Frequentemente nos decepcionamos com pessoas que admiramos. A decepção, todavia, parece ser ditada mais pela nossa tendência em idealizar o ‘outro’ que admiramos do que pelas suas ações contraditórias. Temos dificuldade de encarar o outro estimado e admirado como um ser normal. Um ser sujeito às normais contradições da vida. A admiração pouca realista que alimentamos em relação à pessoa admirada nos leva a considerá-la uma espécie de super-homem sem defeitos, ou um anjo incapaz de cometer deslizes de qualquer tipo. Quando, porém, isso ocorre, experimentamos um forte sentimento de ‘traição’. Sentimo-nos enganados e manipulados quando a pessoa que admiramos e estimamos manifesta comportamentos que nós não aprovamos. Mesmo quando nós não somos diretamente afetados e prejudicados pelos seus gestos contraditórios. Essas reações que experimentamos diante de uma decepção com a pessoa que admiramos revelam, no fundo, que ao idealizá-la a colocamos numa espécie de redoma imutável. Num mundo irreal, inatingível. O admirado não poderá, na nossa idealização irreal, mudar de comportamentos e atitudes porque nós já o catalogamos e classificamos. Não poderá sair daqueles esquemas cristalizados em que nós o colocamos. Quando ele revela uma faceta do seu ser por nós desconhecida ou não plenamente partilhada e aceitada, sentimo-nos traídos e ludibriados. Entra em nós a decepção, a desconfiança e a insegurança.
Esta parece ter sido a mesma experiência de Pedro com relação a Jesus e que é narrada no trecho evangélico de hoje. Pedro havia construído na sua convivência com Jesus uma relação de profunda admiração por ele. Na sua idealização irrealista, - fruto também de suas ocultas ambições, - o via como aquele que ungido por Deus solucionaria poderosa e definitivamente os problemas estruturais de Israel. Recusava-se intimamente a encarar Jesus como um ‘ser normal’ sujeito às mudanças da vida, a sentir medo como qualquer um, e passível de ser derrotado e de fracassar em sua missão como qualquer humano. Pedro como outros da sua época, ao identificar Jesus como o ‘enviado de Deus’ atribuía-lhe simultaneamente todas as qualidades e funções próprias de um ‘salvador’ invencível. Jesus, porém, ao perceber o grau de idealização e ao mesmo tempo de ‘fechamento’ de Pedro em não querer compreendê-lo na sua plena ‘humanidade’ o traz de volta ao justo sentido da realidade. À sua verdadeira identidade e essência. Jesus é o enviado e ungido do Pai não porque é invencível e todo-poderoso, mas porque permanece fiel à missão do Pai precisamente na experiência do sofrimento desumano e na decepcionante derrota ministerial. Ao contrário, agimos de forma diabólica quando fugimos do sofrimento e da angústia que a fidelidade à missão comporta. Quando não permanecemos próximos das pessoas que sempre temos admirado na em que descobrimos a sua fragilidade. Uma fragilidade que sempre existiu nele, mas que nós nos recusávamos a vê-la e a aceitá-la porque indireta e inconscientemente revelava e denunciava a nossa. Que possamos descobrir quem nós somos ao fazermos a experiência da cruz, e nos capacitar a amar e acolher os que não sabemos quem são, mas que sabemos que carregam cruzes pesadas!
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