Em decisão incomum, o juiz Luciano Ribeiro Guimarães Filho emancipou uma jovem de 17 anos para que ela pudesse ser contemplada com uma casa no programa Minha Casa Minha Vida. Guimarães Filho é titular da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Acidentes de Trabalho, da comarca de Jequié, na Bahia. A decisão é do dia 16 de outubro.
O motivo da inabitual sentença, segundo o juiz, foi a carga emocional envolvida na situação da jovem. Na decisão, o magistrado ressaltou que, segundo o Código Civil, a jovem não poderia ser emancipada pois não cumpria nenhum requisito para o deferimento do pedido. Entre os critérios estão estudar, exercer atividade laborativa remunerada ou possuir renda própria. Para Guimarães Filho, porém, a Constituição Federal, que garante o direito a uma vida digna e o direito à moradia, deveria se sobrepor ao que está disposto no Código Civil.
A jovem tem 17 anos e viveu boa parte de sua adolescência em um galinheiro na beira da BR-330, rodovia que vai do norte da Bahia ao sul do Maranhão. Desde os 11 anos, ela vive sozinha, sem amparo familiar – o pai morreu quando ela ainda era criança e a mãe a abandonou. Depois de viver todas as mazelas da pobreza extrema, a jovem, com o apoio de uma assistente social, foi contemplada com uma casa no programa Minha Casa Minha Vida. No momento de receber a residência, no entanto, ela foi impedida de assinar o contrato por ser menor de idade.
A Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA) foi acionada e passou a pleitear o direito da mulher. Segundo a defesa, a jovem “não somente tinha condições de ser emancipada, como se encontrava emancipada desde os 11 anos de idade.” O juiz ponderou que a Constituição Federal, que garante o direito a uma vida digna e o direito à moradia, deveria se sobrepor ao que está disposto no Código Civil. E escreveu, pondo-se no centro da cena: “como julgar o presente caso apenas com base na letra fria da lei, que, não raramente, deixa de contemplar e prever as tragédias que são impostas a significativa parcela da população brasileira?” Segundo ele, apenas a emancipação civil poderia dar dignidade à jovem, que “possui pais que, juntamente com o Estado, há muito lhe viraram as costas, negando-lhe direitos e apenas lhe impondo a obrigação de lutar por sua sobrevivência e, repita-se, dignidade”. Com a decisão, ela já está oficialmente emancipada e apta a receber a casa no programa assistencial – apesar de ter perdido algumas posições na fila.
“Meu primeiro choque foi quando vi a menina na audiência de instrução. Apesar de ela nunca ter feito nada contra ninguém, ou nunca ter cometido crime nenhum, a postura dela era como se ela fosse ré de um processo criminal. Estava o tempo todo de cabeça baixa e chorando”, disse. O juiz também afirmou que recebeu diversos elogios, mesmo de seus colegas magistrados. “Não fiquei preocupado de me acusarem de ativismo judicial. Não foi realmente minha preocupação. E, ainda que dessem essa conotação, valeria à pena. Valeria o grito e o desabafo”, disse.
(GGN)
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