segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

A história julgará a Igreja com severidade pelo seu tratamento às pessoas LGBTQ. Artigo de Daniel Horan

 A Igreja tem vergonha e remorso legítimos por algumas coisas que a instituição fez, opiniões que adotou e ensinamentos que ministrou ao longo dos séculos. Isso inclui as Cruzadas e a sua islamofobia adjacente, a justificação da escravidão, a cumplicidade no colonialismo, a proibição da liberdade religiosa, a imagem e o tratamento das mulheres, e a sua história de antissemitismo, entre outros. Ao longo do tempo, passamos a reconhecer que essas atitudes e comportamentos são indefensáveis. E eu acredito que, com o tempo, a história também julgará a discriminação e o tratamento dado às pessoas LGBTQ por parte da Igreja e de muitos de seus membros como igualmente repreensíveis.

Além do desenvolvimento do ensino sobre a liberdade religiosa, lembro-me de outra situação do século XVI, a do frade dominicano Bartolomé de las Casas e da sua defesa da dignidade e do valor inerentes aos povos originários do Hemisfério Ocidental, contra uma argumento teológico e civil predominante que rejeitava os direitos das comunidades indígenas na época da colonização espanhola do chamado “Novo Mundo”. A lógica colonial da época, moldada por uma antropologia aristotélico-tomista defendida por Sepúlveda e outros, sustentava a hipótese de Aristóteles de que certos povos são “escravos naturais” e que, na realidade, seria do seu interesse serem escravizados, por causa da sua suposta inferioridade inerente. Muitos milhares de indivíduos foram abusados e assassinados como resultado disso, tanto em nome da Coroa quanto em nome de Cristo.

Representando a clara visão minoritária da época, Las Casas rejeitava a premissa dos “escravos naturais” e a inferioridade inerente. Ao contrário de Sepúlveda, que nunca havia visitado o “Novo Mundo”, Las Casas falava a partir da experiência vivida e com conhecimento da realidade das comunidades cuja identidade, valor e direitos estavam sendo debatidos na Europa. Para muitas pessoas, especialmente as lideranças civis e religiosas na Espanha, o argumento era meramente teórico. Mas Las Casas entendia por experiência própria o que os defensores dos maus tratos aos povos nativos não podiam imaginar: aquelas mulheres e homens indígenas, cujas vidas e modos pareciam estranhos e “incivilizados” aos colonizadores e aos teólogos continentais, eram inerentemente bons, merecedores de igual dignidade e respeito, e deviam ser reconhecidos como filhos de Deus. Os maus-tratos, a escravidão e o assassinato contra eles não podiam ser justificados e eram pecaminosos. Séculos depois, com a clareza moral e histórica que vem com o tempo, nenhum cristão poderia justificar a posição de Sepúlveda e da Igreja da sua época. Menciono esse caso histórico não porque eu deseje fazer uma falsa equivalência entre a escravidão, os maus-tratos e o assassinatos dos povos indígenas no século XVI e a discriminação e o tratamento a indivíduos LGBTQ hoje.

No entanto, acredito que há pelo menos três pontos dignos de nota para o nosso tempo e para este caso contemporâneo. Primeiro, o ensino da Igreja se desenvolve e, de fato, muda. Isso não ocorre com frequência, mas o ensino mudou e deve mudar quando percebemos que a remota possibilidade de erro em um ensino não infalível é descoberta. Em segundo lugar, pode ser difícil, no atual momento histórico do debate, entender qual resposta está correta. Devemos resistir a manter o status quo simplesmente porque “sempre foi assim”. É bem possível que a forma como tem sido esteja correta e deva ser mantida, mas também é muito provável que haja algo seriamente errado que precise mudar. Mas a única maneira de sabermos a resposta certa nesse caso é nos engajando em pesquisas teológicas e em diálogos que levem a sério as experiências dos indivíduos LGBTQ de uma maneira análoga à seriedade com que Las Casas levou as experiências dos indígenas americanos. Enquanto isso, todas as pessoas devem ser libertadas da discriminação com base na orientação sexual ou de gênero nas instituições católicas e nas comunidades religiosas. Em terceiro lugar, há uma longa e crescente lista de mulheres e homens que foram demitidos de instituições católicas por causa de seu status ou relacionamentos LGBTQ. Embora possa ser difícil para algumas pessoas verem isso agora, especialmente aquelas em posições de poder e autoridade eclesiásticos, acredito que a história julgará a Igreja com severidade pelo modo como suas instituições e lideranças trataram os indivíduos LGBTQ.

Não apenas a história julgará o tratamento passado e atual da igreja em relação às pessoas LGBTQ, mas, mais importante, Deus também está julgando a Igreja.


 

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