Com este artigo iniciamos a nossa reflexão sobre as obras de misericórdia ‘espirituais’. A igreja, consciente que o ser humano é ‘um’, indivisível, não faz separação entre ‘corpo e espírito’. Nem faz julgamento de valor, afirmando que algumas obras de misericórdia seriam mais importantes que outras. A igreja em sua sábia apresentação faz uma separação meramente didática para uma nossa melhor compreensão e uma mais eficaz aplicação. Afinal, Jesus veio para salvar o ‘homem todo, - integral e simultaneamente,- e todo homem’.
I- . Escolhi essa ‘formulação’, pois me parece mais fiel à tradição e ao pensamento da igreja católica. Com efeito, toda pessoa possui algum tipo de saber. Afirmar que temos o dever de ‘instruir os que não sabem’ cheira a presunção e arrogância. É uma tácita admissão de que ‘só nós’ teríamos o depósito do pleno conhecimento e da verdade. Já o sábio Paulo Freire nos lembrava que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, tendo como mediação o mundo”. Nesse sentido essa obra de misericórdia diz respeito muito mais à nossa metodologia como cristãos, do que à nossa missão de ‘instruir e transmitir verdades’. Num mundo de ‘manipulados e manipuladores’ – no qual todos nós transitamos, - é fundamental assumir o dever ético de educar e nos deixar educar, no mundo, a ter uma profunda ‘consciência crítica’. O próprio Jesus não se considerava um ‘mestre de verdades’, mas um atento educador e um aluno servidor ao mesmo tempo, com a missão de motivar e mostrar às pessoas os macro-valores da vida. E deixava a cada pessoa a livre tarefa de discernir e decidir, criticamente, se incorporá-los ou não. Aqui nos defrontamos num desafio incomum. Na contracultura planetária da esperteza e da corrupção, na prática aparentemente majoritária de utilizar a violência e a prepotência nas relações interpessoais, nas inúmeras manifestações de manias de superioridade, de intolerância e de auto-suficiência, praticar o respeito e a colaboração com o ‘outro’, a escuta e o diálogo, é colocar as bases para a cultura da liberdade-verdade evangélica. Em muitos ambientes eclesiais e sociais persiste ainda a ilusória idéia de que é através de sermões e de chamamentos moralistas, - quando não ameaçadores, - que podemos ‘instruir os que não sabem’! As pessoas ‘aprendem e descobrem’ a ‘sua’ verdade, ou seja, o sentido da sua própria vida, mediante a prática diária de ver, de sentir, e de praticar gestos de compaixão e de compreensão. E será essa verdade que as tornará livres de ‘tantas ignorâncias’. Não esqueçamos o exemplo paradigmático dos discípulos de Emaús que eram incapazes de ‘compreender’ as escrituras enquanto Jesus os instruía sobre elas. Foi somente com o gesto concreto e visível de distribuir o pão da amizade e da comunhão que os ‘olhos-mentes deles se abriram’.
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