É bastante arriscado fazer um balanço-análise dos resultados das eleições municipais a partir de critérios meramente numérico-quantitativos onde prevalecem as percentagens, ou seja, o volume de votos recebidos por um determinado candidato e a quantidade de vitórias e/ou derrotas de um determinado partido, ou comparações (numéricas) com pleitos anteriores. Os números por si só, não traduzem de forma razoavelmente fiel a dinâmica do processo eleitoral e o desfecho do pleito. Uma verdadeira análise teria que fazer o esforço de resgatar e fazer emergir “os movimentos-critérios” adotados por determinados grupos de eleitores na definição do seu voto, bem como analisar as dinâmicas/métodos adotados por determinados grupos de candidatos para “conquistar” o voto dos eleitores. O cômputo final não consegue captar tudo isso. Corre-se o perigo de analisar somente o “fenômeno em si”, ou seja, o que, em última instância, aparece: os números, e não os processos que os determinam.
Posta essa premissa, atrevemo-nos, a partir de percepções, depoimentos, informações e hipóteses pessoais, a analisar o sentido-alcance do processo eleitoral municipal que ocorreu no Maranhão. Aceitamos conscientemente de fazer isto mesmo com o risco-desafio de incorrer em possíveis incoerências internas ou de sermos acusados de julgamento das intenções do eleitorado ou de levianas generalizações. O que queremos é tentar captar algumas “sinalizações” que confirmam tendências-hábitos ou que parecem apontar para algo “inédito”, mesmo que no nível micro e localizado.
“È o único dia em que estou valendo alguma coisa! Quanto me dá para votar em você?” (Frase pronunciada por um eleitor de Santa Luzia do Paruá)
Ou dito de outra forma: quem fiscaliza e pune o eleitor que se dispõe a “vender” o voto para um “candidato comprador”? Em todas as cidades visitadas no interior do Estado (07), após as eleições ouviram-se inúmeros relatos de um grande movimento de eleitores que na proximidade do pleito procuraram candidatos para negociar o voto-mandato. Parece-nos algo inédito isso. O movimento histórico que geralmente se constatava, anteriormente, dava conta de que a iniciativa para fazer trocas vantajosas com o voto dos eleitores partia sempre do candidato. Agora, talvez devido às mini-reformas eleitorais introduzidas recentemente, supostamente mais rígidas em relação ao comportamento-hábito histórico dos candidatos, é o eleitor que se sente na obrigação de não deixar passar em branco a ocasião de tirar proveito da “transação eleitoral”. Em que pesem as condicionantes e atenuantes histórico-culturais da concepção-prática “mercantilista” do voto na história desse Estado, parece-nos que as eleições municipais de 2008 representam uma nova e criativa forma local. Esta se revela não somente no fato de ludibriar a legislação eleitoral em vigor - deslocando o foco do réu tradicional, o candidato, para o do eleitor, atualmente, inimputável legalmente, - mas também desvenda a “diabólica sintonia” entre eleitor-eleito para perpetuar formas de barganhas eleitorais. Longe com isso de expressar juízo de valor, revela, antes, que o voto continua sendo uma moeda de troca super-valorizada no grande e competitivo mercado da democracia representativa.
Acabou a identidade partidária, mas se fortaleceu a cultura partidária.
À primeira vista pode soar contraditória essa afirmação. Entretanto é preciso atentar ao fato de que identidade não se confunde com cultura. Entre as duas caberia salvaguardar rigorosamente a primeira, ou seja, a identidade. Com isso queremos dizer que nos é difícil hoje em dia saber identificar uma determinada administração municipal de direita (?) ou de esquerda (?) a partir daqueles elementos tradicionalmente considerados “essenciais” e que a definem de imediato, a saber: o seu plano de governo específico, as formas próprias de participação/elaboração de prioridades, o rigor na gestão/utilização dos recursos públicos, a transparência na prestação pública das contas e outras pérolas de um “politiquês” demodée. Onde estaria hoje, por exemplo, o “ser PT”, ou o “ser PSB”, ou o “ser PMDB”... ou seja, a identidade partidária, própria e exclusiva e que a diferencia dos demais, que faz com que “ele seja ele mesmo” e não outro? E que torna um partido algo único e inimitável em sua identidade ontológica? O que parece unificar todos os candidatos são as mesmas práticas culturais de conceber o mandato, de conquistar o voto, de conseguir uma candidatura no partido (não importa qual), de ausência de empatia com as problemáticas da “urbs-cidade”... As eleições municipais recentes, no Maranhão, parecem revelar que aconteceram à margem das estratégias político-partidárias-identitárias. Responderam a projetos pessoais e/ou de grupos ansiosos em gerir fundos públicos vultosos com a relativa garantia de que eventuais crimes não seriam legal e exemplarmente punidos nem pela justiça nem pelo ignaro eleitorado. E que, ao máximo, haveria formas de constrangimentos públicos logo esquecidos por um eleitorado muito pouco interessado na ética do candidato e mais preocupado em fechar um acordo vantajoso com ele. Entretanto, não se pode ignorar que ficou definitivamente claro que não é mais suficiente para ganhar uma eleição alardear uma suposta identidade de esquerda, ou veiculando uma imagem de tocador de obra, ou de candidato honesto. Tudo isso se não for ladeado por um conjunto de práticas que comprovem a justeza de tais afirmações e, evidentemente, por uma boa dose de empatia pessoal com o eleitorado que exige ser notado e “valorizado” pelo menos durante a campanha em nada adiantaria. Sem querer subscrever o velho ditado segundo o qual “os políticos são todos farinha do mesmo saco”, não há como negar que pelas culturas administrativas adotadas no nosso Estado é impossível detectar a identidade partidária específica de cada administrador.
