Quando se tornou arcebispo de San Salvador, a oligarquia do país esperava que o Dom Romero fosse um prelado de confiança. A sua formação era a de um religioso conservador e a sua espiritualidade baseava-se naquela do Opus Dei, grupo de sacerdotes e leigos profundamente tradicionais. Porém ele ficou indignado com a violência crescente contra os pobres e contra os que os defendiam. Dentro de algumas semanas depois da sua instalação como arcebispo, um de seus sacerdotes – um amigo próximo, o padre Rutilio Grande – foi assassinado por apoiar alguns camponeses que protestavam pela reforma agrária e por melhores salários. Vários sacerdotes foram mortos depois disso, embora em 1979 estes formavam somente uma pequena parcela das 3 mil pessoas, em princípio, assassinadas todos os meses no país. As elites sociais, militares e eclesiásticas de El Salvador estavam profundamente infelizes com o arcebispo. As 14 famílias que controlavam a economia e que faziam grandes doações à Igreja enviavam um fluxo constante de queixas a Roma. Elas acusavam Dom Romero de se intrometer na política, ratificando o terrorismo e abandonando a missão espiritual da Igreja de salvar almas. Quatro bispos, preocupados que o arcebispo estava questionando os laços deles com a oligarquia, começaram a se manifestar, com virulência, contra ele.
Após o assassinato, os seus inimigos deram início a três décadas de manobras que buscavam evitar que ele fosse declarado oficialmente santo. Uma série de táticas foram postas em prática para impedir que isso acontecesse, tudo liderado pela mesma pessoa que havia recebido a tarefa de defender a causa [de beatificação] de Dom Romero: o Cardeal Alfonso López Trujillo, religioso colombiano profundamente avesso à Teologia da Libertação. Anos se passaram enquanto as autoridades vaticanas examinavam os escritos de Dom Romero em busca de erros doutrinais. Quando nada encontraram aqui, os críticos mudaram de posição para argumentar que ele – Dom Romero– não havia sido morto por sua fé, mas por suas “declarações políticas”. Em 2007, Bento XVI chamou-o de “um homem de grande virtude cristã”. E acrescentou: “Que Romero como pessoa merece a beatificação, eu não tenho dúvida”. (Esta última frase foi estranhamente cortada da transcrição disponível no sítio do Vaticano.) Um mês antes de renunciar, Bento XVI deu ordens para que o processo de canonização de Dom Romero fosse desbloqueado. Foi a chegada do Papa Francisco – que prontamente engendrou uma reaproximação entre o Vaticano e a Teologia da Libertação – o que finalmente fez as coisas andarem. A causa de Dom Romero, disse ele aos jornalistas, estava “bloqueada na Congregação para a Doutrina da Fé ‘por prudência’”. Mas acrescentou: “Para mim, Romero é um homem de Deus”.A beatificação de Oscar Romero é, pois, motivo para um regozijo duplo. Ela honra um homem cujo amor pela justiça e o foco nos pobres eram uma manifestação direta de sua fé. Mas ela também revela que, com a chegada do Papa Francisco, algumas das forças das trevas que se esconderam no Vaticano nas décadas recentes foram, finalmente, derrotadas". (Fonte: IHU)
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