sexta-feira, 11 de março de 2011

QUARESIMA I - CONVIVER COM A INCERTEZA E O INDEFINIDO

A narração das ‘tentações’ de Jesus segundo o trecho evangélico hodierno salienta que Jesus nunca teve plena certeza de que as escolhas que havia feito estavam corretas. Jesus sentiu o drama humano de ter que rever sempre tudo. O evangelista situa as tentações de Jesus justamente logo após a ‘confirmação luminosa’ por parte de Deus de que ‘Ele era o filho amado’ (batismo). Logo após a experiência de deslumbramento vocacional em que parecia que Jesus havia tido clareza absoluta da sua vocação e missão. No deserto que é a vida tudo deve ser revisto. Nada é definitivamente adquirido. Em Jesus, sonhos e projetos de vida, oportunidades e possibilidades se misturam a tendências e desejos inesperados, a limites e fragilidades humanas. Ambições, necessidade de reconhecimento público, vontade de dominação e mania de grandeza se entrelaçam com seus imperativos éticos. Com aqueles valores que havia adquirido na sua primeira infância. E que, aparentemente, pareciam definitivamente incorporados e consolidados em sua vida. Jesus sente-se permanentemente dividido e atraído pelo dia-bólico (aquele que dispersa, que desarruma)

Frequentemente fazemos a experiência da dúvida, da incerteza. Parece até irônico: após uma decisão muitas vezes sofrida, que nos custou noites insones e intensa angústia interior, parece que a sensação de incerteza se torna até maior. Mil pensamentos e questionamentos percorrem a nossa cabeça. Vozes interiores parecem murmurar aos nossos ouvidos questionando o que acabamos de fazer. Parecemos dominados pela terrível sensação de termos feito a escolha errada, de termos tomado a decisão equivocada. Às vezes parece ser algo obsessivo. Algo diabólico. Uma verdadeira tentação.

Aqui não se trata de alguém que nunca chega a tomar uma decisão na vida. Que chamado a escolher fica paralisado, pois nunca sabe o que decidir, o que escolher. Que adia infinitamente. Que sempre questiona tudo e todos. Algo patológico. Trata-se, ao contrário, de experiências reais, concretas, humanas. Sentimos vivo dentro de nós o desejo que alguém externo ou uma luz interior clara e objetiva nos confirme sistematicamente naquilo que acabamos de decidir. Isto, porém, não ocorre. Afinal, continuamos sendo nós mesmos, na nossa fragilidade e limitação humana, a arcar com as conseqüências de uma nossa decisão e opção de vida. Este processo de constante discernimento, sofrido e incerto, nos acompanhará durante toda a nossa vida.

É nessa ‘quarentena’ – quaresma da existência humana, da vida, num árido deserto carregado porém de oportunidades e expectativas que Jesus descobre a sua força interior. A força daqueles que não se espantam em ouvir constantemente as ‘vozes interiores’ que questionam e desarrumam as ‘próprias certezas’. Nesse continuo peregrinar, no murmúrio sistemático do dia-bólico, Jesus descobre as possibilidades reais, concretas, de fazer frente às indissociáveis sensações de incerteza e indecisão que vida lhe apresenta. Na busca constante do ‘sim-bólico’ (o que arruma e une) Jesus constrói um novo jeito de ‘estar com’ os humanos!

Um comentário:

Glacy disse...

E nesse deserto pelo qual atravessamos, temos muitas oportunidades de aprender até com as escolhas erradas e não há tempo para culpas, temos que nos reerguer e tocar em frente.