20 anos atrás, ao voltar com vários colaboradores de uma solenidade de formatura de um casal indígena que acabava de se formar em magistério, nas proximidades de Araguanã, no dia 04 de fevereiro de 2001, vinha a falecer num acidente de carro o Padre Carlo Ubbiali, amigo, irmão e companheiro. Ele havia nascido em Brignano (Bergamo - Itália) aos 28 de junho de 1939. Após o curso preparatório é enviado pelo então bispo de Cremona, ao Brasil, na diocese de Viana, no estado do Maranhão. Padre Carlo chega a Viana num momento delicado. Após a morte do bispo Dom Francisco Hélio Campos, considerado pelo regime militar como bispo perigoso por ter assumido a causa dos direitos dos lavradores e pobres daquela terra, é nomeado bispo de Viana o capuchinho Adalberto Abílio Paulo da Silva. Padre Carlo após um breve período de serviço pastoral em São Vicente Ferrer transfere-se para Boa Vista do Gurupi, na diocese de Cândido Mendes, hoje Zé Doca. Começa a ter os primeiros contatos com a realidade indígena, pois Boa Vista era uma cidade muito freqüentada pelos índios Tembé, Ka' apor e Timbira que ocupavam a Alto Turiaçu. Fundador do Regional CIMI -MA (Conselho Indigenista Missionário do Maranhão) começa a articular a pastoral indigenista nos estados do Maranhão e Tocantins e a desencadear campanhas e mobilizações. A mais significativa destas, e que marcou a vida do padre, foi a sua participação em 1981 na transferência de um grupo de índios Guajá, índios nômades e com poucos contatos, para garantir-lhes a integridade física na atual Terra Indígena Awá-Guajá. Além disso, em 1982 articula com outras personalidades e movimentos de São Luís e do Maranhão inúmeras mobilizações de resistência à instalação da Alumar, ao Projeto Carajás e à ferrovia que originou impactos nocivos aos povos indígenas e comunidades situados às suas margens. Em 1990 em ocasião da assembléia nacional do Cimi é eleito vice-presidente nacional da entidade, sendo presidente Dom Tomás Balduíno. O último sonho da vida dele era iniciar um projeto de educação formal dos índios Awá-Guajá e a criação de uma escola de Ensino Médio para os índios Guajajara na Terra indígena Pindaré como forma de eles se tornarem artífices do seu futuro segundo seus valores, sua cultura, seus projetos de vida. Algo que se efetivou após alguns anos.
Após 'longos' breves 20 anos, o missionário de Brignano, Bergamo, continua marcando presença e inspirando quantos se colocam ao lado da causa indígena. Imagino, por um momento, o que Carlos diria e faria, hoje, ao ver as tentativas da Funai em liberar garimpos e mineração em todas aquelas terras ainda não plenamente homologadas e diante de um presidente da República cuja prioridade para este ano coloca a 'mineração em terras indígenas', ignorando a situação de calamidade que o País vem enfrentando. Hoje, Carlos teria a nobre idade de 82 anos e não me é difícil imaginar o que aquele idoso faria se estivesse vivo e atuante no nosso meio...Certamente dedicaria mais tempo a leituras e momentos de espiritualidade que ele cultivava sistematicamente; daria mais tempo a amigos e a momentos de confraternização, aproveitando tudo o que a vida, a amizade, a fraternidade oferece de bonito e gostoso; continuaria fazendo algumas visitas seletivas a algumas aldeias próximas, dirigindo pessoalmente o seu carrinho e permanecendo nas aldeias ouvindo contos e cantos, histórias e estórias de um passado não tão mítico de povos resistentes e....anotando tudo naquela caderneta encardida que sempre levava junto. Não dispensaria, ao chegar à sua base em São Luís - como ele havia escolhido poucos meses antes de falecer, - chamar colaboradores e amigos para tomar juntos um vinho e assar uma carne vermelha, e entre uma análise e outras, não deixaria de apreciar algumas lorotas dando gargalhadas contagiantes. Pois, aqui estamos, hoje, 20 anos de presença real, não de um fantasma ou de um espírito desencarnado, mas de uma pessoa que nunca se ausentou entre aqueles que não desistem em senti-lo próximo!
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