domingo, 3 de abril de 2022

“Precisamos esperar o inesperado para saber como navegar na incerteza”. Entrevista com Edgar Morin

 Você publica Réveillons-nous! como um alerta doze anos depois de outro apelo, o do pensador e lutador da resistência Stéphane Hessel, ‘Indignai-vos!’. Você quer nos tirar de uma forma de letargia?

Stéphane Hessel dizia Indignai-vos, dirigindo-se a pessoas que já estavam despertas! Eu tenho a impressão de que vivenciamos os acontecimentos um pouco como sonâmbulos. 

Você foi um lutador da resistência, um combatente quando a França experimentou a guerra. E você é um dos raros intelectuais franceses que foi elevado ao posto de Comandante da Legião de Honra, um título militar. Como você vivencia esse retorno da guerra na Europa?

Certamente, há uma surpresa, mas não total, pois em um artigo que fiz no Le Monde em 2014, na época da crise ucraniana e, já da divisão das províncias de língua russa na Crimeia, eu disse: cuidado, é um foco de infecção que corre o risco de ter consequências desastrosas. E durante anos, fechamos os olhos para essa infecção. E hoje estamos numa espécie de contradição porque, por um lado, achamos que a resistência ucraniana está certa – é uma guerra patriótica –, mas, ao mesmo tempo, pensamos que se entrarmos neste conflito, estaremos arriscando o que Dominique de Villepin chamou de “tsunami mundial”: passo a passo, chegando a uma explosão.

Como você vê esses ucranianos e essas ucranianas que pegam em armas para defender seu país contra os russos?

Para mim, são combatentes da resistência que, desta vez, resistem com um exército nacional, enquanto nós éramos combatentes da resistência desarmados. Acho muito bonito, mas também acho que não podemos nos deixar levar pela lógica da guerra e intervir militarmente. Portanto, eu sinto essa contradição que todos nós vivenciamos e que temos que aceitar.

Em duas semanas acontece o primeiro turno da eleição presidencial e você abordou esta questão no seu livro texto. A campanha para a eleição presidencial de 2022, você escreve, mostra como a França reacionária hoje tem precedência sobre a França humanista. E você não está surpreso?

É um processo que não deixei de analisar e passei a ver o agravamento. É a sucessão de crises que vivemos há algum tempo que explica hoje esta grande evolução da França reacionária. Você tem que pensar que em todo o mundo há uma crise das democracias, uma crise do progresso. Acreditamos durante muito tempo que o progresso era certo, uma lei da história, e percebemos que o futuro é cada vez mais incerto e inquietante.  

Como você explica uma forma de derrota dos intelectuais e políticos de esquerda que não conseguiram dar respostas, não conseguiram se fazer ouvir?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que houve uma crise das ideias socialistas. O socialismo tinha para si uma teoria muito bem articulada, uma concepção do homem, do mundo, da história, formulada por Marx. E hoje, essa teoria tem enormes lacunas. Há uma crise do pensamento político em geral, e particularmente desse lado. Quanto aos intelectuais de esquerda, eles não responderam à missão do intelectual, que é muito importante hoje. Porque estamos em um mundo de experts e especialistas em que cada um vê apenas uma pequena parte dos problemas, isolados uns dos outros. E hoje existe efetivamente essa deficiência. E são atualmente os porta-vozes intelectuais da França reacionária que estão nos holofotes.

 É possível, nestas condições, pensar o futuro com serenidade?

Não podemos ficar serenos diante de perspectivas tão preocupantes. O que eu queria mostrar, mesmo antes da guerra na Ucrânia, é que desde Hiroshima, uma espada de Dâmocles está sobre a cabeça de todos os seres humanos e que se agravou com a crise ecológica, onde é realmente a biosfera, o mundo vivo e nossas sociedades, que está ameaçada. Não é só o clima. O clima é um elemento dessa crise geral e a pandemia também contribuiu para o caráter global da crise. Penso que entramos em um novo período. Pela primeira vez na história, a humanidade corre o risco de aniquilação, talvez não total – haverá alguns sobreviventes, como em Mad Max –, mas uma espécie de “reinício” do zero em condições sanitárias sem dúvida terríveis. É esse perigo que eu já havia diagnosticado como potencial que, de repente, se torna atual com essa história da guerra russa.

Alguns pensadores gostam de olhar para o passado, outros para o presente. E você, temos a impressão de que o que você mais gosta é pensar no futuro?

Mas você sabe, só podemos pensar no futuro se estivermos conscientes do passado e do que está acontecendo no presente. Não podemos pensar no futuro sozinhos. E hoje, o futuro depende dessas grandes correntes que atravessam a humanidade e que são ameaçadoras e regressivas. Portanto, acredito que seja urgente pensar no futuro. Por quê? Porque até agora acreditávamos que o futuro era uma espécie de linha reta que continuaria. Precisamos imaginar diferentes cenários. Precisamos ser vigilantes. Precisamos esperar o inesperado para saber como navegar na incerteza. Há uma série de reformas, a maneira de pensar, de se comportar, que são necessárias hoje.


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