domingo, 14 de abril de 2024

Lula entre a fé de mais ou fé de menos, por Luís Nassif

 O grande problema é o produto Lula. O que o governo Lula oferece? Qual a cara do Lula 3? Está certo que Lula é acossado pelo Congresso, pelo mercado, pela mídia e pelos evangélicos. Mas há um universo de políticas que podem ser deflagradas ao largo desse arcabouço institucional.

Tome-se o caso do projeto da Neoindustrialização. Está solto. É um conjunto de “missões” relevantes sem nenhum grupo de trabalho articulando. Programas com tal abrangência envolvem várias instituições públicas e privadas, parte relevante sem ligação direta com o Ministério responsável. Assim, qualquer óbice fora do Ministério paralisa o programa. Foi o que relatamos do programa da cadeia produtiva dos medicamentos – com a meta ambiciosa de produção interna de 70% do que é consumido -, mas esbarrando na falta de condições da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de liberar as autorizações, por desfalque de pessoal – não há concursos desde 2013. Como é que fica? Não adianta reclamar para a Anvisa, pois ela não controla o orçamento. Não adianta reclamar para o Planejamento ou a Fazenda, porque são alvos de demandas de todas as partes e não cabe a eles definir as prioridades. Nem adianta reclamar ao bispo Macedo. Se se trata de um programa estratégico, a decisão teria que ser do presidente da República. Mas Lula está completamente ausente da elaboração do programa, como está ausente de outras políticas públicas relevantes.

Tenho insistido aqui que a política agregadora, capaz de juntar setores dos mais diversos, é o da defesa intransigente da produção. A produção envolve empresários e trabalhadores do setor industrial, comercial, agrícola, de transportes, das Associações Comerciais e das cooperativas, do Movimento dos Sem Terra ao agronegócio. A Neoindustrialização não contempla a produção convencional. Hoje em dia, os heróis nacionais são os traders de mercado, as startups. E as políticas de desenvolvimento seguem biblicamente os ensinamentos de Mariana Mazzucato, que diz que a inovação só pode ocorrer em grandes grupos e startups amparados por políticas públicas e pelo mercado.

Não há uma política sequer para a indústria convencional. Nos longínquos anos 90, a academia mostrava que ganhos incrementais de pequenas empresas podem contribuir muito mais para a produtividade nacional devido à quantidade de PMEs e de pessoas que empregam. Há muito mais que isso. O Brasil tem um grande ativo, de organizações públicas e privadas de alcance nacional – das federações empresariais e sindicais às empresas públicas, ao cooperativismo, agricultura familiar. Há condições fantásticas de, com esses atores, montar revoluções econômicas.

Nos anos 90 descobriu-se os Arranjos Produtivos Locais – empresas de uma mesma região se juntando para criar marcas próprias e atuar em parceria com prefeituras e federações empresariais. Hoje em dia, com a Internet disseminada, há uma ampla condições da criação de Arranjos Produtivos Digitais. Ou seja, um conjunto de empresas de um mesmo setor, organizadas em torno de plataformas, sendo certificadas pelo Sebrae, pelo Senai, pelo Senac. O primeiro passo é organizar uma plataforma de produção – podendo produzir para terceiros. O segundo passo é envolver um banco como o Banco do Brasil, para ajudar na constituição de empresas e marcas próprias. O comércio caminha inevitavelmente para as grandes plataformas. Os programas de digitalização de pequenas empresas são um passo intermediário. O passo final é a formação de consórcios, que possam receber moldes dos produtos a serem produzidos. Podem criar marcas, negociar em conjunto.

O país possui todos os ingredientes para uma política desse nível. E se a liderança fosse de Lula, ele teria, enfim, a bandeira agregadora. Hoje em dia, esse público só vê o Estado quando aparece o fiscal da Receita. São agentes passivos (e vítimas) de políticas econômicas montadas na Faria Lima. O presidente teria todas as condições de devolver a auto-estima a esse personagem, que hoje em dia é fundamentalmente bolsonarista e evangélico. E poderia incluir os pequenos nas políticas públicas.

Bolsonaro conseguiu mobilizar milhões de seguidores dizendo que poderiam salvar o Brasil rezando na porta de quartel. Lula teria condições muito mais concretas – com fé de menos -, mostrando que o produtor, independentemente do tamanho, da religião, da preferência política, é o salvador do país, desde o bar que emprega 4 funcionários às grandes siderúrgicas, desde o agronegócios ao Movimentos dos Sem Terra. Um dia, Lula acordará para essa possibilidade. Espera-se apenas que não seja em 2027.


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