O mundo acaba de entrar em “uma nova realidade”, na qual muitos componentes do sistema climático ameaçam, a qualquer momento, desembocar em um novo estado que exporia “bilhões de pessoas a riscos catastróficos”. Este é o alerta solene emitido por 160 cientistas de 23 países no relatório Global Tipping Points, publicado no dia 13 de outubro e coordenado por Timothy Lenton, professor da Universidade de Exeter, na Inglaterra. Esses pesquisadores estão entre os principais especialistas mundiais no estudo dos chamados pontos de não retorno climáticos. O termo refere-se ao limiar crítico além do qual um elemento-chave do clima da Terra (calotas polares, correntes oceânicas, florestas tropicais, etc.) pode atingir um novo estado, muitas vezes de forma irreversível. Dois anos após seu primeiro relatório, os membros da iniciativa Global Tipping Points destacam o quanto a situação já se deteriorou. A primeira má notícia é que os pontos de não retorno para a biosfera estão “se aproximando mais rápido do que se pensava anteriormente”, afirma o relatório.
Risco de “savanização” na Amazônia
A situação dificilmente é mais invejável para a floresta amazônica. Sujeita aos muitos estresses causados pelo aquecimento global, incluindo secas intensas, ela também deve enfrentar os estragos do desmatamento. Se muitas árvores desaparecerem, esta floresta tropical, que tem a maravilhosa característica de produzir parcialmente sua própria chuva, poderá entrar em um círculo vicioso: produzir cada vez menos precipitações e, não tendo mais umidade suficiente para sobreviver, transformar-se em savana. Este ponto de não retorno também estaria mais próximo do que o estimado anteriormente, ficando abaixo de 2°C de aquecimento, de acordo com os autores do relatório. Estudos citados pelos pesquisadores sugerem que uma perda de 20% da superfície atual da floresta amazônica, combinada com um aquecimento global entre 1,5°C e 2°C, poderia empurrar dois terços da Amazônia para além do ponto de inflexão. No entanto, as incertezas são significativas. Os cientistas estimam que o risco de “savanização” é crível com um alto grau de confiança para certas áreas da Amazônia em nível local, mas com apenas baixa confiança em nível continental.
Oceanos de imprevisibilidade
A situação também é particularmente crítica para as camadas de gelo do mundo, especialmente para as calotas polares. As calotas polares da Antártida Ocidental e da Groenlândia são os dois sistemas glaciais cuja vulnerabilidade é mais certa: seu colapso, uma vez iniciado, continuaria por várias décadas a vários séculos, ou mesmo milênios, levando a uma elevação de vários metros do nível do mar. No entanto, esse ponto de não retorno pode já ter ocorrido. Ele tem ameaçado ocorrer desde que ultrapassamos o limiar de aquecimento de 1°C. Correntes oceânicas, como a AMOC e o Giro Subpolar, também estão ameaçadas de cruzar os pontos de não retorno no nível atual de aquecimento, embora os pesquisadores observem que a compreensão e a evolução desses sistemas estão cercadas de incertezas significativas.
Pontos de não retorno em cascata
O outro ponto saliente e particularmente preocupante do relatório é a interconexão que ele documenta entre a maioria dos 20 pontos de não retorno avaliados. Quando um elemento ultrapassa um ponto de não retorno, é provável que tenha efeitos, na maioria das vezes desestabilizadores, sobre outros componentes do sistema climático, ameaçando levá-los a ultrapassar esse ponto de não retorno por sua vez. A AMOCé o melhor exemplo desses múltiplos possíveis efeitos em cascata. O enfraquecimento desta corrente atlântica, que desempenha um papel crucial na troca de calor entre o oceano e a atmosfera, poderia, por exemplo, exacerbar a desestabilização da camada de gelo da Antártida Ocidental. Ou poderia desestabilizar o fenômeno El Niño no Pacífico, o que, por sua vez, enfraqueceria ainda mais a floresta amazônica. Os efeitos em cascata não se limitam aos sistemas climáticos: os desastres climáticos induzidos ameaçariam representar grandes riscos a elementos-chave da estabilidade de nossas sociedades, “como a segurança alimentar, a infraestrutura energética, a estabilidade econômica e a coesão social, afetando bilhões de pessoas em todo o mundo”, escrevem os autores. “Os danos causados pelos pontos de não retorno serão muito diferentes dos danos clássicos causados pelas mudanças climáticas. Não estamos preparados para isso! Nossos políticos não entendem o que significam os pontos de não retorno”, enfatiza Manjana Milkoreit, pesquisadora da Universidade de Oslo e coautora do relatório.
Principais incertezas
Este conceito de pontos de não retorno é ainda mais difícil de incluir na agenda política porque a ocorrência desses fenômenos permanece cercada por muito mais incerteza do que outros desastres climáticos futuros. Mesmo dentro da comunidade científica, nem todos concordam sobre a sensatez de se comunicar com muita veemência sobre esses pontos de inflexão. Alguns temem que esses mecanismos complexos e ainda pouco compreendidos distraiam a atenção. Isso é ainda mais verdadeiro quando os esforços para se adaptar aos efeitos muito mais diretos e documentados das mudanças climáticas, como a intensificação de secas, tempestades, inundações e outros eventos, já são amplamente insuficientes.
“Pontos de não retorno positivos”
A boa notícia (e há algumas) é que, em termos de mitigação, não há escolha. Quer visemos os pontos de inflexão ou os efeitos mais clássicos das mudanças climáticas, as mudanças estruturais e radicais que os cientistas do clima pedem permanecem as mesmas: reduzir drasticamente nossas emissões de gases de efeito estufa, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e fazer todo o possível para limitar o aquecimento global o máximo possível. A outra vantagem do conceito de pontos de não retorno é que ele também pode ser invocado para manter a esperança e mobilizar a sociedade. O relatório, portanto, discute as possibilidades de ultrapassar “pontos de não retorno positivos”. Transporte público, agricultura e alimentação sustentáveis, ecossistemas... Estes também são numerosos. Assim como a recente queda drástica no custo dos painéis fotovoltaicos, o desenvolvimento de soluções não segue uma trajetória linear. Melhor ainda: um pequeno esforço adicional às vezes pode ser suficiente para provocar uma mudança tecnológica ou social que, um momento antes, parecia uma utopia distante.
A reportagem é de Vincent Lucchese, publicada por Reporterre, 13-10-2025. A tradução é do Cepat.
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