‘Ó meu filho, Deus chamou seu papai para junto de si, e ele foi para o céu. Agora, está num lugar bonito, onde não há sofrimento e nem dor. Lá, do alto, ela vela por nós dois’.
Ao ouvir essas palavras de sua mãe o pequeno Carlos tentou se acalmar. Parou de soluçar, embora suas lágrimas escorressem ainda copiosas a inundar suas pálidas faces. Como confortar, afinal, aquele filho de oito anos que acabava de perder prematuramente seu pai? Como ajudá-lo a compreender que a sua ausência física não significava distanciamento afetivo? A mãe de Carlos, sem esconder o drama humano pelo qual os dois passavam, utilizou a imagem do ‘céu’ como alimentadora de conforto e de paz interior. Isto não faz esquecer a dor intensa, mas procura lhe dar sentido. Sem iludir o pequeno e desconcertado filho, a mãe de Carlos o ajudava a compreender que não havia separação entre vivos e mortos, entre céu e terra, entre visível e invisível. O já adulto Carlos tinha compreendido que, mesmo sem ver e sem acreditar no céu como um lugar físico-geográfico, sentia uma paz profunda toda vez que imaginava seu pai estando junto com o Pai de todos os pais. Agora, não mais amarrado a este ou àquele lugar, mas plenamente livre para estar ao seu próprio lado sonhando, sofrendo, lutando, e construindo junto com ele.
Deus está no ‘céu’ não porque Ele não quer se imiscuir com os dramas e as angústias humanas, mas para não ser ‘aprisionado e manipulado’ por esta ou aquela igreja, ou por movimentos religiosos interesseiros. E nem por aqueles governantes que, cinicamente, colocam ‘DEUS ACIMA DE TUDO’ como pretexto para oprimir a TODOS! O ‘céu’ tampouco não pode ser utilizado como desculpa para fugir dos embates do cotidiano, achando que o que vale nesse mundo é ‘salvar a alma e garantir-lhe um lugar no céu’. Àqueles cristãos que ainda hoje tentam fugir dos conflitos e das perseguições da vida, mantendo um ‘olhar paralisado para o céu’ o evangelista Lucas os sacode com virulência: ’Homens da Galileia porque ficais aí parados olhando para o céu? (At. 1.11)
Jesus na oração do Pai Nosso incorporou para si e para o seu grupo a crença-convicção de que o Pai está no céu porque ‘é o trono de Deus’ (Is. 66,1) O objetivo central de Jesus sempre foi com a construção do ‘Reino de Deus’, aqui na terra. Ele acreditava que se os humanos assumissem as mesmas posturas do Pai, - livres de suas ambições terrenas, - o Reino de Deus tornar-se-ia possível. Somente um governante paterno, justo e compassivo como Deus podia sentar nesse ‘trono-céu’ e administrar com retidão. Já o profeta Isaias nos lembrava: ‘Gotejai, ó mais elevados céus, fazei com que chova justiça; derramem-na em abundância as nuvens. Abra-se a terra e produza a Salvação, ao mesmo tempo faça a terra brotar a retidão’ (Is. 45,8). Para o profeta o céu não é lugar de alienação, nem de fuga das próprias frustrações e fracassos. Ao contrário, simboliza a dimensão em que Deus, no seu trono (céu), administra o universo com plena justiça e amor. E torna-se fonte inspiradora para que os humanos se deixem fecundar pela sua ‘chuva da justiça’. E brote, aqui, na terra, a retidão. Não há, portanto, separação entre céu e terra, mas comunicação ininterrupta, em que a terra se alimenta do que ‘chove do alto’.
O apóstolo Paulo, consciente dessa ligação profunda, na sua carta aos Colossenses incita-os a ‘buscarem as coisas que são de cima, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensai nas coisas de cima, e não nas que são da terra’ (3,1-2). Para Paulo ‘são coisas da terra’ tudo o que representa ambição, preocupação excessiva com o comer e beber, com o poder e a riqueza, o prestígio e a fama. São essas coisas terrenas que nos fazem perder o foco naqueles valores que deveriam ser os alicerces do ‘governo de Deus’: a justiça, a compaixão, a equidade, o amor gratuito, o perdão. Pensar no ‘céu’ hoje significa para os discípulos de Jesus não deixar anestesiar o seu coração. Não mergulhar em alienantes misticismos e em desencarnadas espiritualidades em nome de uma suposta ‘salvação e paz celestial’. Elas nos afastam dos dramas de tantos humanos que continuam vítimas de outros humanos prevaricadores e egoístas. É preciso manter o olhar fixo Naquele que está sentado à direita do trono do verdadeiro Pai-Pastor e ‘destronar’ os falsos pais-pastores. Aqueles que teimam em ignorar ‘as coisas do alto’, e se deixam pautar pelas ‘coisas terrenas’ semeando destruição, medo, ódio e desespero. Hoje não precisamos de pais que nos ‘conformem’ quando perdemos pessoas amadas, sonhos, projetos de vida, afetos. Precisamos de ‘pais pastores’ que nos incentivem a acreditar que é possível construir conosco uma ‘nova terra’, aqui na terra, inspirados pelo ‘novo céu’ inaugurado definitivamente por Jesus de Nazaré, o herdeiro do ‘PAI QUE ESTÁ NO CÉU’.
(Este blogueiro escreve todo mês no O jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luís)