A "POLÍTICA" fracassou. Viva a "política".
Uma eleição política municipal, muito mais do que a federal/estadual consegue suscitar nos eleitores um intenso envolvimento emocional e paixões irrefreáveis devido também ao fato de que os interesses em jogo são mais próximos, evidentes e imediatos. Se isso parece ser algo comum principalmente nos pequenos municípios do interior do Nordeste, no Maranhão tudo isso assumiu características específicas e de caráter violento. Não estamos nos referindo unicamente aos casos nacionalmente notórios de São Mateus ou Benedito Leite em que o vandalismo alcançou níveis inéditos, mas a uma série de manifestações agressivas que ocorreram em numerosas cidades. Se à primeira vista não representam nenhuma novidade no currículo desse Estado podem manifestar, todavia, de um lado a persistência da concepção da competição na sua acepção mais negativa na política municipal (ou eu ou você, ganhador/perdedor, ...) e, do outro lado, a comprovação de que a máquina administrativa municipal e seu poder de distribuir cargos, empregos, favores, proteções continua sendo o maior motor impulsor da economia local e regenerador das relações sócio-políticas. O cidadão não “emancipado” em seus direitos fundamentais recorre à máquina política local para se sentir reconhecido, seguro e protegido em suas inúmeras fragilidades e incompletudes. Ele o faz de forma corajosa e destemida. É um cidadão que não se esconde, que não coloca a máscara. Toma partido, pois ele opta claramente em favor de um candidato e contra o outro. Só agindo assim, de forma clara, é que poderá contar com possíveis benesses por parte do eleito. Nesse sentido, política entendida como preocupação coletiva com a cidade que é de todos parece estar fadada ao fracasso a partir do processo eleitoral municipal. Entretanto, na ausência de uma cidadania emancipada, madura, as novas relações que se recriam a partir de uma eleição municipal podem dar a sensação/ilusão a determinados grupos de eleitores que eles não estão sós, abandonados, invisíveis e anônimos, mas “alguém” irá olhar para eles. Pelo menos, nem que seja por um dia, alguém se “interessou” por ele e por um curto período terão a sensação de sentirem “vencedores”. E isto basta!
Posta essa premissa, atrevemo-nos, a partir de percepções, depoimentos, informações e hipóteses pessoais, a analisar o sentido-alcance do processo eleitoral municipal que ocorreu no Maranhão. Aceitamos conscientemente de fazer isto mesmo com o risco-desafio de incorrer em possíveis incoerências internas ou de sermos acusados de julgamento das intenções do eleitorado ou de levianas generalizações. O que queremos é tentar captar algumas “sinalizações” que confirmam tendências-hábitos ou que parecem apontar para algo “inédito”, mesmo que no nível micro e localizado.
“È o único dia em que estou valendo alguma coisa! Quanto me dá para votar em você?” (Frase pronunciada por um eleitor de Santa Luzia do Paruá)
Ou dito de outra forma: quem fiscaliza e pune o eleitor que se dispõe a “vender” o voto para um “candidato comprador”? Em todas as cidades visitadas no interior do Estado (07), após as eleições ouviram-se inúmeros relatos de um grande movimento de eleitores que na proximidade do pleito procuraram candidatos para negociar o voto-mandato. Parece-nos algo inédito isso. O movimento histórico que geralmente se constatava, anteriormente, dava conta de que a iniciativa para fazer trocas vantajosas com o voto dos eleitores partia sempre do candidato. Agora, talvez devido às mini-reformas eleitorais introduzidas recentemente, supostamente mais rígidas em relação ao comportamento-hábito histórico dos candidatos, é o eleitor que se sente na obrigação de não deixar passar em branco a ocasião de tirar proveito da “transação eleitoral”. Em que pesem as condicionantes e atenuantes histórico-culturais da concepção-prática “mercantilista” do voto na história desse Estado, parece-nos que as eleições municipais de 2008 representam uma nova e criativa forma local. Esta se revela não somente no fato de ludibriar a legislação eleitoral em vigor - deslocando o foco do réu tradicional, o candidato, para o do eleitor, atualmente, inimputável legalmente, - mas também desvenda a “diabólica sintonia” entre eleitor-eleito para perpetuar formas de barganhas eleitorais. Longe com isso de expressar juízo de valor, revela, antes, que o voto continua sendo uma moeda de troca super-valorizada no grande e competitivo mercado da democracia representativa.
