quinta-feira, 8 de novembro de 2018

‘Bem-aventurados os que ouvem a palavra e a põem em prática’ (Lc. 11,27-28) –


Causam-me irritação aquelas pessoas que se pavoneiam por ter decorado numerosas citações bíblicas. Permaneço arredio com os fanfarrões que arrotam com empáfia, e de forma descabida, ‘a palavra do Senhor Jesus’. Lembram-me os patéticos e hipócritas escribas e fariseus contemporâneos de Jesus. Muitos autodenominados anunciadores da Palavra acreditam que ao citarem a ‘sagrada escritura’ estariam pregando a ‘Palavra de Deus’. Ledo engano! São duas coisas bem distintas. A ‘sagrada escritura’ se torna, de fato, ‘Palavra de Deus’ quando ela é acolhida, compreendida e praticada pela pessoa. E quando o seu anunciador a transmite com fidelidade e coerência de vida! A escritura sagrada se transforma em Palavra de Deus quando ela realiza, efetivamente, a sua missão de transformar pessoas e realidades. Ao não acontecer, ela permanece uma mera escritura, um conjunto de livros, mesmo que denominados ‘sagrados’!   

Na bem-aventurança de hoje Jesus declara felizes aqueles discípulos que acolhem, compreendem e põem em prática a PALAVRA. Não somente a Palavra revelada, escrita, mas a Palavra TESTEMUNHADA que é igualmente revelada e inspirada por Deus. Jesus, na realidade, está alertando os seus seguidores sobre o grave perigo dos falsos pregadores e das falsas testemunhas. Os manipuladores e os estelionatários da ‘palavra viva’. Aqueles que interpretam a escritura segundo seus interesses e ambições pessoais. Jesus sabe que o ser humano se alimenta também de palavras. Palavras que consolam, que encorajam, que convocam aos grandes gestos. O Mestre, contudo, tem plena consciência das manipulações que os humanos exercem por meio das palavras que iludem, que enganam, e que ofendem. Mais grave quando usam para seus sórdidos fins a ‘sagrada escritura’ come se fosse o próprio Deus a inspirá-los. Não há como negar que há muitos anunciadores da ‘escritura sagrada’ que emprestam sua boca para proferir palavras mentirosas e injuriosas contra membros da sua própria comunidade, vistos como rivais e inimigos. Pensemos, por um instante, o que vem ocorrendo no nosso País, nesse momento histórico. Milhões de pessoas sendo bombardeadas e manipuladas em suas decisões de vida pelo fenômeno gravíssimo conhecido como ‘fake news’. Informações falsas espalhadas nas redes sociais como verdades, e verdades sendo vendidas como mentiras. Diante da falta de discernimento isto gera comportamentos sociais e individuais inesperados, altamente nocivos e conflituosos. 
Por isso Jesus nos alerta que é imprescindível ‘ter ouvidos, e ouvir’. E compreender a Palavra transformada em gestos coerentes, para diferenciá-la das ‘palavras humanas’ carregadas de ambições e ilusões. Escuta exige, de fato, atitude crítica e discernimento. Muitos anunciadores frequentemente reproduzem a Palavra da forma que se apresenta na escritura sagrada sem indagar o seu sentido profundo, o seu contexto, e a sua simbologia. Tornam-se transmissores fundamentalistas de uma Palavra que não lhes arranhou a alma, e não abriu a sua mente. E o mais grave: são incapazes de escutar pessoas concretas que com o seu testemunho de doação e gratuidade continuam a falar de forma significativa aos humanos. Afinal, Deus não se comunica ao seu povo somente através da sagrada escritura, a Bíblia, mas através de todos aqueles filhos e filhas que põem em prática a Sua vontade.  As testemunhas da Palavra. Já Jesus dizia com clareza que ‘quem vos escuta, a mim escuta, e quem vos rejeita, a mim despreza! (Lc. 10.16). Escutar a Palavra é também escutar os sofrimentos daqueles a quem a Palavra é dirigida: os pobres, os aflitos, os desesperados, os desterrados, os famintos de justiça. È para eles que a Palavra se dirige, prioritariamente, e é através deles que é anunciada. Justamente porque essas pessoas são expressão concreta de que a Palavra é eficaz, surte efeito. E muda as pessoas. ‘Como a chuva e a neve não retornam sem fazer brotar a semente, assim é a minha palavra. Não volta a mim sem deixar o sinal’ (Is.55,10). Felizes os discípulos que compreendem o poder impactante da Palavra testemunhada, a que se traduz em gestos de caridade e de justiça. Em obras de misericórdia, e não em meras e piedosas meditações. A pessoa que dá de comer ao faminto, que veste o nu, que acolhe o migrante, e visita o detento torna efetivo o potencial transformador da Palavra. A pessoa se torna, ela mesma, ‘Palavra viva’, e alicerça a sua existência sobre a rocha firme (Mt.7,21- 27) Hoje queremos reproduzir nos nossos gestos e opções de vida a mesma escolha de Pedro ‘a quem iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida plena’ (Jo. 6,68). As únicas ‘Palavras’ que não enganam e nem iludem! As palavras que deixam de serem meras palavras, e se tornam carne, compromisso, força transformadora, e serviço gratuito. (o artigo  é publicado na coluna deste blogueiro no O Jornal do Maranhão - editado pela Arquidiocese de São Luís)

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