terça-feira, 7 de outubro de 2025

Comentário ao artigo 'Piquiá da Conquista: um ano depois! Uma reflexão' - Por Mansueto Dal Maso*

O propósito da minha reflexão/contribuição é retomar uma questão metodológica que considero essencial em todas as formas de pensar e agir e que, a meu ver, expõe um equívoco estrutural. Não pretendo, com isso, desmerecer qualquer iniciativa/ação e, muito menos, julgar pessoas e grupos que, com dedicação e afinco, gastam energias e dias em prol de causas que consideram importantes.

Em que consiste esse equívoco? Na “leitura/interpretação” da realidade/história. Não a consideramos/tratamos como processo, movimento, algo em constante devir e sim como uma sequência de dados, fatos, momentos, acontecimentos que, supostamente, teriam seu próprio sentido. Mas, ao mesmo tempo, chegamos a reconhecer/afirmar que “tudo está interligado”. Na “interligação”, um fato do presente contém em si o passado e, ao mesmo tempo, todos os possíveis desdobramentos futuros. Assim não é possível dizer “fiz o que devia fazer e agora posso descansar em paz!”. Quem garantirá/reproduzirá as conquistas e as condições indispensáveis para a sua reprodução no futuro? Um exemplo pode explicitar o que se pretende dizer. Uma sequência articulada de ideias, teorias, ações e lutas, entre uma infinidade de conflitos gerados e travados contra forças antagônicas, produziu aquela que chamamos de ‘sociedade democrática’. Alcançado este estágio, seria possível descansar em paz? Tudo indica que não, pois há forças poderosas em ação que visam minar a ‘democracia’ a apontam para outra forma de sociabilidade. Como, então, se organizar e agir tendo em vista não apenas manter e sim também reproduzir a ‘ordem democrática’, mesmo que esta assuma, ao longo do movimento da história, novas feições?  Quem nos garante que não seremos derrotados pelas forças antagônicas? Não basta desejar uma ‘coisa boa’, é necessário recriar constantemente as condições de sua existência. Onde pretendo chegar com isso? Ao que nos interessa diretamente, pois faz parte do acervo de nossas crenças e práticas. Não basta conquistar a terra. As condições de sua conquista devem ser permanentemente recriadas. O latifúndio sempre está à espreita. Não basta desencadear ações que tenham em vista assentar os deserdados. Estes, uma vez assentados, poderão ser novamente expropriados pelo mesmo sistema que os assentou.

Acredito que as considerações feitas em relação ao Pequiá da Conquista se encaixam nesta dinâmica da história. Ao pensar o assentamento, é necessário trabalhar as condições de sua reprodução/sustentabilidade. Caso contrário assistiremos a um progressivo processo de desagregação social que acabará recolocando na estrada quem tinha ganho uma moradia. Claramente estes desafios não são exclusivamente nossos. Movimentos, organizações, sindicados, grupos, etc. ... todos navegamos na mesma ambiguidade. Por fim, há mais uma pergunta/questionamento: quem dará continuidade às nossas ações se, achando que fizemos o que devia ser feito, abandonamos pessoas/grupos no meio do caminho?

*Mansueto Dal Maso, é missionário comboniano, italiano, doutor em Sociologia, há 46 anos no Brasil

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