‘Chega de me doar e de não receber nada em troca’. ‘A gente faz muito para os outros e ninguém nos reconhece. Agora, vou cuidar de mim mesmo’! São expressões sempre mais comuns que apontam que chegamos à época da ‘subjetividade,’ mas também a um intenso egocentrismo. São as típicas atitudes em que a pessoa se encara como o centro de tudo. Como um ‘sujeito autossuficiente’ que dispensa os outros, e que, às vezes, os vê até como o ‘seu inferno’, como já escrevia o escritor francês Sartre. Os outros, na realidade atual, são valorizados na medida em que facilitam a realização de projetos e interesses pessoais. Há pouco espaço para compreender e acolher os outros por aquilo que eles são, concretamente, com suas fragilidades e qualidades, com suas manhas e manias. Ficamos cada vez mais irritados quando encontramos pessoas que desabafam conosco. Temos medo que queiram nos envolver em seus problemas. Ficamos de pavio curto com quem nos liga frequentemente cobrando uma visita ou solicitando mais atenção e afeto. Temos evidentes dificuldades de lidar com familiares que sofrem distúrbios psíquicos, sofrem de Alzheimer, ou outras doenças. Convivem conosco, mas são tratados como estranhos no nosso ninho egoísta!
É nesse contexto que se insere o misericordioso. Ele não enxerga os outros como pessoas a serem ‘suportadas’, nem se coloca numa atitude de superioridade, mas entende que é na capacidade de ‘orientar os desmotivados, encorajar os tímidos, amparar os fracos e ter paciência para com todos’ (1Tes 5, 14) que as pessoas se remotivam para os grandes desafios da vida. Ao fazer isto o misericordioso compreende que a sua própria vida pode se tornar um ‘sacrário itinerante’ no qual ecoam e pulsam as dores e as alegrias, as angustias e as esperanças de toda a humanidade. Ou seja, um renovado espaço de espiritualidade, e de comunhão com o universo inteiro. De fato, de que adiantaria rezar pelos doentes, por exemplo, se não for para termos mais energia para nos dedicar mais intensamente a eles, e amenizar suas dores? Para que rezar pelos oprimidos ou pelas vítimas da violência se não for para termos mais coragem para denunciar os abusos contra direitos e dignidades, e para praticarmos uma verdadeira cultura de paz e de respeito? Para que, enfim, rezarmos pelos nossos mortos – que, afinal, já estão no colo misericordioso de Deus, - se não for para resgatarmos e nos alimentar do seu testemunho de vida, e reproduzirmos seus gestos de amorosidade? A oração ‘em ação’ de Jesus sempre estava diretamente ligada às suas ações de compaixão e misericórdia. Sem a oração Ele não teria sido para os pobres ‘um sacrário itinerante de compaixão e misericórdia’. Sem ‘pessoas doentes e necessitadas’ a serem amadas e perdoadas Jesus não teria alimentado a sua profunda oração. (Publicado na coluna que este blogueiro tem no Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luis )
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