É difícil sermos pessoas plenamente livres! Em muitas decisões ou escolhas somos profundamente condicionados pela cultura que herdamos e pela educação que recebemos. Elas estão inscritas na nossa genética. Parece algo indelével. Além disso, somos condicionados pela ‘imagem’ que nós construímos de nós mesmos, e pela ‘imagem’ que as outras pessoas possuem de nós mesmos, e da qual temos conhecimento. Ou seja, muitas vezes agimos profundamente condicionados pelo possível julgamento que as pessoas poderão fazer a nosso respeito ao decidirmos/escolhermos uma coisa ou outra. Quando, através de nossas escolhas originais, batemos frontalmente com a ‘imagem’ que as pessoas criaram de nós mesmos, podemos fazer a experiência da rejeição e do banimento social. Não somos mais ‘reconhecidos’, tornamo-nos ‘estranhos’! A partir disso podemos imaginar o que significou para Jesus voltar para o seu povoado (Nazaré) após ter feito uma experiência profundamente iluminadora no Jordão (batismo) que mudou radicalmente o modo de ‘se entender a si mesmo’, e o modo de encarar o próprio Deus. Um jeito novo, original, que se chocava com a ‘imagem’ que os seus correligionários haviam criado dele.
O relato evangélico deixa transparecer que de um lado Jesus era fiel à rotina ritual e litúrgica da sinagoga, – ‘entrou como de costume na sinagoga....’ - aos compromissos comunitários, e que do outro lado, o Jesus do pós-Jordão havia voltado ‘cheio de si’, alterando as dinâmicas litúrgicas tradicionais, e atribuindo a si próprio uma ‘missão’ que só cabia ao ’Messias’! Daí o ‘estranhamento’ da comunidade para com Jesus: ’Este, por acaso, não é o filho de José, e os irmãos dele não vivem todos aqui conosco?’ Muitos comentaristas costumam afirmar que esse capítulo de Lucas é a apresentação do plano evangelizador/missionário de Jesus. Na realidade representa a síntese de toda a missão exercida por Jesus e, principalmente, a ‘ruptura’ de Jesus com o mundo e o contexto da sinagoga. É o início do distanciamento definitivo de Jesus com as práticas, as relações e as dinâmicas da comunidade sinagogal, do velho modo de se relacionar com Deus. O ‘novo’ Jesus minava os alicerces daquela ‘fé’ que ele mesmo havia professado até pouco tempo antes. Isto colocava em crise a suposta segurança que a comunidade experimentava a partir dessa fé alicerçada em normas e sacrifícios. O ‘Jesus convertido/possuído’ mostrava que a salvação não vem de um ‘Messias’ forte e prepotente, mas de ‘muitos messias’, ou seja, de cada pessoa que assume o compromisso de mudar a si mesmo e a própria realidade através de atitudes de compaixão, misericórdia e justiça! Para Jesus a nova relação com Deus se dava no corpo-a-corpo com os ‘desesperados’ da Palestina, os cegos, os escravos, os impuros, e não entre as paredes de um templo, de uma sinagoga ‘separada’ do mundo, oferecendo sacrifícios e pronunciando mecanicamente fórmulas litúrgicas. Jesus sente-se o definitivo herdeiro dos grandes profetas reformuladores radicais da ‘re-ligação’ (religião) com Deus, com os homens e as mulheres. (Fonte: Blog Claudio Maranhão - já publicado)
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