Hoje pela manhã, na companhia de um amigo que fazia anos que não passava pela nossa cidade, fiz uma rápida visita a Piquiá de Baixo, Açailândia. A impressão foi de que Piquiá de Baixo havia virado um lugar fantasma ou uma pequena Gaza em miniatura. As casas de muitos antigos moradores que acolá viviam até poucas semanas atrás, estão literalmente evisceradas. Arrasadas pelas pesadas máquinas das empresas que margeiam a BR 226 e, sob a batuta da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente de Açailândia, as antigas moradias oferecem, agora, um macabro espetáculo de destruição e abandono. A horda institucional dos ‘Hunos da atualidade’ não teve pena e nem compaixão em arrasar as antigas habitações daqueles moradores que, agora, - após 19 anos de longa e combativa luta e resistência, - ocupam, definitivamente, o conjunto habitacional de Piquiá da Conquista, a poucos quilômetros de distância. Certamente, os responsáveis por gerenciar o que sobrou de Piquiá de Baixo, ao serem questionados, alegarão que ‘tudo foi feito em comum acordo e dentro da mais estrita legalidade’. Duvido, mas não é disso que se trata. Com efeito, houve, sim, vários encontros interrinstitucionais e termos de ajustes de conduta e compromissos de vários tipos para determinar prazos, modalidades e condições para a transferência definitiva de um lugar para outro. Contudo, foi a despiedada metodologia adotada pelos órgãos executores que escancarou o alto nível de insensibilidade institucional para com os moradores ‘das antigas habitações’. Tive oportunidade de testemunhar, pessoalmente, a reação de uma senhora ao ver a sua casa, - onde ela e a sua família havia passado longos anos, - sendo totalmente arrasada. Ao contemplar atônita aquela montanha de escombros irreconhecíveis as lágrimas escorriam copiosamente de suas faces, misturadas com uma surda e tácita indignação. Mesmo não mais morando naquela casa, - mas continuando a ser, formalmente, a legítima proprietária, - a senhora não havia sido comunicada da decisão de que a sua habitação teria sido derrubada.
Mais chocante foi a discussão que se sucedeu entre nós e um funcionário da Defesa Civil de Açailândia que, de forma intransigente e irremovível, insistia para que se procedesse à derrubada de outras casas cujos donos já haviam sido notificados. Compreendi, de imediato, a lógica daquele funcionário que, certamente, ainda não havia passado pela mesma situação daqueles que haviam feito de suas humildes habitações lugares de aconchego, de convivência amorosa, de hospitalidade e porque não, altares onde se celebravam os nascimentos e aniversários de filhos e de netos e, também, a morte de entes queridos. Insistimos em mostrar como aquele modo de proceder, frio e cruel, não tinha em consideração o choque emocional de um morador ao ver aquele que foi um sacrário de afetos, aconchego e humanidade sendo arrasado sem um oportuno pré-aviso e um atencioso ‘acompanhamento humano’. Só a chegada do então secretário do meio ambiente conseguiu deter a fúria daquele executor de ordens! Na nossa visita pela manhã conversamos com alguns moradores que não foram contemplados com uma casa no novo conjunto de Piquiá da Conquista e que aguardam uma definição sobre o seu incerto futuro. Manifestaram sua angústia em se sentir cercados pelos escombros das casas daqueles moradores que até pouco tempo atrás eram seus vizinhos, parceiros, compadres. E a clara percepção de que os assim chamados poderes públicos parecem ter sumido definitivamente daquelas ruínas. É como se no Piquiá de Baixo já não existisse mais gente que sonha, que resiste, que grita e que espera. Não existem ‘guardas municipais’ e nem vigilantes oferecidos pelas ‘generosas empresas locais’ para proteger aquele território que virou terra de ninguém e que sem uma presença ostensiva do governo municipal pode abrir o caminho para novas e inéditas atividades escusas e ilegais, sem falar que os chacais vivem à espreita depredando o pouco que ainda sobrou.
Hoje no aconchegante e arejado Piquiá da Conquista muitos ex-moradores continuam visitando, diariamente, como numa romaria carregada de mística e de saudade, aqueles esqueletos de barro e de tijolos despedaçados espalhados, e já enterrados pelo vigoroso matagal, pelo esquecimento de muitos e pela fúria inexorável e devastadora do tempo. No entanto, os moradores de Piquiá de Baixo não podem olvidar decênios de proximidade com empresas que até hoje continuam descarregando trovões de poeira preta de carvão e de ferro e reforçam a ilusão dos ‘desterrados de Piquiá da Conquista’ de que o pior já passou. Não podem ignorar as idas e vindas de muitos homens e mulheres de Piquiá de Baixo, alguns já falecidos, para reivindicar, exigir, negociar, pressionar por casas e vidas dignas. Para que suas vidas não sejam jamais interrompidas pela avidez e a insensatez daqueles falsos promotores do ‘bem estar’ que acham que o respeito às pessoas e ao ambiente não condizem com o ideário de desenvolvimento industrial e econômico que povoa suas mentes obsessivas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário