Muitas vezes nos espantamos por aquilo que vemos. Pela indiferença de muitas pessoas perante situações de sofrimento, de necessidades, e de injustiças experimentadas por outras. Pela maldade, que pouco tem de humano. Temos dificuldade de entender porque há pessoas que diante de tudo isso não reagem. Parece até que uma sutil capa de cegueira tome de conta dos seus olhos e do coração. E impeça de enxergar e de sentir ecoar dentro de si os estados de ânimos de outras pessoas vítimas de brutalidades e humilhações. Perguntamo-nos, atordoados, como é possível que algo tão ‘objetivamente’ evidente possa ser negado e ignorado por um número tão significativo de pessoas! Perguntamo-nos se a sensibilidade e a compaixão são inatas ou adquiridas. Certamente a compaixão evangélica que capacita a perceber ‘os dramas e as alegrias da alma humana’ é fruto de processos educativos iniciados na mais tenra idade. Ou seja, ninguém adquire isso ao nascer.
O evangelista Mateus, na sua parte introdutória em que contextualiza o sinal da multiplicação, nos informa de que Jesus ‘ao ver as massas sentiu uma forte compaixão’. Compaixão é essa mistura de misericórdia, amor e indignação interior que permite a Jesus – e a toda pessoa - compreender as aspirações e as necessidades dos seus semelhantes e se adentrar em seus sentimentos e emoções mais profundas. Compaixão não é, portanto, um sentimento passageiro e circunstancial, nem um mero estado de ânimo. É dom e é habilidade adquirida mediante a aprendizagem. É metodologia de convivência social. A compaixão, dessa forma, parece ser o fruto maduro de todo um processo educativo que visa ao conhecimento real da alma humana. Isso é tão verdadeiro que diante de situações-limites parece disparar, automaticamente, no ‘compassivo,’ – educado para tanto, - um mecanismo pelo qual ele consegue captar no instante e de forma completa os sentimentos, as emoções, as angústias interiores das pessoas com as quais ele entra em contato. Os dramas e as alegrias ‘dos outros’ se tornam ‘os dele’. Seria, porém, muito redutivo achar que tudo isso se dê somente num mero plano psicológico. A compaixão faz aflorar no 'compassivo' atitudes e respostas operativas que amenizam de um lado dores e sofrimentos e, do outro, lhe sugere caminhos e saídas para uma determinada situação-limite. Não só. Ele age de forma a transmitir e a capacitar o maior número possível de pessoas para que incorporem e adotem o seu jeito de ser. De se compadecer.
O texto evangélico revela como Jesus ‘delega’ aos apóstolos a missão de ‘distribuir’ os pães e os peixes. É uma espécie de teste pedagógico que Jesus ensaia. Para ver até que ponto eles/as incorporaram a compaixão. Até que ponto estão preparados a agir movidos por ela. Jesus deixa a entender que a verdadeira riqueza, afinal, que nos dá as condições para matar a fome de vida das pessoas não é aquela que advém do ‘dinheiro’ utilizado para ‘comprar’ tudo e todos. Mas é aquela que brota da compaixão para com o faminto de pão e de misericórdia. Para com aquele que está ao nosso lado e que ainda não conseguimos enxergar e compreender porque o nosso coração continua indiferente e os nossos olhos permanecem fechados. Porque ainda não fomos ou não nos deixamos educar para sermos compassivos. É multiplicando compaixão que se multiplicam pães-peixes, e vida. É entrando em sintonia com o mundo interior ‘do outro’ que matamos a sua e a nossa fome e sede de justiça e compaixão.
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