Na década de 70, o povo Ka’apor do Maranhão que ocupava as matas do Alto Rio Turiaçu, vivia encurralado. Milhares de famílias fugindo da seca do Nordeste, e atraídas pelos projetos de colonização, começavam a ocupar a região do Alto Turiaçu, berço do povo Ka’apor desde 1820. Naqueles anos de tensão e conflitos os Ka’apor chegaram à drástica decisão de não ter filhos. Mais tarde explicaram não queriam procriar filhos que tivessem que viver fugindo o tempo todo, e serem submetidos a todo tipo de perseguição. O governo federal, na época, agiu bastante rapidamente e em 1982 demarcava definitivamente as terras dos Ka’apor. No ano seguinte, em 1983, ao visitar pela primeira vez a aldeia Ximborendá, bem próxima de Santa Luzia do Paruá, constatava que 80% das mulheres em idade fértil estavam grávidas. A garantia da terra, a paz restabelecida, e algumas melhorias na assistência médica proporcionaram aos Ka’apor aquela segurança que antes não tinham. Temos aqui um autêntico caso de ‘paternidade responsável’. Ser pais, para eles, não significava simplesmente ‘fazer filhos’, mas se comprometerem em oferecer às novas criaturas verdadeiros espaços de liberdade e de segurança. Pelo contexto bíblico da quarta palavra revelada a Moisés, entendemos que os pais eram, antes de tudo, aqueles líderes sociais que engendravam, biológica e moralmente, pessoas para a liberdade. Homens e mulheres que educavam especificamente as novas gerações a não se conformarem com a escravidão em que viviam, mas a sonharem, sistematicamente, com uma terra própria e livre. Pais e mães que, mesmo perseguidos e torturados, insistiam em moldar ‘filhos e filhas, cidadãos e cidadãs’ para a rebeldia e a resistência contra o ‘falso pai da nação’, o Faraó. Daí o convite divino a ‘honrar, reverenciar e imitar’ aqueles pais que desmascaram as pretensas paternidades de governantes inescrupulosos e escravagistas que ontem, como hoje, se apresentam como pais do povo, mas que são, na realidade, seus opressores e homicidas. Apoiar, e caminhar ao lado daqueles que formavam para a plena liberdade e a autonomia, significava para o povo de Moisés, ter garantia plena de ‘permanecer por longos dias na terra que o Senhor lhes estava dando (20,12).
A quarta palavra nos diz que só teremos um futuro livre e duradouro ‘numa vida/terra espaçosa que o Senhor nos dá’ se soubermos agir como esses pais. Se soubermos cuidar deles e do patrimônio de valores que nos deixaram. Da mesma forma que vem ocorrendo, hoje em dia, com os filhos dos filhos dos Ka’apor, de lavradores, de líderes sociais, de pais trabalhadores que continuam resistindo aos manipuladores inescrupulosos da mesma forma que seus pais. Pai e mãe não são os que geram filhos numa aventura amorosa passageira. Nem aqueles que são obrigados a assumir a sua paternidade pelos resultados dos exames de DNA, e nem porque emprestam legalmente seus nomes nos registros de nascimento. Pais são aqueles que transferem para nós o DNA da sua capacidade de lutar e resistir aos escravocratas de todas épocas. Pais de verdade são os ser lideres dedicados de comunidade, padrinhos amorosos, tias ou vizinhas que movidas pelo afeto e a compaixão lutam ao nosso lado. A esses pais, mestres em humanidade, devemos devoção e amor sem fim, pois eles não reproduzem a autoritária paternidade do Faraó! Na sociedade atual, entretanto, até as pessoas são consideradas mercadoria descartável. Quanto mais, pais idosos e doentes! Muitas vezes são considerados um estorvo, e não um patrimônio moral a ser transmitido e reproduzido. Aumenta, vergonhosamente, a cada dia, o número de casas de repouso e de abrigos insalubres em que os que engendraram vidas e valores são ‘vergonhosamente armazenados’. Com muita leviandade nós filhos nos esquecemos do que o autor do Eclesiastes já nos dizia 2.700 anos atrás: ‘Meu filho, ajuda a velhice de teu pai, não o desgostes durante a sua vida. Se seu espírito desfalecer, sê indulgente, não o desprezes porque te sentes forte, pois tua caridade para com teu pai não será esquecida’. (Ecl.3,14-15)
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