sábado, 2 de maio de 2020

IGREJAS VAZIAS, UM SINAL DE DEUS? Por Tomás Halik

A Igreja como hospital de campanha
Que tipo de desafio essa situação de pandemia representa para o cristianismo, para a Igreja (um dos primeiros “agentes globais”) e para a teologia? O Papa Francisco disse que a Igreja deveria ser um “hospital de campanha”: uma metáfora que indica que a Igreja não deve ficar em um esplêndido isolamento do mundo, mas deve derrubar as suas fronteiras e ir, levar ajuda a todos os lugares onde as pessoas se encontrem necessitadas física, mental, social e espiritualmente. Se a Igreja deve ser um “hospital”, obviamente ela deve continuar oferecendo a mesma assistência sanitária, social e caritativa que ofereceu desde as origens da sua história. Mas, como qualquer bom hospital, a Igreja também deve realizar outras tarefas. Deve fazer diagnósticos (identificando os “sinais dos tempos”), fazer prevenção (criando um “sistema imunológico”, em uma sociedade em que dominam os vírus malignos do medo, do ódio, do populismo e do nacionalismo), e fazer convalescência (ultrapassando os traumas do passado com o perdão).
Igrejas vazias como sinal e desafio
Neste ano, durante a Quaresma, não houve celebrações religiosas em centenas de milhares de igrejas em diversos continentes, mas, também, em sinagogas e mesquitas. Como padre e teólogo, reflito sobre essas igrejas vazias ou fechadas como um sinal e um desafio de Deus. Compreender a linguagem de Deus, nos acontecimentos do nosso mundo, exige a arte do discernimento espiritual, que, por sua vez, exige um desapego contemplativo das nossas emoções e dos nossos preconceitos exacerbados, assim como das projeções que damos aos nossos medos e aos nossos desejos.
Nos momentos de calamidade, os “agentes adormecidos de um Deus mau e vingativo” difundem o medo e preparam um capital religioso para si mesmos. Há séculos, a sua visão de Deus levou água ao moinho do ateísmo. Mas, em um momento de calamidade, eu não vejo Deus como um diretor de mau humor, comodamente sentado nos bastidores dos acontecimentos do nosso mundo. Mas sim como uma fonte de força que opera naqueles que, nessas situações, dão provas de solidariedade e de um amor desinteressado, incluindo também aqueles que agem sem uma “motivação religiosa”. Deus é amor humilde e discreto. Talvez este tempo de edifícios eclesiais vazios ponha simbolicamente em evidência o vazio escondido das Igrejas e o seu possível futuro – se não fizermos um sério esforço de mostrar ao mundo um rosto do cristianismo completamente diferente. Preocupamo-nos muito em converter o “mundo” (o “resto”), e menos em convertermo-nos a nós mesmos; e isso não significa apenas “melhorarmo-nos”, mas passar radicalmente de um estático “ser cristãos” a um dinâmico “tornar-se cristãos”.
Um apelo à reforma
Talvez devamos aceitar a atual abstinência de serviços religiosos e de atividades da Igreja como kairós, como uma oportunidade para pararmos e fazermos uma reflexão profunda e empenhada diante de Deus e com Deus. Estou convencido de que chegou o momento de refletir sobre como continuar o necessário caminho de reforma, indicado pelo Papa Francisco: não tentar regressar a um mundo que já não existe e, também, não confiar apenas em meras reformas estruturais exteriores, mas ir ao centro do Evangelho, fazer uma viagem ao interior. Não vejo como uma solução limitada, sob a forma de substitutos virtuais – como, por exemplo, a transmissão das missas pela televisão –, possa ser uma solução suficiente, neste momento em que o culto público está suspenso. Uma passagem à “devoção virtual”, à “comunhão a distância”, de joelhos na frente de uma tela, é algo sumamente bizarro. Creio que deveríamos, sim, pôr à prova a veracidade das palavras de Jesus: “Onde estão dois ou três reunidos no meu nome, aí estou Eu no meio deles”. Talvez esse “estado de emergência” atual seja um indicador do novo rosto da Igreja. E também um precedente histórico. Estou convencido de que as nossas comunidades cristãs – paróquias, congregações, movimentos eclesiais e comunidades monásticas – deveriam procurar se aproximar do ideal que deu origem às universidades europeias: uma comunidade de alunos e de professores, uma escola de sabedoria na qual a verdade é buscada através do livre debate e, também, da profunda contemplação. Tais ilhas de espiritualidade e de diálogo poderiam ser a fonte de uma força capaz de curar um mundo doente. Na véspera da eleição papal, o cardeal Bergoglio citou um trecho do Apocalipse em que Jesus está à porta e bate. E acrescentou: hoje, Cristo bate a partir de dentro da Igreja e quer sair. Talvez seja aquilo que ele acabou de fazer.
Onde fica a Galileia de hoje?
Neste ano, muitas das nossas igrejas estavam vazias na Páscoa. Mas pudemos ler na nossa casa as passagens do Evangelho sobre o túmulo vazio. Se o vazio das igrejas evoca o túmulo vazio, não ignoremos a voz que vem do Alto: “Ele não está aqui. Ressuscitou! Ele vos precederá na Galileia”. Onde fica a Galileia de hoje, onde podemos encontrar o Cristo vivo? A principal linha de demarcação já não é entre os que se consideram crentes e os que se consideram não crentes. Há quem esteja “em busca” sendo crente (aqueles para quem a fé não é uma “herança”, mas sim um “caminho”), e há quem seja não crente, que rejeita os conceitos religiosos que lhe são propostos pelos que o rodeiam, mas, ao mesmo tempo, sente o desejo ardente de algo que satisfaça a sua sede de sentido.Estou convencido de que a “Galileia de hoje”, onde devemos procurar Deus que sobreviveu à morte, é esse grupo dos que estão “em busca”.
Buscar Cristo entre os buscadores
A teologia da libertação nos ensinou a buscar Cristo entre as pessoas que estão à margem da sociedade. Mas também é preciso buscá-lo por entre as pessoas marginalizadas na Igreja, entre aqueles “que não nos seguem”. Se quisermos entrar em relação com eles como discípulos de Jesus, devemos abandonar várias coisas.Devemos abandonar muitas das nossas velhas ideias sobre Cristo. O Ressuscitado é radicalmente transformado pela experiência da morte. Como lemos nos Evangelhos, até mesmo as pessoas que lhe eram mais próximas e por Ele mais queridas não o reconheceram. Não devemos só tomar como boas as notícias à nossa volta, mas também insistir em querer tocar as feridas. Além disso, onde estaríamos certos de poder encontrá-lo senão nas feridas do mundo e nas feridas da Igreja, nas feridas do corpo que Ele assumiu sobre si?Devemos abandonar os nossos objetivos de proselitismo. Não entramos no mundo dos buscadores para “convertê-los” o mais rapidamente possível e encerrá-los nos perímetros institucionais e mentais das nossas igrejas. Nem mesmo Jesus tentou introduzir à força aquelas “ovelhas perdidas da casa de Israel” nas estruturas do judaísmo do seu tempo. Ele sabia que o vinho novo deve ser derramado em odres novos.

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