Os povos indígenas alcançaram duas grandes vitórias no início deste ano que passaram quase despercebidas. Na região baixo Tapajós, entorno de Santarém (PA), uma nova “fronteira” de exploração econômica tem se revelado, a partir das mobilizações populares, um verdadeiro centro de resistência política e ecológica da Amazônia. A primeira vitória foi a anulação de uma sentença de primeira instância contra os indígenas, pelo Tribunal Regional Federal (TRF1); e, concomitantemente, uma outra sentença de primeira instância pôs fim à prática do Estado de se recusar a prestar atendimento de saúde aos indígenas. Duas vitórias jurídicas contra racismos praticados tanto pelo governo, no atendimento à saúde, quanto pelo Judiciário, no que toca a regularização fundiária.Primeira vitória: a sentença racista. No final de 2014, o juiz federal Airton Portella lavrou sentença na qual declarava inexistente a Terra Indígena (TI) Maró e, consequentemente, as comunidades indígenas que ali vivem, no rio Arapiuns. Como diria Frantz Fanon, a sentença era um ato racista perfeito numa sociedade racista, com a perfeita harmonia entre as relações econômicas (os interesses dos madeireiros) e a ideologia (a supremacia branca e do progresso). O TRF1 extinguiu o processo das associações/madeireiros contra os indígenas (ou seja, não há mais discussão sobre esse tema) e mandou voltar à primeira instância a ACP que determina que a Funai demarque a terra.
Segunda vitória: o racismo do governo. Outra vitória significativa na comarca de Santarém foi tornar obrigatório o atendimento de saúde das comunidades indígenas de 13 etnias da região. Desde 2001, quase seis mil indígenas reivindicavam o atendimento. O governo federal negava com base em fundamentos preconceituosos, que colocavam em xeque a identidade dos indígenas, e no fato de a terra não ter sido ainda homologada. Dessa vez, a Justiça Federal deu um grande passo na interpretação justa da Constituição Federal. Ao contrário de Portella, Victor de Carvalho Saboya Albuquerque diz que a CF de 1988 colocou fim à postura que visava "aculturar" os indígenas, e escreve que “pelo critério do autorreconhecimento, indígena é aquele que se afirma como tal”. Para Albuquerque, a conduta do poder publico configura “omissão na prestação de serviço”, sendo ilegal a recusa no atendimento à saúde indígena. A liminar estabeleceu o prazo de 48 horas para o início do atendimento. Para Camões, do MPF, o interesse econômico dos madeireiros compromete o direito e a identidade de uma coletividade. Esse é sem dúvida um ponto crucial no aumento dos conflitos no País: “a mensagem daquela sentença era de que o interesse econômico teria que prevalecer sobre os direitos”, disse. (Fonte: Carta Capital)
Nenhum comentário:
Postar um comentário