sábado, 2 de abril de 2011

Quersma IV - libertar da cegueira da manipulação e do sentimento de culpa. (Jo. 9, 1-34)



Estão ainda fortemente enraizados em nós cristãos, principalmente, numerosos sentimentos de culpa. Sentimo-nos culpados quando não cumprimos com determinados preceitos que nos foram inoculados como sendo vontade divina. As nossas pequenas ou grandes traições se tornam, assim, traições ao próprio Deus. Traições também ao nosso ser mais profundo que é posse de Deus. Sentimo-nos sujos, inúteis, merecedores de um ‘justo castigo’. Afinal, é assim que funciona a lógica social, a lógica humana. Não passa pela nossa cabeça que Deus pense e aja de forma diferente. Que os sentimentos de culpa que experimentamos ao violar uma ‘lei divina’, - mas que é, afinal, uma lei ‘humana’, - é uma atural reação psicológica. A reação de alguém que foi culturalmente educado, ou manipulado, a se relacionar de forma inadequada com as ‘normas’ estabelecidas por um grupo ou uma instituição social ou religiosa. Chegamos frequentemente ao absurdo de ver pessoas que ao se sentir culpadas esperam e desejam a punição como forma de se libertarem dos fortes sentimentos de culpa que vivenciam. Se esta punição não chega, - porque a sua desobediência à norma/preceito não foi escancarada abertamente, - a própria pessoa começa a alimentar formas de autopunição.



Nada mais lógico, portanto, os discípulos perguntarem a Jesus se o cego era tal como resultado de uma ‘merecedora punição’ pelas suas próprias desobediências ou pelas dos seus pais. A resposta de Jesus é surpreendente. Jesus declara que a deficiência visual daquela pessoa que lhe foi apresentada não era o resultado de nenhum tipo de castigo divino. Ao contrário, ‘ele é assim para que nele, (no cego)’, Deus manifeste o seu poder’! (v.3) Ou seja, Deus não pune e não castiga! Não faz parte da lógica de Deus agir assim. Mais que isso: Deus se revela aos seus filhos e filhas justamente quando eles fazem a experiência da ‘ausência de luz’, do incompleto. Entendamo-nos: Deus se revela nisso não para nos conformar nas nossas trevas, mas para nos abrir ‘os olhos’ sobre inúmeras manipulações e formas de dependência que nos mantêm sob o domínio das trevas, da não luz. Estas são o resultado da ação articulada de muitos ‘guias cegos’ que ‘por afirmarem que enxergam continuam cegos’ e fazem com que outros permaneçam tais.

Jesus, no seu gesto de fazer barro mediante a sua saliva, molhando a terra e colocando-a nos olhos do cego, quer reproduzir simbolicamente o gesto inicial de Deus: criar e plasmar um novo Adão, uma nova humanidade. Um novo ser/humanidade não mais vítima e escravo das trevas das manipulações, dos sentimentos de culpa, do medo, mas esperançoso e aberto para o futuro a ser permanentemente transformado e re-criado. A luz que se experimenta após uma vida de escuridão é infinitamente mais luminosa e iluminadora que a luz da cotidianidade mesquinha de quem se acha ‘vidente’! Muitos irão desconfiar dessa nova criatura liberta e libertadora, como ocorreu com o cego. Irão resistir para não ter que admitir que a sua própria cegueira foi causadora de outras cegueiras. Não haverá, porém, que possa deter a nova coragem, a nova fé, irresistível e arrebatadora, daquele que sabe o que significou passar uma vida sem ’enxergar’!

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