Mas que tipo de Evangelho leu, estudou e amou Vladimir Mikhailovich Gundjaev, o Patriarca Ortodoxo de Moscou e de Toda a Rússia com o nome de Kirill? “De um ponto de vista espiritual e moral", disse anteontem, falando sobre a invasão da Ucrânia, "a operação militar especial é uma guerra santa, na qual a Rússia e o seu povo, defendendo o único espaço espiritual da Santa Rus', cumprem a missão de ‘Aquele que detém’ (ou Katéchon), protegendo o mundo do ataque do globalismo e da vitória do Ocidente que caiu no satanismo”.
Palavras em profundo contraste com aquelas usadas nos últimos anos pelo Papa Francisco:
“É necessário repudiar a guerra, lugar de morte onde pais e mães enterram seus filhos, onde os homens matam os seus irmãos sem nem sequer tê-los visto, onde os poderosos decidem e os pobres morrem. A guerra não devasta apenas o presente, mas também o futuro de uma sociedade. Eu li que desde o início do ataque à Ucrânia, uma em cada duas crianças foi deslocada do país. Isso significa destruir o futuro, causar traumas dramáticos nos menores e mais inocentes entre nós. Aqui está a bestialidade da guerra, ato bárbaro e sacrílego! A guerra não pode ser algo inevitável: não devemos habituar-nos à guerra! Em vez disso, temos de converter a indignação de hoje no empenho de amanhã. Porque, se sairmos dessa situação como antes, seremos todos culpados de alguma forma. Diante do perigo de se autodestruir, a humanidade precisa compreender que chegou a hora de abolir a guerra, de apagá-la da história do homem, antes que seja ela a apagar o homem da história”.
E mais: “As religiões não podem ser usadas para a guerra. Somente a paz é santa e ninguém usa o nome de Deus para abençoar o terror e a violência”. E mais ainda: “Em nome de nenhum Deus pode uma guerra ser declarada ‘santa’”.
Evidentemente a diferença entre os dois homens à frente das duas igrejas cristãs não está apenas na escolha do relógio, que no caso de Francisco é minimalista e no de Kirill é um suntuoso Breguet de 30 mil dólares imortalizado numa foto oficial e depois apagado (desajeitadamente) com o Photoshop. É claro que a passagem evangélica “ama o teu próximo como a ti mesmo” é mais complicada de retocar...
A reportagem é de Gian Antonio Stella, publicada por Corriere della Sera, 03-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
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