Limone, 31 de dezembro, 2024
Meus queridos e amados confrades,
que o Coração de Jesus continue a incendiar suas almas de compaixão e de zelo apostólico. Como vocês bem sabem, apesar de eu me encontrar numa dimensão que vocês ainda não conhecem, o fluxo de informações que tem existido entre nós e vocês jamais foi interrompido. Da mesma forma, garanto-lhes que o afeto e a admiração por vocês nunca diminuíram.
Queria me dirigir a vocês nesse momento importante para a vida do Instituto que vocês criaram, após o meu retorno ao Pai, e do qual vocês hoje fazem parte. Chegou até mim, - ainda não sei bem por quais caminhos, - que o padre geral de vocês abdicou de sua função para a qual havia sido eleito, de forma soberana, para ser bispo de uma diocese na minha amada África. Confesso que fiquei surpreso e um tanto pensativo com tal notícia. Andei investigando por aqui, através da minha restrita rede de anjos-anunciadores, para obter maiores detalhes sobre a procedência ou não dessa informação, e pude constatar que é verdadeira.
Diante disso, gostaria, inicialmente, de parabenizá-los porque - diferentemente daquilo que muitos bispos católicos andam dizendo de si próprios ao se apresentarem como ‘legítimos e diretos sucessores dos apóstolos’, - vocês nunca entenderam o padre geral que escolhem, periodicamente, como meu direto sucessor. Contudo, não posso deixar de estranhar o poder que lhe é conferido. É verdade, existe um conselho geral, e uma configuração de instituto em que cada província possui um seu coordenador auxiliado por vários conselheiros, mas, no final das contas, o poder de decisão e, porque não, de interferência é, em última instância, do padre geral. E isso tem gerado muitos equívocos e manifestações pouco evangélicas. Ainda há missionários que entendem esse ‘serviço’ como uma espécie de cargo público a ser prestigiado e celebrado solenemente com parentes e amigos!
Pessoalmente, acredito no poder da ‘sinodalidade’ que, ultimamente, na dimensão terrena de vocês, assumiu uma centralidade bem significativa. Em outros contextos, outrora, se falava em ‘comunhão e participação’, mas o seu sentido último não muda excessivamente. Tenho que admitir que quando me encontrava no seu mundo terreno atribuía-se ao escolhido a exercer uma missão dentro da igreja uma autoridade e um poder que, agora, vejo um tanto exagerados. Por ele se rezava e invocava o dom do Espírito para que ele pudesse exercer a sua missão com sabedoria. Hoje, após muitos anos, imaginava que diante das grandes transformações históricas na igreja e na sociedade, o instituto de vocês soubesse se adequar e alinhar de forma autônoma e original a estrutura, a linguagem, os conceitos e a metodologia, mas me parece que pouco mudou.
Vocês não acham que chegou a hora de deixar de lado aquele pudor institucional que, frequentemente, oculta ‘segundas intenções’? Vocês não acham, por exemplo, que chegou a hora de largar de ‘nomear o nome de Deus em vão’ invocando as luzes do Espírito Santo para que os delegados escolham o novo geral de acordo com a sua (deles) consciência, mas que, ao lado da oração sempre bem-vinda, se criem, também, mecanismos concretos para que haja um amplo e participativo debate sobre o papel, os desafios, a missão, a identidade do futuro coordenador do seu instituto? Vocês não podem ignorar que quando há uma eleição, e nesse nível, principalmente, - e não se pratica um discernimento aberto, direto, comunitário, enfim, sinodal, - é grande a tentação de vocês mergulharem nos sórdidos joguinhos de ‘grupelhos de pressão’ para viabilizar este ou aquele nome, e, pior, sempre na surdina. Às vezes, tenho a impressão que as assembleias e os capítulos que vocês fazem são meras formalidades e repetições de coisas já vistas, e que pouco acrescentam à atual vida do instituto.
Finalizando esta minha carta, como pai e pastor de vocês, - pois é assim que ainda me considero, - exorto-os a não ter medo do futuro próximo que vocês mesmos estão a vislumbrar: a escassez de vocações, ou o seu surgimento restrito, basicamente, a uma região bem específica da terra, a minha amada África, o aumento de casos de desistência de missionários, os desafios com a manutenção econômica e muitos outros problemas que vocês bem conhecem. Convido-os a não serem meros executores de regras canônicas engessadas e esclerosadas, e nem modernos reprodutores de tarefas apostólicas ditadas por planos sexenais elaborados às pressas. Filhinhos, não se preocupem com o nome do candidato a ser o futuro geral de vocês, nem do atual e nem do futuro. Assegurem-se, ao contrário, que desde já se multipliquem as formas, os meios e os conteúdos centrais e coerentes da missão de vocês, hoje, para debater, discernir, e escolher todos juntos os melhores caminhos, evitando disfarçadas atitudes autoritárias, elitistas e omissas. Que Jesus o único e verdadeiro Pastor seja sempre Aquele que caminha ao seu lado. Abraço-os com profundo afeto e que Maria mãe missionária nos proteja sempre!
Vosso Daniel Comboni
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