domingo, 10 de dezembro de 2023

Quais caminhos João preparou para Jesus?

João Batista na tradição litúrgica do advento parece adquirir uma importância incomum. A sua pregação bastante antagônica à de Jesus parece se sobrepor à mensagem e ao testemunho do próprio Jesus. O que chamou a atenção dos organizadores da caminhada litúrgica para dar centralidade a esse profeta do Antigo Testamento? Em que sentido João teria sido o ‘precursor’, aquele que prepara o caminho a Jesus? Afinal, que caminhos são esses? 

Não há dúvida de que João se move dentro da ‘velha teologia’ judaica segundo a qual a vinda do messias seria próxima e devastadora. João, que supomos ser filho de Zacarias, sacerdote, foi educado a incorporar uma concepção bastante rígida de ‘Deus’. Um Deus ameaçador, intransigente e intolerante. A sua pregação não prevê ‘salvação’ sequer para os que ‘produzem frutos’. Parece ter plena certeza de que a sua geração, a nação Israel, está num nível de degradação social e religioso tal que é incapaz de reagir diante da iminente ‘vinda justiceira’ de Deus. Ele prega a conversão comportamental, a assunção de gestos e escolhas que apontam para uma certa justiça social, mas não deixa claro que as pessoas ao fazerem isso teriam chance de salvação. Pelas informações embora suspeitas dos evangelistas podemos supor que houve uma certa convivência inicial entre Jesus e João e, posteriormente, entre os dois grupos de discípulos dos dois profetas. Há suficientes indícios de rivalidades e disputas entre eles ao longo das narrativas evangélicas. Bastante complexo definir quem influenciou quem, qual o peso de um e de outro, quais discípulos de um que se transferiram para o grupo do outro...Vamos, contudo, adotar a informação segundo a qual a pregação de João despertou o interesse de Jesus e, de certo modo, o colocou em crise. Não há como negar de que há um Jesus antes da experiência do Jordão, - portanto, na sua breve e densa experiência com João e o seu grupo, - e o Jesus após isso. Voltemos, agora, à pergunta inicial: quais caminhos João teria preparado? Afinal, mal se conheciam, e João não era um adivinho para saber que Jesus era ou teria se tornado o ‘messias’. Afinal, João sempre duvidou da identidade messiânica de Jesus. Só lembrar os ‘emissários’ que João enviava a Jesus perguntando se ‘era ele mesmo o enviado ou deviam esperar outro’. Sem falar no fato que o próprio Jesus nunca se assumiu como o Messias, embora na sua resposta indireta a João listasse as típicas atitudes do ‘enviado’ que consistiam em abrir a vista aos cegos, curar leproso, etc. e, de forma inédita, ‘aos pobres é anunciada a boa nova’. Essa dúvida de João misturada com confusão teológica advém do fato de que Jesus tinha um comportamento que era frontalmente oposto às suas expectativas messiânicas. 

João  pregava a DES-GRAÇA que, afinal, já estava presente de forma óbvia no cotidiano das pessoas e Jesus pregava a GRAÇA, a nova e enésima chance de redenção que Deus oferecia generosamente às pessoas. O Deus justiceiro, impaciente, vingativo e raivoso de João não encontra correspondência na pregação e nas atitudes de Jesus que apresentava um Deus compassivo, paciente, generoso, misericordioso. Acreditamos que, paradoxalmente, é nisso que se dá a ‘preparação dos caminhos’ de João para entender e acolher a ‘novidade’ trazida por Jesus. É como se João dissesse aos seus ouvintes e discípulos que o seu ‘deus’ caducou, que a sua visão arcaica e distorcida de Deus venceu o prazo, pois pouco construiu e serviu. Havia chegado a hora de compreender Deus de uma forma nova. Um Deus que prática sim um amor exigente, mas que jamais castiga, ameaça ou chantageia seus filhos. Sem a ‘pregação demodée’ de João não conseguiríamos compreender o alcance e a originalidade da pregação e do testemunho de Jesus. Por isso que o próprio Jesus se de um lado reconhece a grandeza de João em despertar consciência, em alertar sobre uma responsabilidade pessoal e coletiva quanto aos destinos da nação, do outro lado reconhece que diante do ‘novo momento/Kairós/ Boa nova’ o ‘menor’ nessa nova conjuntura real de Deus ‘é maior que João Batista’. É maior porque justamente os pequenos invisíveis compreenderam o que João não conseguiu compreender: o Deus da compaixão e da misericórdia, enfim, começou a olhar, perdoar e a proteger os pequenos, os pecadores tão detestados e condenados pelo ‘deus’ de João! 


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