritária, sempre há um jogo a ser jogado.
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