Acabou a identidade partidária, mas se fortaleceu a cultura partidária.
À primeira vista pode soar contraditória essa afirmação. Entretanto é preciso atentar ao fato de que identidade não se confunde com cultura. Entre as duas caberia salvaguardar rigorosamente a primeira, ou seja, a identidade. Com isso queremos dizer que nos é difícil hoje em dia saber identificar uma determinada administração municipal de direita (?) ou de esquerda (?) a partir daqueles elementos tradicionalmente considerados “essenciais” e que a definem de imediato, a saber: o seu plano de governo específico, as formas próprias de participação/elaboração de prioridades, o rigor na gestão/utilização dos recursos públicos, a transparência na prestação pública das contas e outras pérolas de um “politiquês” demodée. Onde estaria hoje, por exemplo, o “ser PT”, ou o “ser PSB”, ou o “ser PMDB”... ou seja, a identidade partidária, própria e exclusiva e que a diferencia dos demais, que faz com que “ele seja ele mesmo” e não outro? E que torna um partido algo único e inimitável em sua identidade ontológica? O que parece unificar todos os candidatos são as mesmas práticas culturais de conceber o mandato, de conquistar o voto, de conseguir uma candidatura no partido (não importa qual), de ausência de empatia com as problemáticas da “urbs-cidade”... As eleições municipais recentes, no Maranhão, parecem revelar que aconteceram à margem das estratégias político-partidárias-identitárias. Responderam a projetos pessoais e/ou de grupos ansiosos em gerir fundos públicos vultosos com a relativa garantia de que eventuais crimes não seriam legal e exemplarmente punidos nem pela justiça nem pelo ignaro eleitorado. E que, ao máximo, haveria formas de constrangimentos públicos logo esquecidos por um eleitorado muito pouco interessado na ética do candidato e mais preocupado em fechar um acordo vantajoso com ele. Entretanto, não se pode ignorar que ficou definitivamente claro que não é mais suficiente para ganhar uma eleição alardear uma suposta identidade de esquerda, ou veiculando uma imagem de tocador de obra, ou de candidato honesto. Tudo isso se não for ladeado por um conjunto de práticas que comprovem a justeza de tais afirmações e, evidentemente, por uma boa dose de empatia pessoal com o eleitorado que exige ser notado e “valorizado” pelo menos durante a campanha em nada adiantaria. Sem querer subscrever o velho ditado segundo o qual “os políticos são todos farinha do mesmo saco”, não há como negar que pelas culturas administrativas adotadas no nosso Estado é impossível detectar a identidade partidária específica de cada administrador.
A "POLÍTICA" fracassou. Viva a "política".
Uma eleição política municipal, muito mais do que a federal/estadual consegue suscitar nos eleitores um intenso envolvimento emocional e paixões irrefreáveis devido também ao fato de que os interesses em jogo são mais próximos, evidentes e imediatos. Se isso parece ser algo comum principalmente nos pequenos municípios do interior do Nordeste, no Maranhão tudo isso assumiu características específicas e de caráter violento. Não estamos nos referindo unicamente aos casos nacionalmente notórios de São Mateus ou Benedito Leite em que o vandalismo alcançou níveis inéditos, mas a uma série de manifestações agressivas que ocorreram em numerosas cidades. Se à primeira vista não representam nenhuma novidade no currículo desse Estado podem manifestar, todavia, de um lado a persistência da concepção da competição na sua acepção mais negativa na política municipal (ou eu ou você, ganhador/perdedor, ...) e, do outro lado, a comprovação de que a máquina administrativa municipal e seu poder de distribuir cargos, empregos, favores, proteções continua sendo o maior motor impulsor da economia local e regenerador das relações sócio-políticas. O cidadão não “emancipado” em seus direitos fundamentais recorre à máquina política local para se sentir reconhecido, seguro e protegido em suas inúmeras fragilidades e incompletudes. Ele o faz de forma corajosa e destemida. É um cidadão que não se esconde, que não coloca a máscara. Toma partido, pois ele opta claramente em favor de um candidato e contra o outro. Só agindo assim, de forma clara, é que poderá contar com possíveis benesses por parte do eleito. Nesse sentido, política entendida como preocupação coletiva com a cidade que é de todos parece estar fadada ao fracasso a partir do processo eleitoral municipal. Entretanto, na ausência de uma cidadania emancipada, madura, as novas relações que se recriam a partir de uma eleição municipal podem dar a sensação/ilusão a determinados grupos de eleitores que eles não estão sós, abandonados, invisíveis e anônimos, mas “alguém” irá olhar para eles. Pelo menos, nem que seja por um dia, alguém se “interessou” por ele e por um curto período terão a sensação de sentirem “vencedores”. E isto basta!
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