sexta-feira, 20 de agosto de 2021

XXI domingo comum - VOCÊS TAMBÉM QUEREM IR EMBORA? (Jo.6,60-69)

 ‘Esta palavra é dura’ – Não podia ser diferente. Jesus acabava de derrubar o mito do êxodo, da libertação da escravidão, no Egito. Com críticas ferozes aos antepassados, Jesus fala claramente que os seus contemporâneos continuam tendo uma relação equivocada de Deus e Dele mesmo. Continuam comendo o maná da lei e do ritualismo vazio. ‘Os vossos pais saíram sim do Egito, comeram o maná no deserto mas morreram’. Faltava só dizer que eles estão mortos por dentro! Jesus, o pão descido do céu, - ou seja, que não ficou nas alturas, distante, mas que se fez alimento doando-se, - não encontra adesão e compreensão. Jesus deixa claro que ‘comer o pão descido do céu’ e não se tornar pão a serviço dos irmãos não serve para nada! Para Paulo significa ‘receber indignamente o corpo e o sangue do Senhor’!

‘Murmuravam entre si’ – O evangelista usa a mesma expressão que o autor do livro do Êxodo quando descreve que o povo murmurava contra Moisés, acusando-o de o ter tirado do Egito para deixá-lo morrer no deserto. A murmuração surge quando expectativas subjetivas, projetos pessoais, ambições, interesses individuais e manias de poder não são atendidas. É a revolta silenciosa, escondida e suja, pois falta franqueza e honestidade. A murmuração deixa de ser uma crítica honesta e se torna fofoca, difamação, calúnia.

‘Isso vos escandaliza? - A murmuração faz eclodir o escândalo: o escândalo da morte-Ressurreição de Jesus, o filho do homem, que retorna ao céu de onde veio, mas que muitos não acreditam. A morte de Jesus é escândalo para quem sonha obter privilégios e benesses graças a Ele. Para quem é movido pelos anseios da carne, pelos interesses materiais. É escândalo para quem acha que morrendo tudo acaba. Acaba a carne, pois apodrece, mas não morre o espírito de quem semeou respeito, honestidade, compaixão, amor verdadeiro!

‘Muitos de seus discípulos deixaram de segui-lo…’ É a consequência do escândalo. É o abandono por parte de quem não é atendido em suas expectativas. De quem se iludiu que ia ganhar vantagens apoiando o Mestre. Mas Jesus não senta para fazer média. Para tentar negociar um acordo, para amenizar as exigências do Reino. Os discípulos são livres para abandonar o Mestre, sem medo de serem amaldiçoados ou ameaçados por Ele! Jesus está disposto a seguir adiante sozinho, com ou sem eles. O Reino, afinal, é inegociável!

‘Vocês também querem ir embora? -  Muitas vezes tem-se a impressão que esta mesma pergunta a dirigida a muitos cristãos católicos engajados que trabalham em situação de fronteira. Ao se doar, sem ver muitos resultados, assistindo a um crescente esvaziamento de igrejas, vendo o sumiço de pessoas outrora presentes, e a triste falta de novas lideranças, surge espontâneo se perguntar: ‘o que estou fazendo aqui? ’ ’O que me segura ainda nessa igreja, nessa missão? ’ Às vezes parece que por trás de muito fervor, muita devoção,  muitos louvores não existe o propósito firme de ser pão, de servir sem exigir nada em troca. Muitos querem ser só fregueses de uma igreja que celebra, que canta, que louva, mas que está longe de enfrentar o mal espalhado, a fome, e a desagregação social. Não seria essa uma das causas também da saída ou do afastamento de muitos católicos hoje em dia: achar duro servir, lutar, enfrentar os senhores que dominam, que acumulam, que agridem para ingressar em igrejas aliadas ao governo de turno, e que prometem riqueza, saúde plena e prosperidade? 

‘A quem iremos, Senhor...?’ – A resposta de Pedro é verdadeira pela metade. Está certo reconhecer que Jesus tem palavras de vida eterna, pois Jesus não fala só por falar. Suas palavras são gestos concretos, ações que transformam. E que produzem vida plena, de qualidade. Entretanto, quando Pedro fala que Jesus é ‘o Santo de Deus’ ele se refere ainda a um messias triunfante, que vem na glória, implementando a religião da lei, dos preceitos, e do templo. Tudo o contrário daquilo que Jesus desejava. Os endemoninhados diziam a mesma coisa! Jesus continua sendo o ‘filho do homem’ frágil, sofredor, que se doa gratuitamente, e que ama infinitamente, para além de leis, normas, e da desistência de seus discípulos!


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