sexta-feira, 10 de abril de 2020

A morte do Galileu Jesus - algumas despretensiosas anotações históricas...

Muito se tem escrito sobre a morte de Jesus o Galileu, ou Nazareno, ao longo da história. Historiadores, arqueólogo, exegetas, filólogos e eruditos de todos os gêneros têm tentado compreender os motivos legais, os mandantes, os julgadores e os executores materiais da morte de Jesus. Muitos desses estudiosos seguem à risca os textos evangélicos como se eles fossem crônicas históricas fidedignas. Outros, ao encontrar evidentes contradições, e equívocos históricos e culturais tentam interpretar de acordo com suposições e interesses supostamente científicos. Outros, enfim, se valem de claros interesses e/ou preconceitos de caráter ideológico, tentando responsabilizar ou livrar este ou aquele grupo (povo judeu, os romanos, o Sinédrio, etc.) da crucificação de Jesus. 
Muitas questões permanecem abertas, mas é preciso deixar claro o que parece ser um consenso, hoje em dia, sobre as narrações da paixão e morte de Jesus.
1. Não consta que houvesse um ou mais cronistas assistindo e acompanhando como repórteres os interrogatórios, o julgamento e a condenação legal de Jesus. De onde viriam essas informações que, à primeira vista parecem tão detalhadas? E, ao mesmo tempo, tão contraditórias entre si e com muitos testemunhos históricos e culturais da época?
2. As evidentes contradições nas narrações evangélicas a respeito da paixão e morte de Jesus manifestam de um lado a inexistência de um núcleo comum fidedigno de informações históricas que abasteceram os quatro evangelistas, e do outro, a inegável preocupação e interesse teológico e catequético de cada evangelista, por escreverem a uma comunidade específica, com objetivos próprios... Aliás, todas essas narrações são, fundamentalmente, teologias.
3. Quanto à crucificação, - não importa o tamanho e o formato da cruz, - era uma penalidade especificamente romana, mesmo que eles a tenham copiado de outros contextos culturais. Ou seja, sabe-se que os romanos executaram materialmente Jesus, segundo uma das muitas penas mortais, e não os Judeus! Isto não significa que não haja havido uma ‘aliança pontual’ entre eles (quem, afinal? As elites sacerdotais, os fariseus, os saduceus, todos eles juntos?) para liquidar o ‘incômodo compatriota’. 
4. Sobre o motivo legal determinante para justificar a morte de Jesus, parece existir um grande consenso entre os estudiosos de que teria sido por causa do ‘incidente da expulsão dos mercadores no templo’. É um dado de fato que esse episódio é narrado, - embora em contextos diferentes, - pelos quatro evangelistas. Isto significa que, com boas probabilidades, aconteceu realmente e que teve uma importância extraordinária na compreensão e na vida dos primeiros cristãos. Além disso, está provado que não foi um mero ‘incidente’, mas uma ‘ação militar premeditada’ por Jesus e o seu grupo, mesmo que de caráter pedagógico-demonstrativo. Fazer toda aquela confusão, com a presença de numerosos guardas do templo e funcionários, e sair ileso, leva a crer que houve planejamento prévio, com proteções e facilitações dentro do próprio templo e anteriormente pensadas. O ataque ao sentido e à imagem do templo, logo um ataque ao coração da Religião oficial, deve ter desencadeado indignação e revoltas internas entre as elites sacerdotais e escribas, de forma que não poderiam perdoar mais uma provocação do atrevido Galileu!
5. O julgamento e os diálogos entre Jesus e os sumos sacerdotes, Pilatos, Herodes, com toda probabilidade, nunca existiram. São diálogos fictícios com objetivos mais catequéticos que históricos. Existem muitas incoerências internas e hábitos processuais inéditos e inverossímeis que tornam a descrição do julgamento não confiável. Pilatos descrito por contemporâneos romanos como cruel, corrupto e selvagem não combina com a descrição benévola dos evangelhos. Ele como governador não perdia tempo para julgar e liquidar um ralé desconhecido, um plebeu, escravo, revoltoso....Afinal, para ele, Jesus não passava disso! Os romanos, por exemplo, nunca iriam pôr em liberdade um Barrabás só porque o povão pediu. E assim por diante....
6. Por último, a crucificação e a morte de Jesus. Impossível determinar o horário e o período. Tudo responde a uma lógica teológica. Marcos, o mais confiável desde um ponto de vista histórico, parece retratar com fidelidade o que ocorria aos crucificados: 1. O povão não podia ficar próximo dos crucificados; Marcos diz que ‘não havia ninguém debaixo da cruz de Jesus, mas só algumas mulheres que olhavam de longe...’. 2. Alguns historiadores sustentam com certo embasamento que os crucificados eram deixados por vários dias nas cruzes, após a morte. Em muitos casos eram estraçalhados pelos abutres. Portanto os relatos do momento crucial são verdadeiras catequeses coerentes com o todo do seu evangelho. João, por exemplo, cria a sua teologia eclesial no momento da execução-morte de Jesus. Aliás, Jesus, antes de morrer grita que está ‘tudo realizado’ e, espantosamente, não diz que ‘morreu’ mas que Ele simplesmente ‘ex-pira’, ou seja, joga fora o ar-espírito para que a nova igreja representada pelo discípulo/comunidade amado e Maria, símbolo da transição da ‘velha igreja judaica’ com a nova igreja de Jesus ressuscitado, - que está ao pé da cruz, - ‘in-spire’ o Seu mesmo espírito. E em Marcos o próprio grito de Jesus ‘Eli, Eli, lama sabactáni’ responde, claramente, á teologia-catequese de Marcos, ao Jesus profundamente humano, humilhado, derrotado, abandonado, e mesmo assim, fiel, como deviam ser os seus interlocutores e seguidores! Estéreis são, portanto, as históricas discussões se Jesus morreu gritando como um desesperado sentindo-se abandonado pelo Pai...
É a partir da morte violenta, cruel e real, histórica, biológica de Jesus que todo ser, independentemente da sua fé em Jesus, é chamado a se confrontar com algo iniludível: dar um sentido à sua vida e à sua própria morte, ou acolhê-la como uma fatalidade, como castigo, um incidente, ou como um cessar biológico, nada mais...Jesus de Nazaré e muitos outros crucificados da nossa época têm algo a dizer sobre isso....


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