Possuímos muitos indícios e evidências que apontam para determinadas realidades, mas queremos mais garantias, mais verificações, e mais provas irrefutáveis. Ouvimos perfeitamente, mas somos incapazes de escutar os anseios e os desejos profundos do coração humano, nosso e alheio. Vemos sem dificuldade, mas não enxergamos as pessoas desfilarem diante de nós com seus dramas e necessidades. Falamos clara e fluentemente muitas línguas, mas a língua da nossa prática é incompreensível para muitos dos nossos ouvintes. Intuímos para onde deveríamos ou poderíamos ir, quais são os caminhos a seguir. Percebemos onde investir as nossas qualidades e valores, mas não temos coragem de percorrer a direção apontada. Possuímos conceitualmente o valor da liberdade, mas não nos sentimos livres. De felicidade, mas somos tristes. De justiça, mas praticamos muita iniqüidade. Parece existir dentro de nós um mecanismo que impede a plena coincidência entre o nosso sentir e ser, com o nosso manifestar e fazer. Aparentemente, algo insanável. Experimentamos, consequentemente, uma frustração existencial de fundo. Sentimo-nos, afinal, surdos, mudos, cegos. Necessitamos nos ‘abrir’ para começar a enxergar, a ouvir, a sentir com o coração, e não com os sentidos fisiológicos. Mas com um coração compassivo e misericordioso.
O evangelho desse domingo, longe de ser uma crônica de mais um sinal surpreendente de Jesus, nos apresenta uma catequese verdadeiramente existencial. O ‘surdo’ com dificuldade de ‘falar’ que se encontra com Jesus em terra pagã poderia ser qualquer um de nós que, embora possuindo a plenitude dos sentidos, faz a experiência de ser incapaz de ouvir, de compreender e de ver. Um verdadeiro handicap existencial que exige uma transformação radical de vida. Uma ‘nova criação’. É o que Jesus realiza nesse ‘novo Adão’ que é a criatura humana. Jesus não intervém isoladamente sobre um dos sentidos, mas re-cria inteira e simbolicamente o surdo-mudo. Pega a saliva, coloca-a na língua, põe os dedos nos ouvidos, sopra nele e a pessoa ‘se abre’ inteira e definitivamente. O evangelista deixa a entender que a partir desse momento a pessoa beneficiada não somente é uma ‘nova criatura’, mas ela mesma está apta a ‘soprar’ sobre outros surdos-mudos para que por sua vez se ‘abram’ definitivamente aos outros. A ‘nova criatura’ se torna discípula e seguidora do ‘Criador’ que a regenerou definitivamente. Uma transformação tão surpreendente que fez com que todos, admirados, ‘vissem’ que Jesus ‘fazia bem todas as coisas’. Não mais uma autocontemplação do próprio Deus – como no Gênesis, - mas um claro reconhecimento de todos aqueles que, agora, ‘vêem’ em Jesus a possibilidade de renascer para uma nova existência. Que isso aconteça conosco!
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