Carta de Daniel Comboni a padre Nicola Mazza
Cartum, 28 de junho de 1868
Meu estimado padre,
que o coração de Jesus bom pastor nos preencha com o seu amor infinito e nos torne sempre mais semelhantes a ele. Meu querido padre, quero abrir hoje o meu coração com o senhor que tantas vezes ouviu as minhas confissões. Sinto-me ainda indignado e estarrecido com o que presenciei ontem no mercado central de Cartum. Centenas de escravos acorrentados um no outro, em sua maioria entre 15 a 30 anos, vinham chegando como numa procissão, sujos e trôpegos, bem na hora em que estava me aproximando da praça do mercado, o lugar onde acontecem os vergonhosos leilões. A minha vontade, naquela hora, foi a de gritar. Sei muito bem que essa chaga da escravidão ainda é tolerada por essas terras, mas não por isso pode ser considerada legal e aceita por vários governos. Às vezes me pergunto se eu mesmo não deveria ter sido mais ousado junto às embaixadas e pressionar com mais vigor a condenação daqueles que praticam tal horrível vergonha. Meu querido padre, como tolerar ainda aqueles que tratam humanos como animais? Como aceitar que se venda uma criatura humana como se fosse um bicho? Na minha última carta o informei sobre o êxito que tivemos no mês de março passado quando resgatamos através de negociações e doações mais de 160 homens que foram postos em liberdade. Mas o que é isso diante de milhares de escravos que são arrancados à força de suas esposas, filhos, pais e embarcados para trabalhar em outras terras sem ter nunca mais a chance de se reencontrarem? Peço constantemente nas minhas orações que um dia o chicote dos diabólicos escravagistas seja substituído pelo cajado do Bom Pastor e as correntes de ferro deixem lugar aos direitos divinos da liberdade e da dignidade, as bem-aventuranças do nosso Salvador Jesus. Recebam o meu abraço e peço devotamente a sua bênção,
Seu Daniel
(livremente transcrita pelo blogueiro)
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